Kenny Braga: Um colorado nacionalista

Ele preferiu estudar a ser jogador de futebol. Tornou-se jornalista, mas também teve suas incursões pela política.

Ainda jovem, cursando o Clássico no Colégio Liberato Salzano Vieira da Cunha, de Santana do Livramento, Kenny Braga teve que escolher entre estudar e seguir carreira no futebol. Gostava tanto dos livros quanto de jogar pelo Grêmio Santanense, mas percebeu que não havia futuro para um jogador de time do Interior. Em 1962, aos 17 anos, precisava trabalhar e foi buscar emprego no jornal A Platéia, como os amigos Danilo Ucha e Elmar Bones. Foi aceito como revisor, dando início à vida boêmia típica dos jornalistas daqueles tempos. Logo passou a repórter de Polícia e, em seguida, a editorialista.


Kenny assume que tinha uma alma rebelde e insubmissa e isso se refletia em seus textos, em plena ditadura militar, na década de 1960. Um dos editoriais - em que criticava a postura de um coronel da guarnição militar de Rosário do Sul, que mandou apreender o jornal em sua cidade devido a uma matéria que o desagradou - o forçou a um breve exílio. Toda a redação foi interrogada sobre o assunto, mas Kenny, que dormia até o meio-dia, soube da caça às bruxas quando se encaminhava para o diário. Deu meia-volta e atravessou a fronteira com o Uruguai. Ficou na casa de sua avó, em Rivera, até os ânimos se acalmarem: "De férias, namorando, bebendo um vinho?", debocha.


Fracasso de porta em porta


Ele escapou da prisão dessa vez, mas a sorte não se repetiria em Porto Alegre, aonde veio, no final de 1964, junto com os amigos da cidade natal, prestar vestibular de Jornalismo na Ufrgs. Passou e, quando foi se inscrever na faculdade, foi preso por colaborar com a tentativa de golpe do coronel Jeferson Cardin de Alencar Osório, de quem nunca ouvira falar até então. "Ainda acho que tive sorte, porque fui preso no Governo Castello Branco, fiquei lá 30 dias, sem nem trocar de roupa, meu terno já podia andar sozinho. Mas acho que seria bem pior se pegasse o Governo Médici", divaga. Na Capital, hospedou-se em casas de parentes até conseguir alugar seu próprio apartamento. No primeiro trabalho na cidade, não foi bem-sucedido: "Fracassei totalmente como vendedor de livros, desses que oferecem enciclopédias de porta em porta. Não vendia nada, se dependesse disso ia morrer de fome. Preferia passear com a minha namorada pela Redenção". Foi assim até "descobrir os caminhos dos meios de Comunicação de Porto Alegre para trabalhar" e empregou-se como redator na Rádio Farroupilha.


A experiência foi curta e, em 1968, concluída a faculdade, voltou para Livramento, onde permaneceu por um ano, como cronista da Folha Popular: "Foram meses muito ricos, na minha vida e de acontecimentos históricos. Pude desenvolver meu lado literário e viver na boemia". Os textos deram origem ao seu primeiro livro, "O viajante confuso", publicado na gráfica do jornal. "A sessão de autógrafos foi uma coisa magnífica. Fiquei deslumbrado com aquele monte de pessoas ao meu redor. Ainda era um guri, um moço que tinha um livro", relembra Kenny, que pretende relançar a obra. Recentemente, ele recebeu o Prêmio Literário Erico Verissimo, da Câmara Municipal de Porto Alegre.


Veia literária


O profissional também escreve poesias, que podem ser lidas no livro "Para brincar com pandorgas" e em outra publicação, que deve lançar na próxima Feira do Livro. "Meus poemas destinavam-se ao fundo de uma gaveta, mas agora vou editar uma coletânea com os melhores. Também escrevo com intenção de vê-los musicados. Quero me associar a um compositor para fazer canções para festivais e também lançar um CD com diferentes parceiros, e até cantar uma das músicas. Meu canto dá pro gasto. Quem é que canta de verdade hoje? Qualquer um pode cantar suas composições, até o Chico Buarque", brinca. Um de seus poemas, "Esses meninos", já virou música na voz de Adair de Freitas.


Em sua trajetória como escritor, consta "Meu amigo Jango", que traz memórias de Manoel Soares Leães, piloto do ex-presidente que o levou para o exílio, e que deve virar filme, além de ser relançado, também na Feira do Livro, pela JÁ Editores. Outro é "Inter - Orgulho do Brasil", que já está indo para sua quarta edição também pelo JÁ: "É uma obra aberta. A cada edição, incluo novos fatos. A próxima já vem com o Mundial e espero poder incluir a Recopa". Também está nos planos do jornalista escrever outro livro sobre João Goulart, baseado em inúmeros documentos que ele coleciona, e a história do Rolo Compressor, tratando especificamente do vitorioso time do Inter na década de 1940.


Cara-de-pau e rebeldia


De volta à Capital, o ainda desconhecido Kenny Braga chegou, na cara-de-pau, a Walter Galvani, editor da Folha da Tarde, pedindo emprego de cronista. "Ele me olhou com espanto, mas não me achou maluco, me deixou fazer um teste, escrevendo sobre qualquer coisa, e, no dia seguinte, me contratou. Passei a escrever para a página 4 do jornal, que publicava textos de Carlos Drummond de Andrade e Rubem Braga. Foi o maior acontecimento da minha juventude, de zero à esquerda me transformei em cronista da 4. Minha vida mudou completamente, passei a ser badalado, fiz coisas que não deveria ter feito. Era rebelde, me insurgi contra a empresa e me arrependi mais tarde", admite.


