João Carlos Terlera: O rei do veneno

Publicava comentários tão picantes que a sala em que trabalhava recebeu uma placa: “Serpentário”.

Com a carteira profissional nas mãos, João Carlos Terlera vira página por página para contar toda a sua carreira sem se perder nas datas. E ele tem motivos. Nascido em 1941, em Muçum, sua história na imprensa começa em 1959, na Rádio Alto Taquari, município de Estrela, em uma função que nem existe mais, a de "noticiarista". Em 1962, foi convidado pelo então deputado estadual Adão Henrique Fett para trabalhar com ele na Rádio Porto Alegre. No mesmo ano, tirou o primeiro lugar em um concurso para datilógrafo da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, concorrendo com 122 candidatos. Em 1966, substituiu um jornalista da Assembléia, onde, desde 1970, atua como jornalista fixo. Agora, não por acaso, a nova sala de imprensa da casa é batizada com o seu nome, como uma homenagem ao profissional que dedicou mais de 40 anos de sua vida à AL gaúcha.


Muito veneno


Como o trabalho na Assembléia era só à tarde, arranjou tempo para cobrir diariamente o aeroporto, no período das 8h às 13h, para a Rádio Farroupilha e o Diário de Notícias. "Eu fiquei cinco anos no aeroporto, e isso foi uma escola para mim, porque ali apareciam políticos, cantores, intelectuais, e eu tinha que entender de tudo um pouco para entrevistar essas pessoas", explica Terlera. Neste período, ainda trabalhou por nove anos na Folha da Manhã, o que motivou sua nomeação para setorista da Assembléia, em função do seu envolvimento com a Casa. Foi a partir daí que ingressou na área da cobertura política.


Em 1978, a convite de Carlos Fehlberg e Cecílio Pereira, se transferiu como repórter para a Zero Hora, também cobrindo a Assembléia. No ano seguinte, se tornou o responsável por uma coluna política estadual, com o nome ?Bastidores?, que durou 13 anos e pode ser considerada precursora da atual ?Página 10?, assinada por Rosane de Oliveira. "Eu realmente incomodava muito. Fazia matérias fortes, picantes, como eu gosto de fazer até hoje. Eu trabalhava em uma sala que o deputado Cézar Schirmer batizou de ?Serpentário?, e colocou até placa. Era muito veneno mesmo", diverte-se. Terlera confessa que essa coluna lhe causou muitos problemas, mas que nunca foi processado. "Na dúvida, eu sempre consultava o Ney Moura, advogado amigo meu, especializado em lei de imprensa, sobre o que eu deveria publicar ou não."


Chegou a ser nomeado chefe de Imprensa da Assembléia, mas abdicou do cargo, em função da atividade paralela na ZH, porque podia "não pegar bem". Atualmente, além do trabalho na AL, escreve para o Grupo Sinos, no jornal ABC Domingo. A fórmula é a mesma, coluna política estadual ao estilo dos textos venenosos das décadas de 70 e 80.


Truques de repórter


Tanto cobrindo a Assembléia como o Palácio Piratini, Terlera lançou mão de muitos truques para conseguir suas informações. Ele conta que garçons e servidores de cafezinho eram os seus preferidos. "Eu comprava esse pessoal, no bom sentido, com presentes. Trouxe muito queijo e salame do Interior para presenteá-los. Enquanto os políticos conversavam, meus informantes ficavam em volta, escutando", relembra Terlera. Os operadores de telex também eram constantemente acionados para que divulgassem com antecedência para ele o conteúdo das mensagens.


Um episódio marcante é da época em que trabalhava também para o Correspondente Renner, o principal noticioso da Rádio Guaíba. O então governador Synval Guazzelli havia marcado uma coletiva para fazer um comunicado importante. Como Terlera havia chegado cedo no Palácio, encontrou a primeira-dama e foi convidado para tomar um cafezinho no gabinete do governador, que estava ausente. Em determinado momento, a primeira-dama saiu da sala e Terlera notou uma folha de telex em cima da mesa. "Eu li aquilo e vi que era uma mensagem do presidente Geisel comunicando que estava decidido que o 3º Pólo Petroquímico se instalaria no Rio Grande do Sul", conta. Na época, a disputa pelo Pólo estava acirrada entre Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. "Eu li com atenção e passei a notícia. Deu o maior rolo pra cima de mim, pois consegui aquela informação através de uma atitude um tanto mal-educada, de olhar papéis em cima da mesa dos outros. Mas dei o furo, e o governo teve que confirmar porque era aquilo mesmo", orgulha-se.


