Glafira Furtado: Um certo desafio

Ela é natural de Cachoeira do Sul e, com 18 anos de idade, mudou-se para Porto Alegre para ir atrás do sonho e da independência

Glafira Furtado - Divulgação/Coletiva.net

Ser uma mulher independente sempre esteve nos planos de Glafira Furtado, professora de Comunicação da Famecos. Natural de Cachoeira do Sul, trocou a cidade natal por Porto Alegre quando tinha 18 anos de idade para ir em busca do seu objetivo. Passou os anos seguintes dividindo apartamento com mais duas amigas e estudando na PUC, onde se formou em 1980, em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas.

A escolha pela graduação foi simples. Tímida, resolveu colocar em sua vida o desafio de ser comunicadora, o que se somou ao gosto pela escrita e pela leitura. E a dificuldade de se expor e conversar em grandes grupos deu lugar, surpreendentemente, à docência. Na época do vestibular, no entanto, optou pela habilitação em Jornalismo, em respeito aos ideais da juventude. "Nos anos 1970, pensava que o jornalismo e a comunicação poderiam revolucionar o mundo. Além disso, era uma oportunidade de contribuir para mudanças", relembra.

Época de mudar

A área de Relações Públicas foi se apresentando como uma opção promissora e interessante de atuação, à medida que o curso avançava, devido às empresas multinacionais que se instalaram no País na década de 1970. E isso foi determinante para a mudança: "Ao manter contato com o setor, apaixonei-me e redirecionei as disciplinas para RP".

Relaciona, ainda, a escolha ao desejo de independência, alimentado desde cedo pelos pais, Dely Furtado, já falecido, e Maria Inês, de 85 anos. "Queria me profissionalizar e ir para a cidade grande. Com a possibilidade de associar isso à área de RP e a um mercado bastante desafiador, pensei: 'É aí que eu vou'", explica. O mesmo se passou com os irmãos mais novos, Mônica e Marcelo, que seguiram o mesmo caminho.

O primeiro trabalho foi como monitora na própria Famecos, e, depois, engrenou no mercado externo. Ficou dois anos em uma multinacional, em Porto Alegre, ainda na época estudante. A ânsia de ter o diploma na mão a fez se formar em três anos e meio, seis meses antes do tempo normal de curso, e, graduada, ingressou em uma empresa de Previdência Privada, onde ficou mais dois anos, enquanto cursava uma especialização em Jornalismo, também na PUC.

Dedicação maternal

Junto às experiências profissionais, veio, também, a maternidade. Sem entrar em detalhes, Glafira conta que casou e se mudou para o Rio de Janeiro, onde passou os 10 anos seguintes. Neste período, teve os filhos Guilherme, hoje com 34 anos, e Mariana, com 30, e decidiu se dedicar exclusivamente à vida materna. "Ao mesmo tempo em que sempre valorizei a questão de independência financeira, quando chegaram meus filhos, optei por valorizar a família", comenta.

Essa é outra realização da sua vida. "Entendi que eles precisavam de mim, especialmente naquela primeira infância e, felizmente, tive condições de fazer essa escolha", afirma e sintetiza: "Pensei se era a melhor opção, mas não me arrependo, pois, mercado de trabalho tu recuperas, esse tempo em família não".

A vida deu algumas voltas e, já separada do então marido, a professora regressou a Porto Alegre, com os filhos já maiores. Era hora de retornar, também, ao mercado de trabalho e se qualificar. A primeira decisão para isso foi se matricular em outra especialização, mais uma vez em Jornalismo.

Lady Glafi

É assim que alunos e ex-alunos chamam carinhosamente a professora, que já se dedica há 25 anos à docência. Sempre muito bem arrumada, ela prima pela simpatia e pela delicadeza. Com voz suave, conta que, em junho deste ano, foi homenageada pela PUC com a Medalha Irmão Afonso, entregue aos profissionais da instituição de ensino que completam um quarto de século de trabalho. "Sinto-me muito honrada, pois sempre foi uma meta alcançar esse tempo de contribuição à universidade", comenta.

Ao mesmo tempo, revela que nunca esteve em seus planos ser professora, porém a oportunidade se lançou em janeiro de 1994, quando abriu um processo seletivo para o qual se candidatou. "Foi onde me encontrei ao longo desses 25 anos, sempre estudando e aproveitando as oportunidades que a universidade oferece, com cursos e palestras, e isso me realiza bastante." Com isso, a timidez que tinha na infância não existe mais e, hoje, considera-se uma pessoa bastante falante, sempre tentando provocar debates em sala de aula com os alunos.

