Ivete Brandalise: Uma mulher de paixões

Formada em três faculdades e mãe de dois filhos, ela sempre conseguiu conciliar vários trabalhos e papéis ao mesmo tempo, sempre seguindo o seu prazer.

Formada em três faculdades e mãe de dois filhos, ela sempre conseguiu conciliar vários trabalhos e papéis ao mesmo tempo, sempre seguindo o seu prazer. Hoje, aos 66 anos, Ivete Brandalise acumula apenas duas atividades, o Jornalismo e a Psicologia. "Agora é tranqüilo, mas na época em que os meus filhos eram pequenos, eu faço os cálculos e não dá", brinca referindo-se ao passado, quando, além de jornalista - produzia um programa, duas crônicas diárias, uma no rádio e outra na televisão -, cursava a faculdade de Psicologia.


Com larga experiência profissional, Ivete já passou por diversas emissoras e veículos. Também já esteve nos palcos. Logo que se formou jornalista, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em 1959, atuou como atriz, fotógrafa e produtora do Teatro de Equipe, primeiro grupo profissional de teatro de Porto Alegre. Foi nessa época que conheceu o marido, Milton Mattos, um dos fundadores do grupo. Até 1962, seu trabalho estava relacionado com os espetáculos teatrais, e foi a falência do Teatro de Equipe que levou Ivete à primeira redação de jornal.


Natural de Videiras, interior de Santa Catarina, Ivete veio para Porto Alegre em 1953 para estudar no Colégio Bom Conselho. Até então, seus planos eram terminar o ginásio e cursar Engenharia Química. A faculdade era influência do pai, André David Brandalise, dono de frigorífico que produzia embutidos para a Perdigão. Mas, ao chegar na capital gaúcha, a menina Ivete conheceu outros mundos que ampliaram seus horizontes.


Sonho compartilhado


"Costumo dizer que me apaixonei pela paixão de uma amiga." É assim que ela explica a opção pelo Jornalismo, incentivada pela amiga Gladis Fischbein. Terminou o colégio e, simultaneamente, cursava duas faculdades: a de Ciências da Comunicação e Arte Dramática. Além disso, fazia parte de dois grupos de teatro amador: o Teatro Universitário e o Teatro de Estúdio.  


Com o fim do Teatro de Equipe, em 1962, foi convidada para fazer a página feminina do Diário de Notícias. "Lá, era onde todo mundo começava", recorda. O convite foi mais uma herança da amiga Gladis, que cedia agora o lugar no jornal para ir em busca de seus outros sonhos, em São Paulo. Em seguida, o então editor Celito De Grandi (atual coordenador de Comunicação Social do governo do Estado), em reconhecimento ao seu trabalho, presenteou-a com mais uma página. "De uma foi para duas páginas semanais", lembra.


No mesmo período, passou a trabalhar como Relações Públicas, na Standard Propaganda. Ela explica que na época existia apenas um curso, o de Comunicação Social, que tornava o profissional habilitado para atuar nas três áreas: jornalismo, relações públicas e publicidade. Também a convite de Célia Ribeiro, Ivete foi fazer televisão. "O ?Revista da Semana? foi a minha estréia na televisão e como apresentadora."


Em janeiro de 1964, surgiu o Show de Notícias, na TV Gaúcha. O telejornal baseado no premiado Vanguarda, do Rio de Janeiro, e produzido por Stanislaw Ponte Preta, "era fantástico, tinha várias imagens em cena, com vários apresentadores", recorda. Ivete conta ainda que cada apresentador era apenas uma "imagem" e que as notícias davam continuidade para a informação anterior. "Um era apenas uma mão, outro era um gesto e outro era o perfil."


O convite para integrar a equipe de apresentadores do Show de Notícias surgiu de maneira pouco convencional. Na época, com 23 anos e "sem experiência suficiente para criticar", Lauro Schirmer, um dos responsáveis pelo programa, falou: "Tu não é a pessoa que procuramos, mas como não achamos ninguém?". Foi selecionada e para parecer um pouco mais velha entrava no ar usando óculos. Os textos que lia, quase sempre irônicos e debochados, continham a pincelada que encerrava as notícias. Obra de Ibsen Pinheiro, Werner Becker, Lauro Schirner e Carlos Bastos. "Todos vindos da imprensa escrita e querendo fazer o melhor programa possível", conta. O programa foi um sucesso, e entre os fatores, estavam a estrutura inovadora e a presença de uma mulher em cena.


Vidas paralelas


Nessa época, Ivete ainda atuava como relações-públicas, e foi para entender mais sobre os públicos de RP que ela decidiu cursar Psicologia, em 1965. Ao ingressar, se apaixonou pela clínica, e em 1976, quando recebeu o diploma, abriu seu próprio consultório. Em um determinado momento, Ivete achou que seria necessário optar entre a Psicologia e o Jornalismo. Mas foi salva por um sábio conselho: "Tens que aprender que o exercício individual da liberdade é fundamental". Então, seu primeiro passo foi assumir que queria exercer as duas profissões.


