José Antonio Severo: Mestre da reportagem

Jornalista e escritor recorda seu tempo de repórter e fala sobre o processo de criação literária

Por Vanessa Bueno



Ouvir os relatos de José Antonio Severo sobre sua carreira é quase como assistir a uma aula de bom jornalismo. Prestes a completar 50 anos de profissão, o jornalista e escritor acumula experiências nacionais e internacionais. O que chama a atenção é que ele não pensava em ser jornalista: sua ideia inicial era seguir os passos do pai fazendeiro. Bem que tentou, chegando a cursar a Escola  Técnica de Agricultura de Viamão, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), mas, já no primeiro trabalho, entregou-se à arte da reportagem.

Natural de Caçapava do Sul, Severo cresceu no campo, e ajudar nos afazeres da fazenda do pai fazia parte de sua rotina de criança. Certo de que continuaria nesta vida, aos 16 anos mudou-se para Porto Alegre a fim de estudar Técnicas Agrícolas. Trouxe consigo o Graxain, um cavalo crioulo, do qual era inseparável. O animal foi-lhe dado de presente após um acidente envolvendo os dois. "Estávamos campereando quando o Graxain rodou num cocuruto e voou pra frente. Eu caí antes, mas ele estava vindo por cima de mim. Foi quando me olhou nos olhos e conseguiu desviar", recorda emocionado. Neste dia, o pai decretou: "O cavalo é seu".

Já formado, Severo começou a trabalhar na Secretaria Estadual da Agricultura. A familiaridade com a escrita o levou naturalmente para o Serviço de Informação Agrícola, onde passou a produzir o Informativo Rural e Econômico. Não faltava em quem se inspirar: quarto filho de sete, Severo tinha um irmão que atuava na imprensa de Porto Alegre. O mano Rivadávia estudava Educação Física, mas trabalhou no jornal A Hora para "ganhar uma graninha", conta. A prática era comum entre os jovens da época. "Não existia jornalista com mais de 30 anos nas redações. Pagava-se pouco, mas para estudantes era uma maravilha". Para o jovem caçapavano, tornou-se o ofício de uma vida.
Enviado especial

Sua relação com a Comunicação, na verdade, começou ali na cidade natal, quando fez alguns trabalhos como locutor e controlador de som na Rádio Caçapava. Em Porto Alegre, a convivência com o irmão e seus colegas de imprensa funcionou como atração para a profissão. Já no primeiro emprego, Severo iniciou uma rotina intensa de viagens, prática que o acompanhou durante toda a trajetória no Jornalismo. Redigindo matérias para o informativo da Secretaria da Agricultura, conheceu o Estado todo.

Suas reportagens logo se destacaram e Severo foi convidado, em 1964, para ser editor do suplemento rural do Jornal do Dia. Esse seria o primeiro de muitos convites que viriam a seguir. O próximo foi para sair do Rio Grande do Sul. Uma reportagem sobre o preço da carne despertou o interesse dos editores do jornal O Estado de S.Paulo, que o convidaram para um estágio na capital paulista. "Ao término do estágio, me ofereceram um salário 10 vezes maior, não tinha como dizer não", lembra. No Estadão, passou a produzir matérias para a editoria de Geral.

Como sempre esteve atrás de furos e informações privilegiadas, não demorou muito para emplacar matérias de capa, que o levaram à condição de enviado especial, figura que recebia missões como cobrir a agenda do presidente da República pelo País. "Sempre fui muito competitivo. Se é para fazer, tem que ser da melhor forma", acredita. Seu empenho e dedicação em produzir boas reportagens chamaram a atenção do jornal Zero Hora, no final dos anos 1960.
Trabalho com diversão

A proposta para voltar foi boa, mas se passaram apenas seis meses até surgir um novo convite, dessa vez para a revista Veja. A passagem por Zero Hora, porém, lhe trouxe o amor da também jornalista Conceição Mendes Rocha, com quem conviveu por 16 anos, até que ela faleceu vítima de câncer. "Nunca chegamos a nos casar no papel. Naquela época, a gente não casava, não. Era todo mundo meio hippie." Nos anos em que estiveram juntos, a companheira o seguiu por toda a parte. Severo passou, entre idas e vindas, por São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Buenos Aires, Santiago do Chile e Florianópolis, esta última por opção própria, para escrever um dos seus seis livros publicados. "A Conceição era muito companheira. Eu costumo dizer que mulher de gaúcho tem que ser assim: montar na garupa do cavalo e ir", compara o jornalista.

A vida pessoal, segundo conta, sempre foi "meio misturada" com a profissional, pois se considera "um repórter 24 horas por dia". Durante os momentos de lazer, sempre se dedicou à leitura, às cavalgadas e, depois de algum tempo, à pilotagem de avião, que aprendeu em função do trabalho. Um dia, ele foi produzir uma matéria no Aeroclube de Lucélia, sobre um curso para pilotos. Pensou: "Só vou conseguir escrever sobre isso se eu viver a experiência". Começava aí o estilo de reportagem com narrativas em primeira pessoa, que consagrou a extinta revista Realidade, onde Severo trabalhou em 1969, escrevendo sobre, entre outras coisas, esportes radicais. O colega de redação Paulo Lafer, o Polé, gostou tanto da reportagem que foi fazer o curso também e acabou comprando um avião. Os dois voaram juntos durante muitos anos.

