João Carlos Machado Filho: Sem tempo para ficar velho

Jornalista há 60 anos, Machadinho esbanja simpatia e histórias interessantes sobre a sua trajetória

Machadinho - Divulgação/TVE

É praticamente impossível não simpatizar com João Carlos Machado Filho. Em poucos minutos de conversa, o nome do jornalista se transforma em Machadinho e a sensação é a de que ele é um amigo de muito tempo. O próprio reconhece que sua principal qualidade é a simpatia - e não há como discordar. Ele é, realmente, gente boa.

Animado e comunicativo, conta que, em função da televisão - apresenta o programa Consumidor em Pauta, na TVE -, muitas pessoas o param na rua para conversar. "Quando acontece, eu faço questão de dar uma atenção especial. Gosto de falar com todo mundo, atender bem às pessoas", explica.

No entanto, no que diz respeito a datas, Machadinho não pode referência. Apesar de lembrar de toda sua trajetória, com riqueza de detalhes, não consegue colocar em ordem cronológica os empregos. Mas é justificável, pois não foram poucos: Rádio São Gabriel, Rádio e TV Gaúcha, Farroupilha, Assembleia Legislativa, Prefeitura de Porto Alegre, TVE, Rádio e TV Difusora, Jornal do Comércio, Zero Hora, Diário de Notícias... E por aí vai.

Cabeça sempre funcionando

Aos 78 anos, além de comandar a atração na TV Educativa, o jornalista trabalha na prefeitura de Porto Alegre, mais especificamente na Diretoria de Direitos Humanos. Sim, ele tem dois empregos. Na TVE, contudo, conta com um contrato de voluntariado, tamanho é o prazer que sente de estar em frente às câmeras - aliás, o programa é ao vivo e diário, vale ressaltar: "Não ganho nada, mas tenho a alegria de fazer algo que é de utilidade pública". O amor que sente pela profissão é um dos motivos para que siga na ativa. E não consegue se imaginar em outra atividade: "É só Jornalismo. Gosto tanto de ser jornalista, do público, que nunca me passou outra coisa pela cabeça".

Machadinho até se aproximou de outro caminho, quando passou em um concurso da Viação Férrea, em segundo lugar. Entretanto, deu-se conta que aquela não era a sua vocação, mesmo tendo a possibilidade de ganhar um bom salário e ter uma vida mais tranquila. "Não era eu. Ser jornalista é algo que está no sangue do cara", enfatiza.

São Gabriel, 1941

Nascido em São Gabriel, em 17 de junho de 1941, Machadinho é filho de João Carlos Machado, militar, e Célia Valls Machado, que decidiu ficar em casa para cuidar dos filhos - no total, foram nove. O patriarca da família começou no Exército como soldado e, quando morreu, era coronel. "Ele batalhava muito, acordando muito cedo para ir trabalhar. Então, talvez por isso, eu batalho até hoje, aprendi assim", explica.

Um fato curioso sobre os irmãos é que o seu pai decidiu colocar os nomes de todos começando com 'Di': Dilma, Dilmar, Dilmair, Dilamar, Diúma e Dielma, que faleceu com um ano - na época, dona Célia estava grávida de Machadinho. Assim, por acharem que seria o último, decidiram colocar o nome do pai, João Carlos Machado, com o Filho no final. "Mas a minha mãe engravidou de novo, porque naquela época não tinha televisão e nem cinema, aí tinha que aproveitar de outras maneiras", conta, aos risos. Assim, nasceu Dilair. Mais tarde, dona Célia ficou grávida novamente - agora, sim, pela última vez. A filha, então, chamou-se Célia Maria, em homenagem à mãe e, ao lado de Machadinho, conseguiu fugir do Di.

Relatando ter tido uma infância feliz, lembra-se que o pai precisava viajar muito e, por isso, vivia se mudando. Nessas andanças pelo interior do Estado, Rosário do Sul foi a cidade que mais o marcou. Recorda-se com carinho que o trem passava na frente de casa e o maquinista da Maria Fumaça jogava rachas de lenha para ele e seus irmãos, que as recolhiam e as levavam para fazer fogo. Ainda nesta época, lembra-se que a mãe criava galinhas. De noite, ela pegava latinhas de marmelada, enchia de água e deixava para os bichos. Quando a família acordava de manhã, no inverno, aquela água estava congelada: "Era duro de gelo, pois fazia muito frio lá. Foi um negócio que me marcou muito".

