Luiz Carlos Felizardo : Mago da fotografia

Começou fazendo música, depois estudou arquitetura e há 30 anos faz da fotografia a sua vida

A veia artística e a criatividade sempre falaram mais alto na vida, na profissão e nas escolhas de Luiz Carlos Rosa Felizardo. Poderia ter sido médico, professor ou arquiteto, mas a paixão pela fotografia prevaleceu e o resultado é que, há 30 anos, é destacado e reconhecido internacionalmente nas áreas de fotografias de paisagem e arquitetura. Sua extensa obra é toda em preto e branco e obtida através de câmeras de grande formato.


Entre 1968 e 1972, cursou Arquitetura, na Ufrgs, mas foi graças à complexidade das disciplinas de cálculo diferencial e desenho geométrico que abdicou do diploma e passou a se dedicar à arte de desenhar com a luz. Coincidentemente, acabou seguindo os passos do fotógrafo americano Frederick Sommer, que viria a ser seu grande mestre: Sommer, além de fotógrafo, também fora arquiteto e desenhava partituras musicais. Trabalhando e convivendo com ele durante muitos anos, aprendeu que a mesma estrutura que sustenta a arquitetura orienta a música e justifica as imagens. "Sempre tive interesse pela arte, mas houve um certo momento da minha vida em que esse interesse foi maior que tudo."


Os primeiros contatos com a fotografia vieram através das grandes imagens da revista americana Life, que seu pai comprava, e, mais tarde, por meio de um curso sobre os princípios básicos da atividade. O primeiro equipamento (uma câmera Pentax) foi adquirido na época da faculdade, em 1970, ano que marca o início de suas atividades. Mas as primeiras fotos "bem-sucedidas", como ele mesmo define, só foram registradas um ano mais tarde, em uma viagem de passeio a Buenos Aires, onde fotografou um ensaio do Conjunto 9.


No mesmo ano, estabeleceu uma parceria com um grupo de jovens arquitetos, que montaram um pequeno estúdio, o Signovo. Lá, começou a fotografar para as grandes agências de propaganda da época, como MPM Propaganda, Martins e Andrade e Símbolo Propaganda. Três anos mais tarde, associou-se a Assis Hoffmann, na época editor da Folha da Manhã, no estúdio Focontexto, onde trabalhou até 1975. Foi através de um convite de Assis que, aos 25 anos, começou a assinar uma página no jornal sobre fotografia. Curioso por natureza, mesmo sem dominar o assunto aceitou o convite e, a partir de então, passou a ler diariamente para se informar sobre o tema.


Memórias de uma vida


Descendente de alemães e portugueses, Felizardo relembra com orgulho de suas origens e antepassados: "Sou bisneto de Guilherme Schell, que hoje é conhecido por ser nome de rua em Porto Alegre, e neto de Joaquim José Felizardo, o J.J. Felizardo Jr., que foi muito importante na história do Positivismo no Rio Grande do Sul. Ele foi o construtor e principal articulador da Igreja Positivista da Capital". Quanto à origem de seu nome, Felizardo acredita que foi uma homenagem de seus pais a um parente "muito querido", o militar e político comunista Luiz Carlos Prestes, amigo e primo de seu pai. "Na verdade, acho que tanto o meu nome como o de Luiz Carlos Prestes derivam de um terceiro, o tio Lulu, uma figura muito especial para toda a família."


Com 10 anos, perdeu o pai, vítima de um infarto, mas as lembranças dessa década de convivência ficaram registradas com carinho. As primeiras memórias da infância se passaram no centro de Porto Alegre, em um edifício que ficava na esquina da Caldas Júnior com a Riachuelo. "Era muito alto para a época e a vista que eu tinha da cidade era muito diferente de hoje", relembra.


Foi neste edifício, onde morou até os cinco anos, que presenciou cenas que o marcaram, como um aceno do presidente Getúlio Vargas. De lá ouvia o apito dos navios no cais do Porto e se distraía vendo remadores treinando no rio. "As memórias que tenho dessa época são de uma cidade muito mais simpática, afetiva e aberta do que hoje em dia. Uma das coisas boas de começar a envelhecer é que essas lembranças se formam muito facilmente." Os primos e amigos do Colégio Farroupilha eram os companheiros de brincadeiras. Com eles jogava futebol, brincava de carrinho na Praça da Matriz e jogava caçador no pátio da escola durante o recreio.


