Jones Machado: Mistura fina

Entre moda e televisão, Jones Machado conta sua história de uma vida que considera "muito doida"

Jones Machado | Divulgação
Por Carlos Redel
"Lembrar de data é complicado. Lembro de tudo, menos de datas", diz Jones Machado já no começo da conversa. E é verdade. Todos os fatos importantes de sua vida são relembrados com precisão, com exceção dos dias e meses (algumas vezes, anos). No entanto, isto se torna secundário no meio de tantas histórias. A agitada vida de Jones, provavelmente, daria um livro. E dos grandes.
Inquieto, não consegue desenvolver apenas uma atividade, o que acarreta em acúmulo de atribuições, todas executadas com dedicação e entusiasmo. Sua rotina de trabalho, aos 56 anos, é intensa. Hoje em dia, por exemplo, atua como apresentador do Studio Pampa ao mesmo tempo em que é consultor de moda em duas grifes. E sua disposição nunca mudou. Desde a infância, desenhava e criava peças de roupas, entre rabiscos e pedaços de tecidos. No início, era apenas por gostar de criar coisas novas, sem maiores pretensões. Os anos se passaram e a inclinação infantil se confirmou: sua vida e a moda se tornaram inseparáveis.
Formado em Comunicação Social, com ênfase em Publicidade e Propaganda, pela PUC, Jones é filho de Florduarte, funcionário público, e Eli, costureira. Provavelmente, uma das grandes influências do rumo que sua vida tomou. Nascido no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, se mudou ainda bem pequeno para o Centro, mais precisamente para a rua Duque de Caxias. Ali, passou grande parte de sua vida e de onde guarda uma vasta quantidade de lembranças.
Aos três anos, começou a desenhar roupas nos livros de caixa do armazém que seu pai montou depois de se aposentar do serviço público. O empreendimento acabou fechando, mas foi a partir daí que Jones deu seus primeiros passos no mundo da moda. Com um alto astral contagiante, o publicitário relembra de sua infância com muito carinho.
No final dos anos 1960, apesar de morar no Centro, "em uma rua enlouquecida, maravilhosa e que era o ápice de Porto Alegre", Jones não podia brincar na rua com frequência. Dona Eli temia a onda de drogas que estava começando na Capital. Na mesma época, a ditadura militar estava em seu auge. Manifestações próximas ao Palácio Piratini, realizadas pelos estudantes das Ufrgs, e a repressão por parte da polícia ainda seguem frescas em sua memória. "Aos oito anos, eu ia para a sacada do prédio e xingava os policiais. Era uma doideira", relembra.
Como ficava bastante tempo em casa, ocupava seu tempo com publicações de moda. Livros dos anos 1950 sobre o tema mexiam com seus sentidos. Passava horas folheando as páginas. Destaca que, desde pequeno, sempre trabalhou muito com a criatividade. Adorava fazer cenários e peças de teatro em casa. "Mas tudo com figurinos! Eu os inventava. Passei minha infância toda brincando assim. Era o máximo".
Jones começou seus estudos no colégio Santa Isabel. Logo em seguida foi estudar na escola Paula Soares. Apesar de ser público, lembra que era uma instituição "classuda e chiquérrima", pois ensinava inglês e francês aos alunos. Depois de ingressar no colégio, começou a frequentar exposições e teatros quase que diariamente. E assim foi sua pré-adolescência e adolescência. "Lógico que eu andava de bicicleta e brincava na Praça da Matriz, mas eu preferia mais essa outra parte", destacando toda a cultura que consumia.
Entre o Paula Soares e a faculdade, diversos cursos foram realizados, incluindo um técnico de Análises Clínicas. "A gente ia no necrotério, onde fazem aula de anatomia e eu adorava, porque tinham os mortos e os tecidos, eu achava um luxo", relembra. E essa foi sua primeira formação profissional. Apesar disso, queria mesmo era seguir o caminho da moda, mas lembra que, na época, não existia curso técnico para isso em Porto Alegre. Optou pela qualificação de figurinista no Senac, enquanto fazia a faculdade de Publicidade e Propaganda. Anteriormente, já havia estudado datilografia, pintura em gesso, participado do Salão do Jovem Artista, só para citar alguns exemplos.
Publicitário estilista
"É uma coisa doida. A moda sempre esteve comigo, independente das outras coisas que eu faça", conta. Todos os rumos de sua vida acabam convergindo para o setor. Pensou em ser arquiteto, médico e artista plástico, sendo esta última profissão uma grande paixão interrompida pela família, que queria que ele seguisse carreira na área da saúde. A Comunicação Social veio para ser uma espécie de meio-termo, já que não queria ser médico e não podia ser pintor. "Logo na sequência, comecei a trabalhar. Fazia a faculdade de Publicidade e, ao mesmo tempo, comecei a atuar na moda. Um dos primeiros trabalhos que fiz na vida foi o figurino de uma peça de teatro", conta, entusiasmado.