Já em Porto Alegre, entrando na adolescência, começou a cursar o ginásio no antigo Nossa Senhora da Assunção que, agora, é Marista. Quando se formou, saiu da escola tendo sido presidente do Grêmio Estudantil e da comissão de formatura, orador da turma e, como se não bastasse, ainda desenhou a placa de bronze que ia na parede com os nomes dos formandos. "Sempre fui um cara comunicativo e que gostava de falar com as pessoas, de me relacionar bem. Então, acho que isso me levou a ser uma referência naquela época", avalia.

Jornalista no Dia do Trabalhador

Aos 18 anos, retornando para a sua cidade natal, teve o primeiro contato com a Comunicação: foi até a Rádio São Gabriel, a ZYO-2, para participar do programa 'Um tango, um bolero e uma poesia para você', onde leu um soneto escrito por seu irmão Dilamar. Após, ouviu do radialista: "Fica por aí". Então, quando acabou a atração, recebeu o convite que iria mudar tudo: "Tu não queres ser locutor da rádio?". Isso foi no final dos anos 1950. E Machadinho aceitou, é claro. "Agora, em maio de 2020, eu completo 60 anos de jornalismo", fala, orgulhoso. Porém, não deixa de citar algo curioso de sua contratação: "Minha carteira foi assinada em 1º de maio, no feriado. Não dá para entender como isso aconteceu, mas acho engraçado".

Jornalista provisionado, destaca que aprendeu tudo o que sabe na prática e, também, com as orientações de seu irmão mais velho, Dilamar, radialista, político e sua maior referência. Inclusive, no Diário de Notícias, o aprendiz substituía o professor: a coluna Vozes da Cidade, que levava a assinatura de Dilamar, na verdade, era escrita por Machadinho, pois o irmão mais velho não tinha tempo para se dedicar ao espaço no jornal.

Naquela época, não imaginava o tanto de experiência que teria na Comunicação - com passagem por boa parte dos veículos da Capital - e muito menos que receberia uma homenagem na frente de alguns dos maiores nomes do Jornalismo do Estado. Quando estava completando 50 anos de profissão, foi chamado ao palco do Prêmio Press e ganhou um quadro, recebendo o carinho de todos os convidados. "Foi muito emocionante", conta.

De olho no lance

Boa parte da trajetória de Machadinho no Jornalismo se deu nos campos de futebol - esporte do qual é fã - e não faltam histórias da época em que era repórter. Colorado, um dos momentos mais marcantes de suas jornadas aconteceu justamente na inauguração do Beira-Rio, em 1969. Trabalhando pela TV Gaúcha, estava à beira do campo quando Claudiomiro, que fez o gol inaugural do estádio, lhe deu a camisa que usou na primeira etapa da partida histórica. Era a camiseta do primeiro gol no Beira-Rio. "Eu sempre ajudava o Claudiomiro nas matérias, dando força e refazendo as passagens sempre que era preciso, pois ele tinha muita dificuldade para falar", explica, justificando o presente. No entanto, a alegria não durou muito.

Indo para as cabines de imprensa, nas escadas, encontrou-se com Maurício Sirotsky Sobrinho, nada menos que o dono da RBS na época. Após elogiar o trabalho do jornalista, questionou: "E essa camisa aí?". Machadinho, inocente, mostrou, todo orgulhoso o presente. O chefe, então, disse: "Muito legal essa camisa. Vamos sortear no programa de fim de ano da TV Gaúcha". Pegou o item e levou. "Foi um azar encontrar com ele naquele momento", lamenta, relembrando dos poucos minutos que foi dono da peça.

Com 60 anos de Jornalismo, acompanhou de perto alguns grandes nomes da Comunicação gaúcha surgirem. Em uma de suas passagens pela Farroupilha, por exemplo, na época em que Marne Barcelos era diretor da rádio, chegou na emissora um rapaz que queria ser locutor esportivo. Na época, a dupla pensou, fazendo pouco caso: "Pelo menos, vamos nos divertir um pouco vendo esse teste". Entrou pela porta o candidato que Machadinho descreve como baixinho e gordinho. O pretendente à vaga, então, narrou um gol do Grêmio e um do Inter. Surpreendeu aos dois. O nome do jovem? Pedro Ernesto Denardin, que acabou entrando para o time da emissora.

