Nelson Moura: O mundo de um repórter

Em quatro décadas de profissão, Nelson Moura se mostrou pioneiro dentro do Jornalismo

Nelson Moura | Divulgação
Por Cinthia Dias
Natural de Passo Fundo, Nelson Moura chegou a Porto Alegre aos 20 anos, com os quatro irmãos e a mãe. Motivada pelo falecimento do pai, que comandava um frigorífico no município localizado ao Norte do Rio Grande do Sul, a saída do Interior possibilitou que ele construísse uma carreira que nunca havia planejado. Entretanto, antes de descobrir sua paixão e aptidão para o Jornalismo, trabalhou na rede de lojas de vestuário Renner, graças ao irmão mais velho, Heitor - que defendia, como lateral esquerdo, a camisa do Grêmio Esportivo Renner. "Já pensou? Eu trabalhando com moda? Sorte que um amigo meu, que atuava na Companhia Jornalística Caldas Junior, me informou de uma vaga na portaria da empresa, para atender telefonemas e pegar recados. Aceitei na hora."
A dedicação com que conduzia o cargo de "contínuo" - auxiliar de serviços administrativos - acabou chamando a atenção do então diretor da extinta Folha da Tarde, Arlindo Pasqualini, que o convidou para integrar a equipe da redação do impresso. Ele diz que o começo como jornalista não foi fácil, entretanto, conta que aproveitou as escapulidas dos colegas, com quem dividia os plantões, para mostrar serviço. "Os jornalistas fugiam e eu ficava sozinho. Atendia aos telefonemas e fazia as matérias. Escrevia e entregava as reportagens ao secretário de Redação, Manuel Albuquerque, para avaliação", recorda.
Com a confiança de Pasqualini, tempos mais tarde, deixou o plantão para integrar o time de repórteres da editoria de Polícia, sob a supervisão do editor Antoninho Gonzalez. Para escrever as matérias dessa seção, circulava entre o Hospital de Pronto Socorro e as delegacias em busca de notícias. Insatisfeito com o segmento devido ao contato constante com sangue e criminalidade, pediu para trocar de função. Foi então que apresentou um projeto para a criação da Sala de Imprensa no saguão do aeroporto Salgado Filho, pois "era uma grande fonte de notícias" e "muitas personalidades passavam por ali".
Com a autorização do deputado Fernando Ferrari, o projeto ganhou vida e, ao lado do fotógrafo espanhol José Abraham, caminhava pelos corredores do aeroporto em busca de um furo jornalístico. Dentre os flagras, estava Edward Kennedy, senador e irmão do ex-presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, em 1961. "Ele vinha do Nordeste para Buenos Aires, na Argentina, e pousou aqui no caminho. Disso, rendeu uma fotografia famosa dele bebendo uma cerveja faixa azul, o que hoje é a Antártica." Além dele, políticos como Leonel Brizola, Tarso Dutra e Humberto Castelo Branco, misses, jogadores e técnicos de futebol, e outras figuras públicas do cenário nacional, estão entre seus ilustres entrevistados.
Eterno apaixonado
Nelson transitava com frequência nas proximidades da avenida Azenha, onde, diariamente, observava a vendedora Ana Teresinha organizando as roupas nas prateleiras e nos manequins na vitrine da loja Casa Lu. "Foi amor à primeira vista!", frisa, apaixonado. Com pouco tempo de relacionamento, pediu a mão da senhorita Llantada, mesmo sem condições de realizar o casamento, em razão do baixo salário de repórter.
Decidido, estudou e prestou concurso para o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), no qual conquistou a primeira vaga de jornalista concursado da instituição pública. Como consequência, melhorou financeiramente e casou em 28 de dezembro de 1954, na Igreja Santo Antônio, no bairro Partenon. "Quando me casei, um jornal de Passo Fundo deu uma nota social", acrescenta, ao mostrar o recorte do impresso amarelado, que guarda com carinho.
Da união, nasceram quatro filhos: a advogada Ana Lúcia, a turismóloga Adriane, o economista André e a jornalista Aline. Aos 85 anos, Nelson comemora a família que construiu e da qual tem muito orgulho. Se não bastasse a preocupação do quarteto, ele e a esposa contam com os cuidados das netas Bruna, Giovana e Clara, e do neto recém-chegado Heitor.
Pioneirismo