Como primeira experiência profissional, no final dos anos 1970, atuou no escritório de contabilidade de Davi Rafael Blochtein. A área é completamente distante de todas citadas, mas lembrada com carinho. "Tenho maior orgulho. Eu tinha uma mesa, máquina, eu era chique. E foi bárbaro", conta. Mas a profissão não seguiu adiante, pois teve que sair para se dedicar à faculdade. No entanto, entre as atribuições no escritório, estava a de abrir empresas. Em uma dessas, ajudou na liberação dos documentos para que a Mimole Modas começasse a funcionar. Ao deixar o emprego, Jones foi até a empresa de confecção e pediu uma vaga de estilista. "Olha a pretensão", brinca. Apesar disso, conseguiu o emprego. Ficou lá até o fechamento da empresa.
Depois disso, mais confiante, bateu na porta da Rui Spohr, empresa que leva o nome do estilista especializado em alta costura. Um dos ídolos do publicitário. E, novamente, com coragem (e talento), foi contratado. Depois de quatro anos na confecção, representantes de uma grife paulista, a Luiza Ribeiro, vieram para Porto Alegre implantar uma fábrica e fizeram um convite para Jones. "Um convite que qualquer ser humano aceitaria", justifica. Abraçou a nova oportunidade. Dali em diante, começou a desenhar e conhecer o mundo.
O novo trabalho abriu portas para outras empreitadas. Um tempo depois, no final dos anos 1980, estava morando no Paraguai, a convite de um grupo inglês que, segundo Jones, é dono de uma rede de shoppings pelo mundo. No país vizinho, adquiriu experiências diversas, incluindo trabalhar com índias que só falavam a língua guarani. "Foi bárbaro". Voltou para o Brasil, mais precisamente em São Paulo, para trabalhar novamente na Luiza Ribeiro. Ficou lá até receber a notícia do falecimento de seu pai. Por conta disso, retornou a Porto Alegre.
Comunicador, o início
Morador da capital gaúcha, no final dos anos 1990, um dos momentos que definiu a carreira do profissional aconteceu: um convite para trabalhar no caderno Donna, de Zero Hora, aceito na hora. Assim o publicitário tornou-se responsável pela produção e consultoria da contracapa, que falava de beleza. Na época, o jornal era comandado por Marcos Dvoskin, "um grande cara", e mudanças estavam ocorrendo na publicação.
Trabalhou no caderno de 1996 a 1999. "Foi bárbaro para mim. Só tinha craques em ZH naquela época. Tínhamos patrocinadores. Foi sucesso. Aí, além da moda, também atuava com beleza. Nunca saí dessa paçoca, sempre envolvido nessa função. Fiz matéria até nos Estados Unidos. Era muita responsa", relembra. Depois de sair de ZH, continuou em veículo de comunicação, desta vez no Grupo Sinos, onde passou por publicações como o caderno ABC, a atuou nas revistas Novità e Expansão. Ao deixar a empresa do Vale dos Sinos, virou editor da South Star, uma revista "icônica, um mito em Porto Alegre". Logo após, recebeu um convite para participar da revista Versatille, mas a parceria não durou muito.
Depois de atuar em diversas revistas, chega o momento de Jones ter sua própria publicação. Por volta de 2004, ele e sua amiga Ana Dihel, "enlouquecidos", resolvem abrir uma revista, que levava o nome de Mais. "Muito linda minha revista. Tenho muito orgulho dela, pois ela era um luxo". Segundo ele, era uma publicação muito criativa. E que, para o segmento, foi bem revolucionária. Com a saída da sócia Ana, ficou sozinho à frente da publicação, que, algum tempo depois, fechou as portas.
Em 2007, veio um novo convite, desta vez, para atuar frente às câmeras. Apesar da inexperiência para a nova empreitada, não deixou o desafio passar. Ingressou no elenco da atração, até então inédita, chamada Studio Pampa. Além de apresentar o programa de entretenimento, o comunicador também atua como consultor na grife Homem Company e, agora, está começando "uma coisa muito doida": depois de 30 anos, está retornando ao ateliê de Rui Spohr. Para se dedicar ao novo desafio, cancelou o projeto de ir embora para São Paulo.