Outra história que se diverte em contar é a da inauguração da Free-Way. Terlera estava em Osório, onde se localizava o ponto inaugural da estrada. João Dentice, na época chefe da Casa Civil do governo de Peracchi Barcelos, vinha de Porto Alegre. "Ele mandou o motorista tocar pela pista da esquerda, que estava mais livre. Resultado: foi até lá pela contramão, pois não tinha retorno. E isto foi publicado!", enfatiza.  


Saindo do armário


Em 1978, a uruguaia Lilian Celiberti, militante de esquerda, foi seqüestrada pela polícia brasileira em Porto Alegre e levada para o Uruguai, junto com seu marido, Universindo Dias. Motivada por Pedro Simon, líder da oposição na época, foi realizada uma reunião fechada na Assembléia para tentar apurar o seqüestro. Acontece que, pouco antes do encontro, Terlera se escondeu dentro de um grande armário que se encontrava na sala. "Eu ouvi toda a reunião, as confusões e as broncas do Simon e dos outros deputados", relembra. Neste debate, ainda foi lida, em voz alta, uma nota que seria enviada reservadamente ao governador Guazelli.


Terlera memorizou algumas partes, já que não podia anotar no escuro. "Só que eu fui de um azar terrível. Quando a maioria já tinha ido embora e eu nem sabia quem ainda estava lá, fui acometido por um ataque de espirros, por causa da poeira, e não pude segurar, era um atrás do outro", lamenta. "Um assessor retardatário, o único que ainda não havia saído, começou a gritar: "É assombração!!!" Chamou outras pessoas e me acharam ali dentro", recorda. Integrantes da Assembléia criticaram duramente Terlera e receberam a resposta de que nada seria publicado. "No outro dia, eu publiquei e deu uma confusão danada", revela, ainda saboreando o feito.


O repertório de episódios inusitados é vasto na carreira de Terlera. No começo dos anos 70, o MDB se reunia para escolher o nome do suplente na chapa do então deputado Pedro Simon, que estava concorrendo ao Senado. A disputa estava entre Alcides Saldanha e Ivo Sprandel. A escolha seria feita através de um simples sorteio, utilizando dois papéis dentro de um cinzeiro em uma sala na Assembléia. Saldanha contava com a preferência de Simon e foi justamente o sorteado. "Eu acendi um cigarro e puxei o cinzeiro. Na hora de ir embora, depois de tudo escolhido, tive um ?estalo? e resolvi pegar o outro papel. Abri e nele também estava escrito o nome do Alcides Saldanha. Publiquei!", conta. Outras confusões aconteceram, mas, no final, Saldanha se manteve como suplente.


A Sala-homenagem


Na Assembléia, existia uma sala específica do Clube dos Repórteres Políticos, que não possuíam vínculo com a AL, mas que cobriam a Casa diariamente. Depois de abandonada por um bom tempo, a idéia foi retomada este ano pelo presidente Frederico Antunes. A sala especial para o trabalho dos jornalistas já está batizada com o nome de J.C. Terlera. É um ambiente que possibilita que os repórteres escrevam suas matérias de lá mesmo e enviem para as suas redações. "Evidente que a sugestão não foi minha", adianta. "Mas a homenagem deve ser em função de eu ter sido o exemplo típico do credenciado pela Assembléia e funcionário dela. A sala em si é um grande benefício para a categoria, e o fato dela levar o meu nome talvez seja o reconhecimento pelos 40 anos sempre trabalhando na área da política, ajudando e cultivando amigos", acredita o homenageado.


Diversões discretas


Ele também revela que suas opções de lazer são simples. "Nos finais de semana, dificilmente fico na Capital. Gosto muito de sair, passear, conhecer lugares do Rio Grande e fora daqui. Ao cinema, eu não vou muito. Costumo encontrar amigos em shoppings, mas nada muito badalado. Tanto que tenho pavor a homenagens. Mas tenho que ir", explica.


Sua maior manifestação é o fanatismo pelo Grêmio. Segundo ele, "o Grêmio não é um hobby, é uma paixão", característica facilmente identificada pelo adesivo do time gaúcho colado no armário do seu gabinete. Terlera possui uma outra característica interessante. Com 66 anos de idade, casou pela primeira vez há um ano e meio. "Sou temporão. Sempre morei com minha mãe e não possuo filhos, pelo menos ninguém nunca levantou investigação de paternidade", brinca.

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