Ivo Stigger: Apaixonado pelo que faz

Louco por cinema, este jornalista já passou por editorias tão distintas quanto saúde e rural

"Eu não escolhi o jornalismo, fui escolhido", declara, aos 59 anos, o gerente de Marketing e Imprensa da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Ivo Egon Stigger. Nascido em Blumenau - Santa Catarina, Ivo diverte-se quando alguém questiona seu sotaque gaúcho: "Nasci no CTG de Blumenau", brinca. Devido à sua predisposição para as ciências exatas, como Matemática e Física, ele preferiu entrar, na década de 60, para o curso de Engenharia da Ufrgs. Ao mesmo tempo, trabalhava na área de contabilidade do Touring Club do Brasil.


Tudo começou com as viagens a trabalho para países da fronteira com o Brasil, onde o Touring tinha agências. Desde menino apaixonado pelo cinema, quando ia ao Uruguai, assistia a filmes e adquiria os livros que eram proibidos no Brasil, por causa da ditadura militar. Era final dos anos 60 e, no Uruguai, ainda não havia ditadura. Assim, numa dessas viagens comprou 10 exemplares de um caderno de cinema editado em Cuba, cujo tema era o cinema brasileiro das décadas de 50 e 60, com uma série de filmes que estavam proibidos no Brasil. Na volta, sentiu medo de ser descoberto pela polícia, pois "volta e meia os ônibus eram parados e pessoas eram levadas presas", conta.


Freqüentador do Clube de Cinema e Porto Alegre, o então tímido Ivo Stigger apresentou-se para um colega do grupo, na época crítico de cinema do Correio do Povo, o atual vice-governador do Estado, Antônio Hohlfeldt, e entregou-lhe um dos cadernos cubanos. Foi então que Hohlfeldt o convidou para integrar a equipe que P.F. Gastal estava formando para escrever sobre cinema. A partir dali, Ivo passou a fazer quatro textos por mês para a Folha da Tarde.


Geometria espacial


Seu primeiro texto para o caderno de sábado do Correio do Povo surgiu a pedido de Gastal, quando sua equipe estava viajando e ele precisou que alguém escrevesse sobre um artista plástico que estava de passagem pela cidade. Depois, Ivo foi alertado sobre a regulamentação do diploma de jornalista. Foi então que decidiu trocar a faculdade de Engenharia pela de Jornalismo. Na entrada para o novo curso, aconteceu o que ele chama de "a maior conquista de sua vida": conheceu Ida, com quem se formou, está casado há 35 anos e tem duas filhas, Verônica, que é jornalista, e Helena, publicitária e mestranda em Cinema.


Enquanto escrevia sobre artes plásticas, cinema e, às vezes, literatura, foi efetivado pelo Correio do Povo. O estudante começou então a trabalhar no caderno de domingo, tratando de ciência e tecnologia: "Os engenheiros que entrevistava ficavam surpresos pela qualidade da informação técnica, mas eu nunca dizia a eles que tinha feito Engenharia, preferia passar por gênio", confessa.


Os bons tempos da "velharada"


Assim, passou a atuar nos cadernos de cultura e arte, ciência e tecnologia e turismo do Correio do Povo. Além disso, colaborava com uma página diária sobre cinema na Folha da Tarde e mantinha um espaço de cinema na Rádio Guaíba. Quando o Correio entrou em crise (que o levou ao fechamento), Ivo garante que, pela primeira vez, não aderiu a uma greve. Conta que decidiu furar, porque sabia dos problemas financeiros e não queria deixar de trabalhar lá, onde descobriu o jornalismo. "Aquela velharada do Correio! Algumas das pessoas mais extraordinárias, seres humanos mais completos e mais queridos que já conheci estavam na turma da redação do Correio", rememora. "Foi uma experiência humana e profissional inigualável". Ficou até o fim do jornal: "Quando eu e mais meia dúzia de colegas saímos, fechamos as portas e apagamos as luzes".


Em 1983, após o fechamento do Correio, Ivo inicia seu trabalho como subeditor do caderno Campo & Lavoura, da Zero Hora. "Eu nunca tinha visto uma vaca de perto na minha vida!", diverte-se. Segundo ele, a equipe de repórteres era excelente, o que facilitou o trabalho de dois anos no encarte e o levou a descobrir seu fascínio pelo mundo da produção primária: "É fundamental, não só para a economia e para a história do Estado, como também para a cabeça, para a personalidade e forma de ser e pensar do homem gaúcho", derrete-se. Saiu do Campo & Lavoura quando abriu uma vaga no Segundo Caderno, para o qual fez matérias sobre cinema, principalmente. "Naquela época, os jornais davam muito mais espaço à cobertura de cinema, para crítica de cinema, teatro e artes plásticas", constata.