Em 1967, foi convidada para participar do primeiro programa de produção independente de Porto Alegre, o Jornal Ipiranga, produzido por Durval Garcia, na TV Piratini. Em seguida, abrindo espaços na agenda e acumulando mais funções, Ivete foi para a Rádio Guaíba, onde era responsável por uma crônica diária. Um ano mais tarde, na mesma emissora, passou a apresentar o programa Cinco Minutos com Ivete Brandalise, que ficou no ar durante 19 anos. Entre suas passagens profissionais, também estão Folha da Manhã, TV Difusora, TV Guaíba e o jornal ABC do Domingo.


Durante 18 anos, Ivete assinou uma coluna diária na Folha da Manhã, e só deixou o veículo "quando o jornal faliu". Nessa época, devido aos filhos pequenos, ela abandonou as outras emissoras, ficando apenas com a Folhinha e a Rádio Guaíba. Com a falência do jornal, Ivete permaneceu na rádio, que em seguida foi vendida para a família Ribeiro. "Novamente, fui saída junto com muitas outras pessoas", lamenta ela.


Entrou para a TV Educativa em 1987, e há 15 anos apresenta o programa de entrevistas Primeira Pessoa. E são as descobertas feitas durante o programa que Ivete destaca como o mais prazeroso. "Às vezes, descubro pessoas fascinantes. Gosto de fazer perguntas cretinas e ver como ela se sai. Da saia-justa, muitas vezes sai uma dança bonita." Em 1988, com a inauguração da Rádio FM Cultura, Ivete assumiu o programa As Músicas que Fizeram a sua Cabeça, que também é veiculado até hoje.


Paraná 1.111


Durante a ditadura militar brasileira, Ivete enfrentou problemas em razão de seu comportamento crítico e "porra-louca", como ela mesma define. Muitas vezes, suas crônicas - impressas e televisivas - e o comentário que fazia para o jornal da TV Difusora foram censurados. "Nesse período, visitava a Polícia Federal com freqüência, lá na Paraná 1.111", recorda. A justificativa da Polícia, segundo Ivete, era que ela falava com os olhos, com gestos e com pausas.


Para escapar da censura no jornal, Ivete recorria a Breno Caldas, proprietário da empresa Caldas Júnior que editava a Folha da Manhã, Folha da Tarde e o Correio do Povo. "Ele tinha um respeito profundo pela opinião da gente e por isso eu pedia que ele fosse o responsável pelo canetaço de tinta verde que marcava a censura". A partir daí, não teve mais problemas com suas crônicas.


Na TV Difusora foi diferente. Com o avançar do regime, a censura também aumentou e autoridades do governo estadual ameaçaram tirar todos os patrocínios do programa televisivo, caso Ivete não deixasse o telejornal. "Me custou caro porque eu perdi o emprego, mas eu me sentia muito honrada por eles me perceberem tão forte."


Compromisso com a verdade


Para Ivete, o seu grande compromisso é com a verdade e, em razão disso, muitas vezes criticou amigos em suas crônicas. "Eu dizia: olha, vou falar mal de ti amanhã". Ela acredita que sendo verdadeira tem mais oportunidades de transmitir coisas boas. Mas é o vício do cigarro que Ivete considera o seu pior defeito. Fumante desde os 14 anos, ela diz que já tentou parar, mas também já desistiu.


Atualmente, sente falta de espaço na mídia impressa e, relembrando o passado, Ivete admite ter algumas frustrações em relação ao Jornalismo. Conta que, em razão do preconceito da época, não pôde ser repórter no rádio. No início dos anos 60, quando a Rádio Farroupilha estava inaugurando sua Unidade Móvel, Ivete se candidatou para a função, mas não foi aceita por ser mulher.


Nas horas de lazer, que hoje não são tão raras quanto antes, Ivete gosta de ler  e de cuidar das plantas. Também se dedica à cozinha, "gosto de brincar de cozinhar". Há pouco tempo, Ivete e André, seu filho mais velho, hoje com 38 anos,  fizeram um curso de cozinha tailandesa. "Foi maravilhoso porque filho tem uma hora que tu ensina e outra tu aprende, mas nessa oportunidade nós dois aprendemos juntos". O mais novo se chama Felipe e tem 37 anos.  


Se surpreender é, para Ivete, sinal de vida. "Felizmente, ainda me deixo surpreender com algumas coisas, e isso dá uma sensação de que eu tô viva!", exclama.  Para ela, é uma consciência que aparece às vezes, porque tem horas que "a gente vive carregando o dia". 


Também gosta de viajar, e é a visita ao Partenon, na Grécia, que está entre suas lembranças de viagens inesquecíveis e surpreendentes. "Lá me emocionei até as lagrimas." Outra cena marcante foi em Nova Iorque, cerca de 30 anos atrás, quando viu a Guernica, de Picasso, a olho nu, "sem vidro, sem nada". "Fiquei sentada aos prantos." 

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