Günther Staub: Ritmo de sobrevivente

Os obstáculos no caminho não interromperam a caminhada de Günther Staub, pelo contrário, o fortaleceram

Por Márcia Farias
Testemunha e personagem da evolução da propaganda gaúcha, ele demora a conseguir falar de si mesmo. Günther Staub prefere contar sobre as experiências profissionais a "se encher de confetes", como ele diz. O que poderia se esperar de alguém que vive do Marketing e da Publicidade desde a década de 1950, quando começou a trabalhar na Standard - agência que chegou a ser a maior do Brasil -, ele tem de sobra: experiência e conhecimento. Palestrante, conselheiro, diretor, empresário, consultor e muitas outras funções já foram desempenhadas por Günther nestes quase 60 anos de carreira. E falar disso é fácil para ele. Mesmo deixando explícita certa tensão ao dar entrevista, foi preciso pouco tempo para que se sentisse mais à vontade.
Se a primeira impressão é a que fica, Günther provou que nem sempre a regra se aplica. No começo, um homem contido, sério e até metódico. Pouco tempo depois, alguém sereno, divertido, capaz de falar de muitos assuntos ao mesmo tempo, sem perder o fio da meada. O prazer de viver está diretamente ligado a uma vontade intelectual de alguém que não quer parar de produzir. Aos 76 anos, permanece no mercado como empresário - ele é dono da empresa que leva seu nome, a Staub Comunicação e Marketing. E ainda encontra tempo para ser articulista, palestrante e membro de diversas entidades: Global Council Sales Marketing (GCSM), Conselho Fiscal da Renner Participações - Banco A. J. Renner, Conselho de Administração da ADVB e Conselho Diretor e Comitê de Inovação do PGQP.
É natural que com toda esta bagagem e com idade mais avançada, muitos se preocupem com a saúde, mas ele tranquiliza: "Faço exames periódicos e, graças a Deus, estou ótimo. Nem óculos eu uso muito", conta. As formas encontradas por Günther para viver tão bem são muitas. A única bebida alcoólica presente na rotina é uma taça de vinho por dia. Não fuma, procura dormir bem, sem se preocupar com a quantidade de horas, caminha todos os dias pela manhã, pratica pilates duas vezes por semana. Mesmo com todos estes cuidados, garante, a melhor fórmula para ter disposição é cuidar da mente. "Não me permito ficar com muito graveto na cabeça. O problema não é o que tu comes, mas o que tu guardas na cabeça. Isso sim é capaz de destruir alguém", ensina.
Vida de gratificações
Na Standard entrou por um convite do diretor regional Ernani Behs, e começou como tráfego, uma espécie de controlador dos processos de trabalho de uma agência . Foram seis anos de muito trabalho, mas com boas gratificações. Günther fala com muito carinho do ex-chefe (que chegou a ser seu padrinho de casamento), alguém que, conforme conta, proporcionou grandes oportunidades, para as quais sempre se empenhou em corresponder com perfeição. Foi na função de Atendimento que ele se encontrou, trabalhando com contas nacionais e internacionais. Mesmo que a atividade lhe exigisse muito tempo - o que não era problema para um garotão de 18 anos - ele garante que era muito feliz e muito dedicado, nem que precisasse trabalhar nas madrugadas, nos finais de semana ou nos feriados. "Nessa época, tudo era diferente. Os programas de TV eram feitos ao vivo, então demorava muito mais. E, diferente de alguns colegas, eu fazia questão de acompanhar todos os processos de perto."
Quando algum cliente contratava um artista, lá ia Günther buscar no aeroporto, levar para o hotel, apresentar a cidade, acompanhar o trabalho, levar para jantar, deixar no hotel, buscar no dia seguinte para levar de volta ao aeroporto, etc. Tudo isso permitiu conhecer celebridades, como Hebe Camargo, Cauby Peixoto, Elis Regina, entre outros. Nas lembranças desta época, guarda, por exemplo, as corridas de carro que acompanhava ao lado do chefe Ernani, de Gilberto Lehnen e de Mauricio Sirotsky; os cenários dos comerciais de TV, que eram construídos especificamente para tais trabalhos; o contato diário com os veículos de comunicação - e até o livre acesso a estas empresas. "Foi uma época de muito trabalho mesmo, mas algo intenso e de muitas gratificações", resume.