Aprendiz de feiticeiro


Em julho de 1984, obteve uma bolsa de estudos através da Comissão Fullbright e da Capes, no Programa de Especialização em Arte. Neste mesmo ano conheceria o fotógrafo e arquiteto italiano Frederick Sommer (1913 - 1999), o guru ao qual credita muito do seu aprendizado. Felizardo define a experiência de trabalhar com Sommer, em Prescott, no Arizona (EUA), como "algo inesquecível", pois aprendeu com ele não somente sobre as técnicas da fotografia, mas sobre a vida e sobre o valor das idéias. "Fui trabalhar com Fred Sommer como uma espécie de um misto de estagiário e artista visitante. Na época, ele tinha 79 anos e era uma figura excepcional", diz ele, definindo o grande mestre como "um louco maravilhoso e um gênio fantástico".


Depois de descobrir que Sommer morou no Brasil durante 20 anos, desde a década de 90 Felizardo vem estudando a vida do fotógrafo americano. A pesquisa terminou em 1996 e ele pretende publicar um livro. Aguarda a liberação de recursos e uma autorização para o uso das fotos do artista na publicação.


Felizardo registra em seu currículo várias exposições individuais, em cidades como Porto Alegre, Caxias do Sul, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Ouro Preto, Belo Horizonte, Buenos Aires e Montevidéu. E, desde 1976, figurou em mais de 15 mostras coletivas no México, Estados Unidos, Venezuela, Cuba, Nicarágua, Espanha, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Síria, Tunísia e Argélia. Também tem três livros publicados: Theatro São Pedro (Editora Espaço, 1983); Luiz Carlos Felizardo -  Coleção Senac de Fotografia (Editora Senac, 2004); e O Relógio de Ver (Fumproarte, 2000), que reúne textos produzidos a partir de 1988.


É num ateliê no bairro Bom Fim, nas proximidades da Redenção, que Felizardo passa a maior parte do dia. Quem visita seu "escritório" encontra alguns móveis rústicos de madeira, fotos suas emolduradas e penduradas nas paredes, muitos livros sobre fotografia espalhados pelos cômodos em pequenas bibliotecas e algumas relíquias, como um barômetro que pertenceu ao seu avô e uma lata de spray de tinta que trouxe de Berlim. Com o entusiasmo que o caracteriza, exibe a lata amassada e enferrujada e informa que o objeto foi retirado dos escombros do Muro de Berlim. Felizardo vê arte e poesia na velha lata: "É incrível a quantidade de latas que tem naquele local, pois as pessoas usavam para pichar o Muro. Isso aqui é uma relíquia! Olha que bonita a textura dela, dá para ver até um resto de rótulo!"


No último mês de abril inaugurou no Museu de Arte do Rio Grande do Sul a exposição "O Sonho e a Ruína". A mostra, que agora está no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, é composta por 40 painéis da Região das Missões, sendo que a primeira fotografia foi registrada em 1973. Hoje, entre uma exposição e outra, ainda arranja tempo para assinar uma coluna, a Imago, na Revista Aplauso. Ele desenvolve a atividade de colunista desta seção desde 2001.


Tal pai, tal filho


Casou-se em junho de 1973 com Magda Biavaschi, que hoje é juíza aposentada, e com ela tem dois filhos. A primogênita Marta, 33, mora em Berlim e obteve o diploma do qual o pai abdicou: o de arquiteto. Já Pedro, 32, jornalista, seguiu os passos do genitor e optou pela fotografia. O caçula mora na Austrália, fotografa surf e tem uma filha, chamada Marina, de dois anos. "Minha neta é aborígine, é nascida lá", conta.


A companheira de Felizardo é Maria Isabel Locatelli, com quem casou em 1989. Nas horas vagas e momentos de lazer, o fotógrafo curioso, inquieto e falante dedica-se a ler sobre fotografia ou arte e ouvir jazz, MPB e música clássica. Seu autor preferido é Umberto Eco, os cantores são Chico Buarque, Paulinho da Viola, Tom Jobim, Pixinguinha e Caetano, com um esclarecimento: "Me refiro ao primeiro Caetano, porque depois ele ficou insuportável. Tenho horror à gente pretensiosa!".


Já ele se autodefine como uma pessoa minuciosa, dedicada e generosa, mas que também pode se irritar facilmente, ser "gritão" e muito emotivo. Foi com Sommer, seu mestre, que aprendeu um conceito que leva para toda a sua vida: "Estar disponível para o que as coisas podem vir a ser, fazer delas mais do que apenas um potencial, isto é criatividade no melhor sentido. E é apenas através da criatividade que quaisquer relações são possíveis."

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