Mas nem só de futebol foi construída a carreira do profissional. Também teve música. Estava trabalhando na Rádio Difusora no ano em que foi transmitido o primeiro Carnaval a cores do Estado pela televisão do mesmo grupo midiático. Francisco Carlos, que era diretor da emissora na época, o chamou para quebrar um galho para o jornalístico Câmera 10. A sua missão? Colocar uma roupa colorida e entrar ao vivo no programa para falar da festa. Mesmo contrariado, e inexperiente na televisão, foi para a Avenida João Pessoa, onde acontecia o desfile, na época. Munido de toda a informação que conseguiu obter sobre o Carnaval, falou por um minuto para a câmera. Recebeu vários elogios, além de fazer parte de uma transmissão histórica. E deu tão certo, que seguiu cobrindo a festa, atuando tanto na rádio quanto na TV Difusora - hoje, Grupo Bandeirantes.

Família, praia e uma cervejinha

Casado pela segunda vez, Machadinho está com Ana Helena há 27 anos. Do relacionamento, nasceu Gabriela. Com 19, a filha estuda Relações Internacionais. Da primeira união, teve Marcelo, que é cineasta, tem 52 anos e vive em São Paulo; e João Carlos Neto, de 35, profissional de TI e residente de São Leopoldo. E a dupla de primogênitos já teve os seus respectivos filhos: Pedro, de 25, e Lívia, de sete. Completando a família, tem o gato Alpha - "é com PH", enfatiza -, protagonista de várias fotos publicadas nas redes sociais de Machadinho.

A sua história com Ana começou de maneira curiosa: ele estava apresentando um show no Leopoldina Juvenil e, após o término, foi colocada uma música. Com o carro estragado, ficou pensando se chamava um táxi para ir embora. Ela, então, tomou a iniciativa e foi falar com ele: "Por que tu estás tão sozinho?". Após responder que estava pensando, foi convidado para ir dançar. "Azar é o dela de querer dançar comigo", pensou na hora. Foram para a pista e estão juntos até hoje.

Envolvido com os dois trabalhos de segunda a sexta-feira, um de seus programas de folga favoritos é ir para a casa na praia, em Tramandaí Sul. E adora mexer com os amigos sobre os privilégios do seu refúgio no Litoral: mora a uma quadra da praia e a sua churrasqueira tem vista para o mar. Quando está no segundo lar, gosta de esvaziar a mente do barulho de Porto Alegre e relaxar.

Fã de Gabriel García Marquez, Machadinho é apaixonado por ler e, também, por colecionar canecas. E ele tem mais de 80 peças, de várias partes do mundo, seja de suas viagens ou das dos outros: "Quando o André [Machado, seu sobrinho] foi para a China, já pedi: me traz uma caneca de lá", disse. Em Porto Alegre, não abre mão de sair para tomar uma cervejinha e comer um bauru com Ana, sua "parceira", como denomina.

Pouco exigente e feliz

"A minha história é legal, porque nunca fui de exigir muito das coisas", admite. Hoje aposentado do INSS, revela que não é rico, mas que vive bem. Um dos principais motivos de alegria é a família, a que se refere como sendo maravilhosa. Diverte-se ao dizer que, hoje em dia, adora 'deseducar' os netos e curtir os pequenos prazeres da vida, como uma bela caminhada na beira da praia ou ir a um bar com a esposa.

O seu prato favorito também é simples: galinha com ervilha. Inclusive, quando prepara a iguaria, dá um jeito de comer bastante. Da última vez que fez, por exemplo, pediu a vianda da filha Gabriela emprestada para poder levar a comida para o trabalho. E sua rotina começa ao nascer do sol, por volta das 6h, quando acorda para fazer o café e começar a preparar o dia. Contudo, essa mania de despertar cedo, às vezes, irrita Ana, pois nem nos finais de semana consegue ficar até tarde na cama: "A gente vai ficando velho e vai perdendo o sono. Acho que é porque dormimos muito durante a vida".

Até o final do ano, pretende parar de trabalhar. Pelo menos, pela metade. Quer deixar a prefeitura e se dedicar apenas ao seu programa na TVE - inclusive, não ter feito mais televisão é um dos poucos arrependimentos da vida, juntamente com o fato de não ter viajado mais. Mas, para 2020, Machadinho deseja apenas uma vida mais sossegada, sem o compromisso de acordar todos os dias de manhã para ir ao serviço. Sobre se planejar, diz que, com a idade, vai ficando mais difícil de fazer esse exercício: "A gente nunca sabe quanto tempo ainda vai ficar por aqui. Não quero ficar por muito mais tempo, não, mais uns 78 anos, para mim, está ótimo", brinca ele.

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