"Sou muito cricri"
Entre seus hobbys, escrever e desenhar têm os seus espaços, mas pintar é a grande paixão. "É algo que pede mente, traço e percepção". De sua rotina, destaca o que nunca muda: o ritual do café da manhã, às 7h. "Me levanto, faço o meu café, porque sou muito doido. Eu gosto de fazer o meu café. Não gosto que ninguém faça, é uma rotina só minha. Gosto de fazer meu leite, fazer minha comida, cortar minhas frutas. Só estou feliz 100% no meu dia se eu sento e tomo o meu café da manhã", diz.
Não por acaso, acredita que seus principais defeitos são ser "muito cricri e um pouco metódico". Gosta das coisas do seu jeito. Além disso, se desagrada quando as pessoas se limitam a elas mesmas. "O "não" me incomoda. Eu não vejo o "não" em nada, pois ele limita a nossa criatividade". Ao mesmo tempo, acha que tem muitas qualidades, incluindo ser "uma ótima pessoa". No entanto, desconfia que 70% das pessoas não o consideram assim. "A criatividade, na concepção da palavra, talvez seja a minha maior qualidade", diz. Para ele, todas as dificuldades de sua vida foram superadas criativamente.
Colorado, conta que já foi jogador de vôlei da Sogipa: "Para ver como eu sou doido". Na questão religiosa, se diz católico. "Fui batizado, fiz primeira comunhão, vou na igreja, rezo, vou na missa. Mas tenho muitas fés".
Ler é uma de suas grandes paixões. No entanto, não consegue definir qual seu livro favorito. "O meu livro preferido é o livro". A mesma resposta é empregada para os filmes, entre muitos exemplos, de "O poderoso chefão" a "Juventude transviada", de "Terra em transe" a "O encouraçado Potemkin", a decisão fica mesmo com "meu filme favorito é o filme".
"Teve épocas na vida que eu ia no cinema todo dia. O que se pode imaginar, eu via. Tudo, de todos os gêneros, era uma mistureba. Até hoje, eu misturo tudo. Eu tinha uma coluna na revista Novità que se chamava "Mistura fina". Eu sou um pouco mistura fina, eu misturo tudo. Eu acho que nessa minha vida, é o meu grande barato", conta. Logo em seguida, dispara: "E esse era o nome de um cigarro, mas eu nunca fumei, nunca tive vícios". Na música, mais misturas. De Cauby Peixoto a Lady Gaga e Pavarotti. Afirma gostar de tudo um pouco, mas tudo depende da época.
Muito doido
Por fazer tudo o que faz e querer fazer muito mais, se considera "muito doido". Não acredita na história que as pessoas contam sobre tentar fazer de tudo e não serem plenas. "Eu acho que faço tudo bem. Se não consigo, tento fazer melhor. E se eu não concluí, eu volto a fazer", afirma, sem modéstia. Confiante, conta que nunca desistiu de nada na vida. Deu pausas, amadureceu suas ideias e, então, voltou e concluiu seus planos.
"Sabe, eu sou muito louco de fazer tudo que eu faço. Sempre falo que se tiver que dançar, eu danço, se tiver que tirar a roupa, eu tiro, se tiver que bordar, eu bordo, se tiver que cantar, eu canto. Não sei se eu sou hiperativo, acho que não. As coisas que eu queria fazer, eu consegui. Até então. Ainda tem coisas que eu vou fazer", relata.
Atualmente, está solteiro. "É melhor assim", acredita. Em seu tempo livre, tenta fazer o máximo de coisas que consegue. "Passei minha vida inteira fazendo moda, de um jeito ou de outro. Então, eu trabalho até nos finais de semana". Mas, nos momentos de descanso, gosta de ir em museus, como o Margs, no teatro, no cinema. Contudo, afirma que, praticamente, passa a maior parte do tempo estudando e lendo.
Da juventude, lembra da época das discotecas. "Dancei muito, ganhei concurso de dança, passei minha adolescência dançando a noite toda nas discotecas e, no outro dia, ia trabalhar. Hoje em dia, não mais. Quando estou em casa fico vendo televisão, vendo filme, lendo, cozinhando. Adoro cozinhar". Atualmente, está mais caseiro e, segundo ele, a tendência é ficar ainda mais.
Porém, daqui a 10 anos, espera estar fazendo as mesmas coisas que faz agora. Quer continuar na televisão, só não sabe se ainda estará com disposição para rebolar. Além disso, não pretende abandonar as confecções, as pinturas e todas as "loucuras" que faz. Ainda quer mais. Tudo o que achar interessante e puder somar ao seu cotidiano, vai fazer.
Viver a vida, para Jones Machado, é o grande barato da existência. Segundo ele, não costuma ter "mimimi" em sua rotina, quando tem que te dizer algo na cara, ele fala, sem papas na língua. "Assim, a gente passa a ficar esquisito. Esquisito, não, eu sou exótico!", conta, aos risos.

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