Fernando di Primio: Idéias que vingam

Desde sempre, o jornalista defende suas idéias com unhas e dentes a partir de uma conduta visionária e cheia de amor aos prazeres da vida.

Com 51 anos e uma história de sucesso à frente da JornalCom, Fernando di Primio é um visionário ardoroso, que defende suas idéias com veemência e curte prazeres como poucos. Louco pelos filhos, pela proposta diferente do seu trabalho e pelos imprevistos que a rotina pode lhe apresentar, é poeta e adora atividades culturais. "O meu mote é liberdade. Algumas pessoas buscam segurança, outras preferem amor, outras querem companhia. Eu preciso de liberdade", revela. É um apaixonado pela vida. Desde a feira de verduras do Brique da Redenção até os museus de Paris.





Tudo começou na Floresta, um bairro tradicional de Porto Alegre onde um guri corria de um lado para o outro jogando taco, bolinha de gude e muito, muito futebol. Embora não fosse pobre - nem rico, longe disso -, precisava arranjar algum dinheiro que resolvesse "os tantos" problemas que uma criança de nove anos tem que enfrentar: comprar as camisetas do time era um deles, por exemplo. Com um tino impressionante para unir o útil ao agradável, resolveu imitar alguns ídolos anônimos: aqueles que escreviam para os jornais que o pai lia e que o menino sempre dava um jeito de espiar. Nascia O Furo. A publicação valorizava a comunidade do bairro Floresta, seus moradores e seus interesses. Além de notícias, o veículo trazia interessantes opiniões sobre eventos e acontecimentos da localidade. O guri datilografava tudo, mimeografava várias cópias no escritório do pai e saía vendendo pela rua. Um sucesso. O Furo vendia em torno de 100 cópias por dia e as camisetas do time passaram a ser as mais bonitas do campeonato.





"Parece hereditário. Meu filho mais novo, com 11 anos, veio me apresentar seu próprio jornalzinho, o Aconteceu", orgulha-se Fernando. Mas isso é só um parêntese. Voltemos algumas décadas, no mesmo bairro Floresta, para continuar uma história de amor ao jornalismo. Já com 16 anos, chegava a hora do idealizador do extinto O Furo prestar vestibular. O pai, que largara o radialismo para ser engenheiro e poder proporcionar condições mais confortáveis para a família, queria que ele fosse advogado. Para o pai, ele tinha que prestar vestibular para Direito, ser advogado e ponto final. Jornalismo? Nem pensar. Tinha que ser Direito e não havia escolha. Então, o garoto pensou, pensou e resolveu fazer uma proposta. "Fiquei angustiado com aquela imposição. Minha única saída foi perguntar: ?pai, se eu passar em Direito na UFRGS e em Jornalismo na PUC, o senhor paga a faculdade que eu quero?'", lembra Fernando. O pai dele achou que aquela hipótese era impossível, e topou o desafio - como se o desafio não fosse do garoto. Perdeu.





Na contramão das tendências





Na faculdade, Fernando foi um verdadeiro agitador cultural. Era presidente do centro acadêmico da Famecos (Faculdade de Comunicação Social da PUCRS) e vice do centro acadêmico da Faculdade de Direito da UFRGS. "Acho que eu passava mais tempo nos centros do que nas aulas", confessa. Ele lembra que sua gestão à frente do CAAP (Centro Acadêmico Arlindo Pasqualini), da Famecos, trouxe para o Salão de Atos da universidade artistas de grande repercussão nacional, como Darcy Villa Verde e Chico Buarque. Também conta que, na época, o centro tinha as assinaturas dos principais jornais do país, fotocópias gratuitas de última geração e a promoção do FotoPUC - um concurso de fotografia que marcou aquele tempo. "Embora fosse uma época de ditadura, minhas prioridades eram focadas em resolver os problemas da faculdade, e não em promover grandes contestações políticas", recorda.





Foi na faculdade, aliás, que ele saboreou outro sucesso editorial. Lançou um jornal tablóide chamado Minuano, no qual fazia de tudo, do texto à captação de anúncios. Com reportagens brilhantes, a publicação chegou à tiragem de 20 mil exemplares e ganhou o Prêmio Parker de Jornalismo Estudantil, em São Paulo, como o Melhor Jornal Universitário do País, além de render a Fernando o prêmio de Melhor Texto Jornalístico. Ele lembra cheio de orgulho: "Fui a São Paulo receber os prêmios e nunca esqueço da frase do célebre Mino Carta, um dos jurados: ?Coloco o Minuano em primeiro lugar porque foi o jornal que melhor entendeu a função necessária e significativa do jornalismo atual'". Na mesma época, o jornalista criou uma marca própria que traduzia perfeitamente o seu perfil profissional: Fernando di Primio - Jornalismo Empresarial. "É que a palavra ?jornal?, na minha cabeça, é uma abreviação para Jornalismo Empresarial", esclarece.





