Guerrinha: A cachaça do Jornalismo

Especializado em futebol, o jornalista revela que não foi este o esporte que o inseriu na comunicação

Por Márcia Farias
O coração é colorado assumido, mas na frente do microfone, das câmeras ou da página do jornal, Guerrinha é reconhecido pela imparcialidade nos comentários esportivos. Aos 56 anos, dos quais exatamente a metade militando no Grupo RBS, assina atualmente uma coluna no Diário Gaúcho e participa dos programas Sala de Redação, da Rádio Gaúcha, e Bate Bola, da TVCOM. Adroaldo Guerra Filho? Não. Na verdade, o sobrenome correto é Júnior, mas adotou o Filho em referência ao pai, Adroaldo Guerra, radialista da metade do século passado. Sujeito simples e despojado, brinca diversas vezes durante a conversa e demonstra segurança em suas opiniões. Não pensa muito para recordar a trajetória e, apesar de dizer que tornou-se jornalista por acaso, considera-se um privilegiado por ser feliz na profissão que escolheu.
"Já estou bêbado dessa cachaça", diz, ao comentar o ritmo frenético de trabalhar nas três mídias. Aprendeu desde cedo que médicos e jornalistas não têm finais de semana, mas garante que não sente falta deles. Tem convicção de que muita gente gostaria de estar em seu lugar e diz que a vida que leva "foi o que o 'cara lá de cima' apresentou". Se tivesse que voltar atrás, não faria nada diferente, pois não consegue se imaginar em outra profissão. "O cavalo passou encilhado uma vez e eu montei. Por enquanto, não corcoveei", analisa.
Nem sempre futebol
A experiência para falar de Grêmio ou Internacional vem de muito tempo, é verdade, mas não foi sempre assim. Antes de tornar-se especialista no assunto, Guerrinha cobriu outro esporte: o turfe. O contato com a modalidade foi herança do pai, que o levava em corridas de cavalo desde que era criança. A primeira experiência de escrever sobre o assunto ocorreu no Jornal Hoje, da RBS - publicação que durou apenas oito meses.
O primeiro desafio da carreira, porém, veio na Folha da Manhã, em 1973, na época, jornal do Grupo Caldas Júnior (hoje, Record RS). Além de já ter certo conhecimento sobre a área, cavalos eram as paixões de Breno Caldas, então presidente do grupo, o que tornava o turfe ainda mais essencial no diário - o assunto era o primeiro que Breno procurava no jornal todas as manhãs. O desafio nesta experiência era maior do que simplesmente escrever sobre o esporte: Guerrinha precisava preencher uma página inteira por dia com notícias da modalidade. "Às vezes chegava na empresa às 13h e às 22h a página ainda não estava pronta", recorda.
Voltar para o Grupo RBS, em 1983, foi um convite de Emmanuel Mattos, que passaria a atuar como editor de esportes em Zero Hora. O colega foi até o Jockey encontrar Guerrinha para dizer: "Vim te buscar, amanhã tu começas na ZH". No primeiro momento confessa que resistiu, mas acabou aceitando "não pelo dinheiro, pois não estava fazendo leilão, mas por ser um novo desafio que se apresentava". Permaneceu escrevendo sobre turfe, até que o Grupo RBS decidiu encerrar o espaço deste esporte no jornal. Começava aí sua caminhada pelo futebol. "Na verdade, era disso que eu entendia, fazia turfe porque ninguém queria fazer", brinca.
Acumulando experiências
Tudo que surgiu na carreira de Guerrinha, ele diz ter surgido de forma natural. As experiências que teve até agora, confessa, nunca tinham passado por sua cabeça. Deixar de ser setorista da dupla Gre-Nal e tornar-se colunista foi a primeira surpresa. Quando Cyro Martins teve a ideia de criar o Diário Gaúcho, há 10 anos, ouviu dele: "Não quero mais te ouvir falar de futebol apenas em bares, tu vais ter uma coluna".
Não demorou para surgir a televisão, algo que nunca esteve em seus planos. O Lance Final era comandando por Cacalo e Ibsen Pinheiro, que deixou o programa para concorrer a cargo político. Com a saída do colega, Guerrinha foi chamado para substituí-lo e novamente resistiu. Um dos motivos de não querer a oportunidade foi o fato de já ser identificado como colorado pelos torcedores, no que Nelson Sirotsky lhe disse: "Tu preferes ser identificado com a torcida colorada na RBS ou isento em outro lugar?". A resposta veio de bate-pronto: "A que horas tenho que estar lá?".
Apesar de ser filho de radialista, o rádio também não era uma ambição. Pensava que, se um dia fosse para este veículo, não poderia ser 'qualquer um'. "Acho que este meio é algo perigoso. O que se diz, está dito. É como ter um revólver na mão: se não souber usar, torna-se um risco enorme", complementa. Mas nem o receio foi suficiente para deixá-lo longe. Quando soube que seria lançado o programa 'Falcão na Gaúcha', a notícia veio junto com a informação de que seria ele o colega do ex-técnico do Inter, Paulo Roberto Falcão. Foram seis anos de parceria e a oportunidade é reconhecida por Guerrinha como facilitadora para muitos feitos profissionais.