O valor do silêncio

Tem pouco tempo de folga, é verdade, isso porque se dedica bastante ao ofício. Quando não está em sala de aula, está preparando as disciplinas, corrigindo provas e trabalhos ou, ainda, orientando estudantes de fim de curso com seus trabalhos. Contudo, os raros momentos livres são muito bem aproveitados, e o que mais aprecia nessas horas é cultivar o silêncio, preferencialmente no conforto do lar. "A gente se esforça tanto para ter uma estrutura e bem-estar e, muitas vezes, não desfrutamos disso. Com a maturidade, cada vez mais valorizo esses momentos", sentencia ela, que mora sozinha.

Soma a isso a dedicação à família e, sempre que possível, viaja a São Paulo para visitar a caçula, que também seguiu na área de Comunicação e, lá, trabalha como jornalista de uma empresa. Guilherme, por sua vez, cursou Jornalismo e Música e, atualmente, é doutorando em Sociologia e professor de Música.

Viajar, aliás, está no topo de sua lista de atividades preferidas. Conhece boa parte do Brasil e é apaixonada, especialmente, pelos brasileiros e suas especificidades. Uma viagem inesquecível é Manaus, no Amazonas, e seus arredores, assim como o estado do Pará. "Essa região me tocou profundamente. É um lugar surpreendente, uma outra realidade", resume.

Também gosta muito de estar próxima do mar, tanto é que possui uma casa em Capão da Canoa, no litoral norte do Rio Grande do Sul. Frequenta a praia há 40 anos e prefere ir em outros períodos que não o Verão, para fugir do movimento da alta temporada. É nesses momentos que aproveita para colocar a atividade física em dia, com caminhadas à beira-mar, apreciando, sempre, a água e o silêncio.

Inclusive, é para lá que pretende ir com mais frequência quando chegar a hora de se despedir da sala de aula. "Parar é inevitável e a gente precisa se preparar para esse momento. No dia em que a universidade entender que já dei minha contribuição, tudo bem. Aí, quem sabe, terei mais possibilidade de conviver com a família e com os amigos. A vida é feita de ciclos e eles se encerram para outros começarem", avalia.

Fonte de realização

Tenta escapar dos livros técnicos quando pode e busca aqueles que a ajudam a entender a complexidade do ser humano e os fenômenos sociais. Por isso, dá preferência às obras que circulam na área da Sociologia. Quando o assunto é televisão, confessa que gostaria de assistir mais, pois acredita que ainda se trata de um veículo que informa e proporciona, em alguma medida, informação e entretenimento. Quando tem tempo, opta por noticiários e gosta de acompanhar documentários, entrevistas, debates e programas de entretenimento, e assume que não vê filme nem série, especialmente durante o semestre letivo.

O cantor Ney Matogrosso é seu grande ídolo no que se refere ao universo musical, desde os tempos da banda Secos e Molhados, e assegura que "não é uma paixão de ontem". Tem, aliás, uma foto com ele e conta que teve o privilégio de assisti-lo. "É um homem à frente ao seu tempo, completamente sensacional e tem uma alma maravilhosa", declara. De resto, seu gênero musical de preferência é MPB e alerta: as mais antigas, com Toquinho e Vinicius de Moraes, são outras grandes paixões. "Para mim, a música está nesse nível."

É católica e frequenta bastante as missas sempre que possível. Aproveita que a PUC é da mesma linha religiosa e vai à Igreja Cristo Mestre, situada no campus da universidade, local que proporciona bons momentos de silêncio e reflexão. Com relação ao esporte, passa longe de qualquer um. Mas se o assunto é torcer, até diria que seria para o Grêmio, porém, confessa que não sabe dizer o nome de nenhum jogador.

Se sente feliz pessoal e profissionalmente e entende que, junto aos alunos, encontrou sua fonte de realização. "Acredito que vamos passar por mudanças significativas no mundo. Sou fã dessa nova geração. Temos, hoje, pessoas mais sensíveis, solidárias, atentas às questões complexas. Vejo jovens muito especiais que têm potencial para promoverem mudanças", acredita.

Por essa razão, considera-se privilegiada, e é isso que a alimenta ao longo desses últimos 25 anos. "Não tanto pela sala de aula em si, mas pelas possibilidades desses encontros e reflexões que tenho a oportunidade de fazer com tantas gerações de jovens", pontua. "Sinto-me uma pessoa bastante generosa com aqueles que me rodeiam ou, pelo menos, tento aprimorar esse sentimento. A inteligência emocional deve ser mais valorizada do que a racional", aconselha.

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