A chegada do Marketing
Günther pode ser considerado um dos precursores do Marketing como atividade no Rio Grande do Sul. Um dos primeiros presidentes da ADVB/RS, nem atuava mais no mercado da propaganda quando se envolveu com o assunto. Trabalhava na área industrial quando decidiu dedicar-se a fazer da entidade uma referência nacional. Foi mais longe. Durante sua gestão (1969 - 1973), a ADVB chegou a ganhar, por dois anos consecutivos, o prêmio de melhor associação de Marketing do mundo. Também foi nessa época que assumiu a vice-presidência para América Latina da Associação Mundial de Marketing, que tinha sede em Nova Iorque. "Na ADVB, implantei as ideias de capacitar os associados e manter as contas equalizadas. Fui muito criticado por me dedicar tanto e de graça, mas segui meu caminho", orgulha-se.
É com o mesmo orgulho que Günther recorda de ter trazido grandes executivos e professores ao Estado, "até palestrantes da América Latina, Estado Unidos e Europa", como conta "Não tenho dúvida de que foi gerada uma massa de conhecimento empresarial enorme. Porto Alegre se tornou um centro de excelência em Marketing nesta época", afirma, convicto, para lembrar, em seguida, que foi a ADVB que proporcionou que acumulasse no currículo mais de 600 palestras pelo mundo todo para falar sobre Marketing.
Traumas que ensinam
Após um período em um banco de São Paulo, voltou para se dedicar à consultoria de empresas, incluindo a Renner. Foi também diretor da Lee, fábrica de jeans, do banco financeiro da Renner, da Federasul, entre outros. Foi quando na década de 1980 recebeu o convite de Laerte Martins e Valdir Loeff para fundar a agência SLM, período sobre o qual prefere não falar. Neste momento, pede para desligar o gravador, admitindo que o assunto incomoda muito. ( Günther se licenciou da empresa para trabalhar na Secretaria Estadual de Turismo e, no término da gestão de Antonio Brito, no final dos anos 90, não encontrou mais espaço ao tentar retomar suas atividades na agência, dando fim à sociedade). Atuou como consultor durante um período, até que há 14 anos decidiu criar sua própria empresa, e admite que não foi fácil erguê-la: "Quando fui para o mercado distribuir meus cartões, recebi muita porta fechada, muita gente me virou as costas. As dificuldades foram grandes, mas me ensinaram muito e eu resisti".
Outro período marcante foi a descoberta do câncer de mama de sua primeira esposa, Marisa. Foram 16 anos de luta contra a doença e, dessa época, também tem lembranças sofridas. Diz que só ele sabe o que passou e quanto gastou, desgastando-se financeira e psicologicamente - até alguns amigos desapareceram, segundo conta. "Durante esse período, toda noite, por volta de 23h eu sentava na poltrona da sala, tomava um cálice de vinho e pensava 'amanhã tenho que levantar inteiro, ser sorridente, competente e capaz de tocar a vida'. Sofria sozinho", revela, visivelmente emocionado. As experiências um tanto traumáticas foram marcantes, mas não capazes de derrubá-lo. "Não sei se sou forte ou fraco, mas sei que aguentei tudo isso e me considero um sobrevivente", resume.
Simples diferenças
Quarto filho de uma prole de cinco, Günther se diz multimunicipal. É que ele nasceu em Arroio do Meio, foi criado em Santa Cruz, morou em São Leopoldo, mas adotou Porto Alegre como cidade para viver. Dos tempos de menino, lembra do pai reunindo a família na sala para ler as notícias do Correio do Povo e fazer com que todos discutissem o que foi lido. "Esse jornal fez parte da minha vida", comenta, sorrindo. Do primeiro casamento, nasceram Luís Fernando, de 49 anos, diretor do banco Itaú, em São Paulo, e Flávio, 47, que tem uma empresa de exportação. Completam a descendência mais três netos, Artur, Guilherme e Leonardo. O trio, quando se junta na casa do avô, ratifica a adoração que Günther tem por crianças. Sem falar nos quatro netos da atual esposa, com quem é casado há 12 anos, a professora aposentada Maria Lilia. Juntos, são significado de pura alegria e momentos de felicidade para todos.