As narrativas em primeira pessoa e as fotos de Severo experimentando esportes radicais o tornaram popular, e ele passou a ser reconhecido nas ruas. Mas o fato, na real, o deixava constrangido. "Eu devia estar fazendo matérias de denúncia à ditadura, e, ao invés disso, estava me divertindo fazendo coberturas de esportes." O prazer com o trabalho, porém, amenizava a culpa que, segundo ele, fazia parte de uma geração que tinha o protesto como "combustível de vida".
Repórter maduro

Depois da Realidade, que era uma publicação mensal, Severo passaria ainda por agência Reuters, revista Exame, jornais Folha da Manhã, O Globo e Gazeta Mercantil, e TV Globo, onde atuou no Jornal Nacional e no Jornal da Globo. Sua maior experiência em um veículo é na extinta Gazeta Mercantil, de São Paulo, onde esteve, entre idas e vindas, de 1974 a 2004. É pela Gazeta também que ele guarda um "carinho especial", pois foi ali, segundo ele, que amadureceu como repórter. Pelo diário, cobriu diversos acontecimentos nacionais e internacionais, inclusive guerras, como a guerra civil de La Paz. Dessas coberturas, o que recorda é da falta que fazem cuecas limpas. A adrenalina é tanta que, segundo ele, a primeira coisa que acontece com os repórteres é manchar as roupas íntimas. "A dica para quem está indo cobrir guerra é: leve uma mala só de cuecas", diverte-se.

Outro recado que manda para quem está começando é que não se leve tão a sério. "Levem a notícia a sério e lembrem-se que o leitor não é abstrato. Escrevam para o leitor", aconselha. Em sua visão, só permanece na imprensa quem consegue se comunicar com o leitor. Considerando-se um repórter do dia a dia, Severo assume que sempre foi muito 'Caxias' na apuração de dados, mas descuidado com o texto final. "Não tenho apego ao texto, sempre dei total liberdade aos editores para que mexessem. Só me fixo na precisão dos dados", diz.
Televisão e cinema

Depois de tanta experiência adquirida no jornalismo impresso, decidiu aventurar-se na TV. Era 1979 quando foi trabalhar como repórter do Jornal Nacional, da Rede Globo. Menos de dois anos depois foi promovido a editor-chefe do Jornal da Globo., do qual foi um dos criadores. "Me dei muito bem por lá, peguei a coisa de cara", recorda, registrando que, na época, os colegas eram muito resistentes ao trabalho em telejornalismo. A emissora investiu no jornalista, que chegou a realizar cursos de especialização nos Estados Unidos. No Jornal da Globo, deu início ao formato existente hoje, com bancadas compostas por jornalistas - até então, eram locutores que liam as notícias no ar -, época em que despontaram apresentadores como Renato Machado, Cid Moreira e Sérgio Chapelin.

A identificação com a TV tem a ver com seu gosto por imagem. Desde criança, uma de suas principais diversões era o cinema. "Quando vínhamos para Porto Alegre, eu e meus irmãos emendávamos uma sessão na outra", diz, reconhecendo que ficava fascinado pelas projeções nas telas. De cinéfilo, Severo passou a produtor de cinema. Em sua segunda produção ao lado do escritor e cineasta Tabajara Ruas, está em vias de roteirizarão e adaptação do livro Os senhores da guerra, de sua autoria. A obra conta a história dos irmãos Júlio e Carlos Bozano, um chimango, o outro maragato, que se confrontam nos campos de batalha das revoluções de 1923 e 1924.

A obra, conforme conta, é uma grande reportagem, do estilo do que se fazia na revista Realidade. O volume é o terceiro de uma série de seis já escritos por Severo. No primeiro, chamado de A invasão, ele faz uma projeção política, de 1978 para 1985, onde prevê uma redemocratização no país. "O engraçado é que, anos depois (1993), veio o plebiscito questionando sobre o regime político."
Literatura e amigos

Sua terceira obra publicada figura no campo da ficção. Guerra dos cachorros versa sobre estes animais que, revoltados com os humanos, decidem tomar o poder. A inspiração surgiu quando ele viu passar pela rua uma cadela com uma matilha de cães atrás. Com a cena na cabeça, sentou e produziu um livro em menos de um mês.

Outros dois títulos do jornalista versam sobre petroquímica, do tempo de sua passagem pela Comunicação da Copesul. O sexto, que já teve uma edição patrocinada, será lançado comercialmente em setembro. A obra é comemorativa aos 200 anos do general Osório e contempla 100 anos de história do Rio Grande do Sul, contada através da vida da família Osório. A história se passa entre os anos de 1760 a 1870.

O gosto pela escrita e, mais, por contar histórias tem dois motivos, segundo Severo. O primeiro é o fato de ser natural de Caçapava do Sul. "As pessoas têm muita história para contar lá. A cidade foi cenário de muitos conflitos", explica. O próprio pai, o advogado e político Alberto, viveu durante anos com uma bala alojada no corpo. O segundo culpado é "esse tal de Erico Verissimo", brinca. Influenciado por seu ídolo e por suas origens, Severo anuncia que seu próximo livro será um épico.

Atualmente baseado em Porto Alegre, o jornalista divide seu tempo entre a busca por patrocínios e a produção do filme Os senhores da guerra. Nas horas de lazer, gosta de frequentar bares ao lado de amigos bom de papo, como os ex-companheiros de redação Belmiro Santhier, Elmar Bones, Ênio Squeff, Paulo Caruso, Zuba Coutinho.  São encontros sempre agradáveis, que podem acontecer tanto em Porto Alegre como em Florianópolis, onde manteve residência por alguns anos, ou em São Paulo.

Aos 68 anos e sem filhos, diz que nunca se levou tão a sério e que não se acha "tão talentoso assim. Apenas procuro deixar as pessoas à vontade para falar". Sobre realização, não costuma usar essa palavra: "O meu tempo é o presente, não tenho o hábito de olhar para o passado. Vivo do agora".
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