Com 22 anos estava formado. Em Jornalismo e em Direito. Depois ainda faria pós-graduação em Jornalismo Impresso na PUCRS. Nessa mesma idade, ingressou no mercado de trabalho, já como chefe da assessoria de comunicação do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) do Rio Grande do Sul, onde trabalhou de 1976 a 1985. Mas nesse meio-tempo, em 1982, abriu a Jornal Comunicações - que hoje também é conhecida como JornalCom. Idealista, Fernando andava na contramão das tendências da época. No auge da massificação, da aldeia global, dos pensamentos de McLuhan, sua empresa valorizava tudo o que se referisse à segmentação de mensagens e publicações dirigidas a públicos distintos. "Alguns amigos diziam que essa minha obsessão pela fragmentação não me levaria a lugar algum", lembra. Mas definitivamente se enganaram. Com uma bagagem de mais de duas mil publicações editadas, todas trabalhando comunicação segmentada, a JornalCom vem conquistando vitórias e um mercado que cada vez cresce mais.





Há 24 anos editando a revista da AGAS, por exemplo, a empresa de Fernando di Primio acredita em uma idéia e, como ele, tem muita história para contar nesse sentido. Uma das grandes façanhas da JornalCom foi a Wonderful, uma publicação que, durante 10 anos, inovou intensamente em estética e conteúdo. A primazia pela liberdade, que Fernando garante expressar em todas os aspectos de sua vida, era uma evidência na revista. "Não tínhamos um projeto gráfico. Cada página era planejada pela pessoa que a escrevia, ou por quem ela quisesse. Era a essência da liberdade enquanto veículo", define. Na Wonderful, que acreditava em novos talentos, foram publicados muitos textos de profissionais que iniciavam uma carreira de sucesso: João Gilberto Noll, Martha Medeiros, Marcelo Pires, José Antônio Pinheiro Machado (que ali começou a assinar como Anonymous Gourmet), Ricardo Freire e Adriana Calcanhoto são alguns exemplos. "É um grande orgulho, e um contrasenso também. Conseguimos sustentar a revista no pior período da imprensa brasileira. Era o período da inflação desenfreada. Depois, tivemos que suspender a circulação, mas pode ser que um dia ela volte", anuncia, com certo mistério.





Livre para viver





Fernando já foi casado duas vezes e, atualmente, é divorciado. Do primeiro casamento nasceu Rafael, publicitário de 23 anos que trabalha na Competence, e Felipe, estudante de Propaganda e Marketing que trabalha na JornalCom. Do segundo veio Thiago, de 12 anos. "Sou completamente louco por eles. Se eu tivesse que dizer qual é a minha maior qualidade, diria que sou um pai presentíssimo", fala sorrindo. Gremista roxo, leva os três - que "graças a Deus também são gremistas" - aos jogos de futebol, a um sítio no interior, ao cinema, e acredita que jamais falta com carinho a eles. Nos fins de semana, divide-se entre os filhos e a busca por qualidade de vida, que, segundo ele, tem sido "uma prioridade presente". As manhãs de sábado são preenchidas com caminhadas e horas de passeio na feira de verduras do Brique da Redenção: "estou sempre lá. Invariavelmente".





Depois de Rafael, Felipe e Thiago, os maiores prazeres de Fernando se referem a viagens. Ele quer conhecer o maior número de países possíveis, da China ao Senegal, e encara as viagens como um verdadeiro objetivo de vida. Mas acredita que Paris "é a melhor cidade do mundo", porque estimula os cinco sentidos: "É incrível! Lá tu comes maravilhosamente bem, cheiras maravilhosamente bem, olhas, tocas e ouves maravilhosamente bem. E é uma cidade que transpira, em cada pólo, em cada tijolo, cultura". Essa paixão por cultura lhe faz ser figura confirmada em eventos como a Feira do Livro, a Bienal e peças de teatro em Porto Alegre. Apreciador de bons vinhos, de charutos, e de tudo o que considere prazeroso na vida, Fernando é poeta. Já está no quarto livro publicado. Chuvarada é uma compilação das melhores poesias dos três anteriores: Tato - Sentimento e Pele, Escritos Por Aí e Espelho Meu.





Ele tem uma dificuldade imensa para eleger ídolos ou grandes preferências - sejam literárias, musicais, ou mesmo relacionadas ao seu cotidiano. "Eu só não gosto da idéia de me focar exclusivamente em uma única coisa. Prefiro enxergar o mundo das mais diversas formas possíveis, sob as mais diversas óticas possíveis", revela. Por isso, Fernando gosta de variar ao máximo suas atividades de lazer. Num dia vai ao cinema, no outro ao teatro, no seguinte anda a cavalo, depois fica sem fazer nada. "Não me prendo a hobbies, sabe? Me dá a impressão de que eles acabam dominando o ser humano, privando a pessoa de olhar a paisagem", devaneia ele, lembrando até os momentos de exagero: "é impressionante. Se preciso fazer uma pequena viagem ao interior, por exemplo, sou capaz de levar 30 horas no caminho". Mas não se importa nem um pouco: "eu paro em cada coisa legal que eu enxergar no caminho, em cada vendinha que me chamar a atenção". É sempre assim. Sempre com o conceito de liberdade muito presente. "Eu acredito que o que importa mesmo é a trajetória, e não o destino".


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