Além da Sala de Imprensa no aeroporto Salgado Filho, Nelson desenvolveu outros dois projetos. O primeiro, ainda na Caldas Junior, foi a implantação da coluna diária "Aeroporto & Cia", que retratava as experiências no mundo da aviação, como novos voos, companhias e rotas aéreas. Com este espaço na Folha da Tarde, passou a receber convites para compor o corpo de passageiros de voos inaugurais dentro e fora do Brasil. Das chamadas internacionais, recorda, aos risos, que recusou ir à Amsterdã, na Holanda, pelo medo de ser surpreendido com o início de alguma guerra.
A segunda iniciativa surgiu das demandas enquanto assessor de imprensa da diretoria do Daer, quando acompanhava, em viagens, os gestores do órgão estadual nos lançamentos das estradas e rodovias do Estado. Inquieto, enxergou que havia necessidade de criar uma publicação para reunir, mensalmente, as notícias do segmento. Desta forma, nascia a Revista Rodoviária, na qual era diretor e assinava o editorial de cada edição. Ao todo, foram mais de 35 anos de serviços prestados à instituição. "Até chegar uma lei, que proibia que os jornalistas trabalhassem em dois empregos, trabalhava na Folha e no Departamento. Sempre gostei muito do que fazia como jornalista."
O mundo de um repórter
É com carinho que, aos 85 anos, se recorda das quase quatro décadas que dedicou à Caldas Junior. "Foi lá que me formei jornalista." A experiência permitiu que aprimorasse a curiosidade e a perspicácia, qualidades que lhe renderam muitas capas na Folha da Tarde. As incontáveis e divertidas histórias estão reunidas em dois volumes caseiros que ele chama de "O mundo de um repórter". Os recortes de jornais com suas reportagens foram compilados assim que se aposentou, em 1983, um mês antes da greve que paralisou as redações do Correio do Povo e da Folha da Tarde.
Dentre as matérias, destaca uma que mais transmite seu amor pelo tricolor gaúcho e pelo futebol. Nelson relatou que, em 1964, o Grêmio jogou em casa contra o Santos, que tinha o Pelé no time. A alegria durou até o minuto em que soube que, na data da partida, estaria de plantão. No dia, o fotógrafo foi para o cinema e o motorista ficou em casa de sobreaviso. Inconformado que perderia de ver o "rei", decidiu ir ao jogo, cujo placar de 3×1 não foi favorável à equipe gremista. "Nunca tinha o visto jogar ao vivo e era minha oportunidade. Não é que aconteceu um dos acidentes mais feios em Porto Alegre?" Sem a fotografia do fato, que aconteceu durante a disputa, correu para as empresas onde trabalhavam os que faleceram na tragédia para pegar uma imagem de cada um. "Fomos os únicos a mostrar as vítimas. No fim, salvei o emprego de nós três."
Do período em que esteve ativo na profissão, recorda as amizades que fortaleceu na mesa do bar Serpentário, no Centro da Capital, após o expediente. Dentre elas, cita, emocionado, os jornalistas Ema Belmonte, Fernando Albrecht, Flávio Alcaraz Gomes, José Vieira da Cunha, Jurema Josefa, Marques Leonam, Orlando Loureiro, Tibério Vargas e Walter Galvani, e os fotógrafos Assis Hoffmann e Léo Guerreiro. A paixão também era dividida com o irmão Paulo, que foi para o Correio do Povo graças a ele. "Paulo trabalhou muitos anos no jornal, ao lado de Hiltor Mombach, na área esportiva. Morreu fazendo o que mais amava", comenta. A dupla ficou conhecida no meio jornalístico como os irmãos Mourinha.
O vício pelo cigarro e pelo café se deve ao ambiente das redações, que, na época, também era composto por máquinas de escrever e cinzeiros. Fumante até hoje, o repórter ressalta que entrou uma vez só no bloco cirúrgico para operar a catarata. Como bom jornalista "das antigas", não abre mão de se informar, logo de manhã, pelo jornal impresso e pelo rádio e, ao longo do dia, complementa as notícias com as informações dos sites Terra e UOL.
Apesar da idade, não deixa de acompanhar as tecnologias: ele tem perfil no Facebook, onde adora "bombar", como ele mesmo diz, e WhatsApp, por onde recebe notícias dos filhos e netos, que o ensinam a usar a internet. Extremamente lúcido e bem-humorado, relata que, atualmente, usa parte de seu tempo com as redes sociais e em ajudar a manter a filha Aline bem informada: "Sou assessor da Faro Comunicação", diz, aos risos, ao se referir à empresa comandada pela caçula, que seguiu seus passos.

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