Filho de pai católico e mãe protestante, foi educado nas duas religiões, mas não seguiu nenhuma especificamente. O que preservou deste tempo foi o gosto por visitar templos. "São os lugares mais tranquilos de qualquer cidade, e um ótimo momento para ficar comigo mesmo", explica. Foi também a partir da dupla religião de infância que aprendeu a conviver muito bem com as diferenças. E a premissa se reflete também quando se trata de futebol, política e qualquer outro assunto que permita dois lados. "Sou gremista, mas não anticolorado. Não gosto de extremismos. Acho que todas as rivalidades (esportivas, políticas ou religiosas) podem e devem conviver muito bem. Isso é em tudo na minha vida", diz.
A leveza com que tenta levar a vida faz com que não goste de violência, por exemplo. "Detesto guerra, crimes, brigas e etc. Tanto, que me neguei a prestar serviço militar, não porque tenha algo contra a profissão, mas por não ter nenhum perfil para isso."
Leveza de ser
Primar pelo conhecimento, por uma vida simples e por todas as coisas boas podem ser preferências facilmente reconhecidas na lista de prazeres de Günther. Por exemplo, na cozinha, não é exigente. Diz que nunca acorda com desejo de comer nada específico, pois diversos tipos de cardápio lhe agradam. Só tem um item do qual não abre mão, a sobremesa. Apesar de louco por doce e chocólatra assumido, confessa que também não tem preferências nesse quesito: tendo açúcar, está ótimo. A música é outra coisa que lhe prende atenção, seja para ouvir ou para dançar - algo que adora fazer até hoje. Gênero? "Gosto de música clássica, ópera, rock, gauchesca, sertaneja, caipira, samba, MPB. Ou seja, gosto de tudo que é tipo de música e vivo bem com todas elas", explica, completando que basta ter uma letra interessante para fazer bem aos seus ouvidos.
Cinema e Literatura são dois lazeres que não podem faltar na vida de Günther. O primeiro fez com que acompanhasse o Festival de Cinema de Gramado durante 15 anos. Aliás, ele nem consegue citar um filme preferido, de tantos que gosta. Confessa apenas que evita violências, pois não admite sentar-se para assistir alguém se matar. Não bastasse assistir, já até participou de duas produções, ambas premiadas, ?Verdes Anos? e ?A voz da felicidade?. Para ler, diz, sem titubear, que prefere as biografias: "Tenho um acervo bem grande deste tipo de leitura. Algumas que mais me impactaram foram sobre Henry Ford e Thomas Edson", cita, para esclarecer, em seguida, que não dispensa romances, poesias e livros técnicos sobre Propaganda, Marketing e Negócios.
O gosto pela leitura só podia resultar no gosto pela escrita. Os assuntos, por óbvio, não fogem das áreas em que atua. Seus artigos são frequentemente publicados nos sites da ADVB e da Federasul e nos jornais Zero Hora e Jornal do Comércio. Os textos também podem ser conferidos em uma revista de São Paulo, a Grande Conselho de Marketing, onde as produções são publicadas em português, inglês e até chinês. Confessa que com tantos artigos escritos tem vontade, e é incentivado pelos filhos, de reunir tudo em um livro, mas ainda lhe falta tempo para organizar.
Após duas horas de conversa, nem parece o mesmo Günther, ressabiado de falar de si. Quando olha no relógio e percebe o tempo que falou, repete uma frase inicial (agora sorrindo): "Espero não ter me jogado muito confete". Ele tenta convencer de que não sabe se autocaracterizar, diz também que "às vezes aparece um Günther que nem ele reconhece". Por certo, a melhor definição ele faz com uma simplicidade que lhe é peculiar: "Sou uma pessoa que quer o bem e procura praticá-lo. Só isso".
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