Trabalho humanizado


Do período de comentarista de cinema no Jornal do Almoço, Ivo fala da lição que aprendeu, quando passou a ser reconhecido na rua por causa da exposição. Para ele, era estranho que as pessoas lhe pedissem autógrafos. Por isso negava, alegando que não era ninguém importante para tanto. Foi aí que sua editora-chefe lhe chamou a atenção para que percebesse que o autógrafo era importante para o público e que ele estava representando a empresa naquele momento, não podendo passar por arrogante. É que ela tinha recebido queixas de sua suposta "arrogância".


Com o lançamento da Eco 92, Ivo criou e apresentou para o então diretor de redação o projeto do caderno Vida, que trabalharia três áreas: ciência e tecnologia, meio ambiente e medicina e saúde. Com a aprovação, o caderno passou a atuar com uma pequena equipe, dentre os quais ele destaca os repórteres Beatriz Dornelles e Humberto Trezzi. O Vida chegou a receber diversos prêmios por uma reportagem sobre os perigos do silicone, de 1992. "O caderno tinha um viés diferente do que tem agora. Hoje, ele está centrado em medicina e saúde", comenta.


Com essa mudança de perfil do caderno, Ivo foi para a editoria de geral, na qual atuou diversas vezes como editor: "Uma vez editor, sempre editor", explica. Ele lamenta que o cargo tende a aprisionar um bom repórter, que chega a passar até 10 horas por dia editando matérias, participando de reuniões, tentando salvar um título, enquanto poderia estar na rua fazendo excelentes matérias. "Quanto mais alma de repórter se tem, maior a tortura. Tem muita gente boa imobilizada na redação", ressalta.


Em 1995, Ivo foi convidado para trabalhar no Diário Catarinense, de Florianópolis. Lá, atuou com Mário Pereira nos editoriais e fazendo matérias sobre cinema. "Levei um choque de cultura", comenta o jornalista. "A diferença lá é que eles são mais centrados nas coisas que eu considero mais essenciais", diz, fazendo referência à angústia do momento do fechamento da edição do jornal, situação em que o "povo da Ilha" age com muita tranqüilidade. Da RBS, ficou a certeza para o jornalista de que a empresa possui uma característica importante, que é a consciência de uma entidade comprometida não só em informar, como também em contribuir para a qualidade de vida da comunidade. Ele acredita que essa "consciência" seja uma herança do fundador Maurício Sirotsky Sobrinho. 


A última paixão


Ao retornar a Porto Alegre, quatro anos depois, começou a trabalhar com o projeto de livros do cardiologista Fernando Lucchese. Nesse período, também atua no Jornal da Ufrgs. Após a saída do assessor de imprensa da Santa Casa, foi indicado pelo médico para ocupar o cargo. A proposta era assessorar a entidade e continuar com o projeto dos livros. "Só que o Lucchese me enganou, né?", brinca, contando que a Santa Casa toma mais de seu tempo que uma redação de jornal. E adverte: "Não há jornalismo que não absorva as 24 horas do dia. E a Santa Casa não fecha nunca". Ele ainda defende que o fato de estar sempre disponível é a própria essência do jornalismo.


Ao completar sete anos e meio na Casa, Ivo salienta que é o lugar, dos quais trabalhou, que mais o emociona. "Por tudo, pela história, por ela ter nascido para servir e substituir o Estado onde ele não estava presente. Me comove trabalhar numa instituição que honra o compromisso de 200 anos", diz, contando um pouco da história da entidade, como o fato de ter surgido para atender escravos, velhos, crianças abandonadas, doentes mentais e prisioneiros. Hoje, ela gera recursos para os SUS através do atendimento a convênios e particulares.


Stigger dirige agora o departamento de Marketing e Imprensa da Santa Casa. Quanto ao trabalho realizado, defende como princípio seu e da entidade o compromisso com a verdade. A evolução de seu trabalho e de sua equipe é refletida na revista Santa Casa Notícias, que surgiu como boletim informativo e chegou a tirar 50 mil exemplares. Atualmente, com a versão on-line, os custos da tiragem foram reduzidos, mas ainda se mantém a versão impressa. A próxima edição terá 60 páginas, contrastando com as 24 do início do projeto. O foco da revista mudou junto com o da instituição: primeiro, de assistência social para médico-hospitalar e, a partir de 2005, para educação em saúde e prevenção de doenças. Santa Casa Notícias é distribuída gratuitamente, com a pretensão de que, no futuro, possa ser vendida em bancas.


Para aperfeiçoar seu trabalho, Ivo faz pelo IBGEM (Instituto Brasileiro de Gestão e Marketing) uma pós-graduação em Marketing: "Mas quero voltar a escrever cinema porque é a minha paixão", conclui.

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