Num desses atos de rebeldia, deixou a Folha e, desempregado, aceitou trabalhar no Diário de Notícias, "que já estava praticamente fechando com a decadência do império de [Assis] Chateaubriand". Mesmo assim, Kenny conta que o salário nunca atrasou: "Imaginei que não fosse receber e estava preocupado, porque já estava casado e tinha meus filhos para criar, mas sempre pagaram tudo direitinho". Ele deixou o jornal antes deste fechar, pois recebeu uma proposta melhor de Zero Hora, onde escreveu suas crônicas para o caderno de Variedades por dois anos.


Ainda no início da década de 1970, foi para São Paulo, a convite de Veja, mas a passagem pela revista foi rápida: "Gostavam muito do meu trabalho e era um emprego ótimo, que todo jornalista sonhava. Mas estava sozinho, numa cidade que eu não gostava. Ainda tenho implicância com São Paulo. Voltei para o Rio Grande do Sul, e todo mundo, até hoje, me considera um maluco por lá". Aqui, atuou como chefe da sucursal de O Globo e repórter de O Estado de S. Paulo, além de ter sido chefe do Gabinete de Imprensa da Câmara Municipal e da Assembléia Legislativa. Em 1980, ainda arrendou, junto com Ucha e Elmar, o diário onde estreou na carreira: A Platéia.


Posições assumidas


Em seguida, recebeu o convite de Ruy Carlos Ostermann para integrar a equipe do programa Sala de Redação, da Rádio Gaúcha: "Ainda vigorava a ditadura e eu sentia que precisava dar um tempo no trabalho de cronista, pois havia um olho de lupa em cima dos meus textos, o que me chateava muito. A oportunidade de falar sobre futebol me animou, e nunca tinha falado em rádio, tive muita dificuldade no começo para me adaptar ao novo veículo, mas já estou no Sala há 27 anos". A idéia era que Kenny compusesse o grupo de debatedores na condição de colorado, que ele já havia assumido em suas crônicas.


Nesse período, também se dedicou a outros projetos, jornalísticos e políticos. Filiado ao PDT e "brizolista-getulista-trabalhista-legalista" convicto, em 1986, foi candidato a vereador. Ficou como suplente e foi convidado pelo prefeito Alceu Collares a assumir a assessoria de Imprensa do município. Até que um parlamentar da bancada foi chamado para uma secretaria, então, pôde assumir sua cadeira na Câmara. Por dois anos, conciliou o cargo com o programa, já que naquela época a RBS não vetava seus comunicadores de atuar em funções públicas. Ele se afastou apenas no período da campanha, como exige a lei eleitoral.


"Continuo filiado ao partido, porque sou ligado a esse viés nacionalista: defesa das nossas riquezas e soberania, diante da cobiça e da gula dos estrangeiros, o que me deixa muito irritado. Acho que sou uma espécie em extinção, pois dizem que a globalização pode tudo, há um desrespeito com as fronteiras, e considero isso errado. Não mudo minha posição, as coisas que eu fiz na minha juventude, minhas lutas partidárias, como estudante, como jornalista, todas se justificaram. Se tivesse que viver novamente, essas coisas teriam sido feitas de novo e seriam "reacertadas", porque fiz um bom combate", pondera.


Futuro traçado


No meio jornalístico, o lado matrimonial de Kenny é um caso raro: está casado com a mesma mulher desde 1970. Com Tânia, o jornalista teve Jean-Marc, 35 anos, e Tatiana, 36. Hoje, ele se diz completamente caseiro e conta que só sai à noite se for para prestigiar os amigos: "Sou muito fiel às amizades, mas não me convidem para festas mundanas, que eu não tenho mais interesse". Gosta de apreciar um bom vinho, mas admite que não bebe como antigamente. "O fígado não agüenta", debocha. O vinho acompanha as carnes e massas que o jornalista costuma preparar: "Faço meu churrasco, invento umas misturas, mas não sou nenhum cozinheiro perfeito".


Em casa, ele também costuma ouvir música, principalmente MPB, e ler: "Leio permanentemente, tudo o que me cai na mão. Fico espantado com as pessoas que assistem à televisão. Dificilmente ligo a TV, assisto apenas aos noticiários, o grosso da programação eu não vejo, nem quero ver e acho que não acrescenta nada aos meus conhecimentos". Kenny se considera apenas "vagamente católico", mas tem se dedicado a ler sobre as histórias das religiões - que ele entende como fenômenos culturais -, especialmente os escritos do psicanalista Carl Jung. Também se interessa por História antiga e mitologia greco-romana.


Aos 62 anos, completados em 24 de dezembro último, Kenny já planejou seu futuro. Só falta o neto Lélis Léo, filho de Tatiana, que está com seis anos, crescer e se tornar um craque do futebol mundial. Segundo o avô-coruja, o menino, que já freqüenta a escolinha de futebol do Sport Club Internacional, tem tudo para ser um cara alto e jogar como zagueiro. "Ele vai para a Seleção Brasileira e, depois, será contratado pelo Barcelona. Já tenho o que fazer na minha velhice: vou carregar as malas do meu neto jogador de futebol pelo mundo. Posso até ser empresário dele!", viaja longe.

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