Não bastassem estas surpresas, no verão de 2004 foi chamado para cobrir as férias de Kenny Braga (também torcedor do Inter) no Sala de Redação. Ao final do período temporário foi avisado de que não sairia mais do programa e a sensação foi de reconhecimento. "O Sala é um canhão de audiência, foi realmente o maior elogio da minha carreira ser convidado a integrar esse time", afirma.
Ambição para quê?
"Uma vida legal" é como Guerrinha define sua forma de viver. Ele já tem tempo para se aposentar, mas o feito está fora de cogitação. Mesmo reconhecendo que "trabalhar com a cabeça cansa", garante que a dele está ótima e acha que ainda tem bastante a contribuir no Jornalismo. Ao considerar-se um profissional realizado, diz ter atingido tudo que sempre quis. "Tomara que eu possa continuar trabalhando por mais alguns anos, mas por outro lado não quero morrer dentro de uma redação", analisa, para em seguida explicar que quer ter mais tempo para ele e a família.
Mesmo em constante busca da perfeição, ele não sonha alto e, de forma simples, revela que está muito feliz com a vida que leva. Também diz que não almeja fazer mais do que já faz hoje em dia: "Estou muito bem assim", simplifica. Exemplos para a falta de ambição? "Nunca tive o sonho de ser chefe de redação. Fui narrador de turfe, mas jamais gostaria de ser narrador de futebol", admite. Apesar de não desejar nada grande, tem algo de que não abre mão e pretende fazer sempre: estar bem informado. Até hoje, chega para o Sala de Redação sabendo o que aconteceu minutos atrás, e não no dia anterior.
A imparcialidade no futebol também é encarada com muita tranqüilidade. Por lidar com torcedores, Guerrinha acredita que precisa de sabedoria para entender determinadas reações. "Eles são passionais, agem com a emoção. E eu tenho que saber gerenciar esses momentos de euforia. Se o jornalista não for tendencioso e trabalhar com a verdade, sempre terá o respaldo de todos os lados", explica, revelando que, apesar do número de emails recebidos por dia ser muito alto, faz questão de responder a todos, "mesmo que seja um xingamento bem pesado". O fato de ter conquistado o respeito os gremistas é analisado com naturalidade e uma certeza: "Antes de ser colorado, sou profissional".
Profissão avô
Casado há 35 anos com "dona Kátia", ele brinca que não sabe o que deu errado no matrimônio para durar tanto tempo. É pai da Michele, 33 anos, que hoje é responsável pelo Jornal do Almoço, e da bancária Karine, 28. O filho da funcionária pública Ieda não sabe dizer quantos irmãos tem, pois seu pai "era um grande reprodutor".
Longe da loucura diária de falar ou escrever sobre futebol, Guerrinha tem uma regra: não sai de casa pela manhã. O motivo tem três nomes: João Vitor, conhecido como Jãojão, Manoela e Eduarda. "Não fui um bom pai, mas sou um grande avô." A frase pode até chocar em primeiro momento, mas ele explica: "Não tive tempo de acompanhar o crescimento das minhas filhas, trabalhava demais. Agora, faço questão de participar de cada etapa dos netos". O paparico vai além das palavras, já que o jornalista é criticado frequentemente em casa por ser permissivo demais com as crianças. Um exemplo é deixar a televisão à disposição do trio, não importa o que ele esteja assistindo, a prioridade é dos netos.
Maluquices próprias
Depois deles, a preferência é por tranquilidade. Prova disso, é não gostar de praia por um simples motivo: "Tudo que tem lá, tem em Porto Alegre". Durante o verão, acontece o que ele considera "algo incrível na cidade, tudo fica mais fácil". O restaurante vazio e a agilidade em achar lugar nos estacionamentos fazem com que Guerrinha prefira ficar pela Capital do que encarar a estrada. Se não é por férias, os poucos dias de folga - que, segundo ele, passam muito rápido - são preenchidos com corrida de cavalos, churrasco e cinema. Aliás, sobre a sétima arte, tem uma opinião, mais do que um gosto: "Adoro filmes de ação, pois, pelo menos na ficção, os bandidos se dão mal".
Curtir a piscina, conversar com os amigos, jogar futebol e jantar fora estão na lista de preferências do jornalista, "mas o ideal é fazer tudo isso com a cidade vazia", diz, acrescentando que é alguém de bem com a vida. "Não gosto de me incomodar, nem de criar caso". E se define assim, bem generoso: "O Guerrinha, na verdade, é um cara alegre, espirituoso e responsável, mas com suas maluquices tradicionais".
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