Júlio Cordeiro: O clique mais perfeito

Editor de fotografia de Zero Hora tem a exigência constante com a qualidade do próprio trabalho

Por Poti Silveira Campos
Exigente, o fotógrafo Júlio Cordeiro, 47 anos - completados no último dia 16 de junho, data em que recebeu a reportagem de Coletiva - sempre acha que a próxima imagem é que ficará excelente. Aquela considerada excelente ontem, hoje, perdeu o brilho. Talvez seja classificada agora como mais ou menos, talvez sequer merecesse ter sido publicada. Júlio está sempre a exigir mais e mais. E a coisa funciona em circuito fechado: ao mesmo tempo em que o profissional pode se sentir chateado com o resultado de algum trabalho, a busca pela perfeição também funciona como incentivo para seguir adiante. "Eu penso que no dia seguinte poderei fazer melhor", afirma o fotógrafo que acumula mais de 20 prêmios ao longo da carreira, iniciada em meados dos anos 1980, editor da área em Zero Hora e professor de Fotojornalismo II na Famecos/PUCRS.
Júlio começou tentando fazer melhor em cinema. Adolescente, o terceiro e mais novo filho do aeroviário Vicente Cordeiro e da dona de casa Amélia Cordeiro frequentava as sessões de pré-estreia do Cine ABC, no Bairro Azenha. Era o tempo dos cinemas de rua em Porto Alegre. O ABC apresentava títulos de qualidade em primeira mão em sessões à meia-noite. "Eu tinha de pegar dois ônibus", diz Júlio, que saía do Bairro Jardim Itu. E também gostava de fotos publicadas em revistas e jornais, devidamente recortadas e arquivadas. A preferência recaía sobre fotos publicadas em editorias como Geral e Polícia.
Em 1985, Júlio ingressou no curso de Publicidade e Propaganda da Unisinos. Ao mesmo tempo, planejou ingressar em curso de cinema oferecido pelo Foto-Cine Clube Gaúcho. A instituição oferecia formação em cinema e fotografia, alternadamente. Naquele momento, no entanto, era a vez da fotografia. "Sou ansioso e acabei me matriculando em foto", diz. Ele também colaborava na produção de curtas-metragens gaúchos, mas acabou descobrindo algo que lhe parecia importante na outra opção: "Cinema precisa de equipe. Eu queria ser mais independente no que fazia", explica Júlio, que encontrou boa parceria consigo mesmo e a máquina fotográfica. A partir daí, começou a se preocupar com outro questionamento: em que área atuaria? Publicidade? Fotojornalismo?
O estímulo do primeiro prêmio
O divisor de águas se deu com o Set Universitário, promovido pela Famecos/PUC. Júlio havia conseguido acesso para fazer fotos no Hospital Psiquiátrico São Pedro, inscreveu o trabalho e foi o vencedor na categoria Fotojornalismo. "Comecei a ler que estava relacionado, comecei a ter ídolos", relembra. Na época, o olhar do estudante se enchia de admiração pelos cliques do brasileiro Sebastião Salgado e do francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004). A fotografia também colaborou em outro divisor, desta vez na vida sentimental. Foi nas aulas da disciplina que conheceu Fabiana Koch, que em 1996 acrescentaria Cordeiro ao sobrenome. "Foi o velho truque do eu te ajudo a fazer fotos", brinca Júlio. Fabiana, hoje com 41 anos, trocou de curso e se formou secretária-executiva bilíngue. O casal tem a menina Sofia, quatro anos.
Além do prêmio, Júlio também salienta o estímulo de Fabiana, que insistia na aproximação profissional do então namorado com o jornal Zero Hora. Júlio havia publicado uma foto no principal veículo impresso do Grupo RBS, em 1989 - uma imagem de divulgação de peça teatral. "Fiquei realizado. Era uma reprodução bem pequena, o crédito era maior do que a foto, mas era meu trabalho", recorda. E depois, salienta: "Não é uma foto da qual me orgulho". Ainda durante o curso na Unisinos, Júlio procurou Rubens Borges, o Goiano, e Luiz Ávila, que coordenavam a editoria de Fotografia de Zero Hora. Embaixo do braço, levou o pequeno portfólio, que, naturalmente, considera hoje "muito fraco". Borges e colegas, no entanto, gostaram. Uma semana depois, foi chamado para um frila.
O batismo de fogo ocorreu no dia 9 de setembro de 1990, um domingo em que o Rio Grande do Sul comemorou a data máxima do calendário gaúcho. Júlio foi escalado para cobrir o Desfile Farroupilha. "Fiz boas fotos, mas do desfile militar. Não dei muita bola para os gaudérios. Fotografei carros de combate, soldados, parecia mais o Desfile de 7 de Setembro", diz. Por volta do meio-dia, Júlio já havia retornado à redação, quando Goiano e Ávila chegaram. "Quem foi cobrir o desfile?", perguntou Goiano. Ao saber que era o frila e novato, o editor apenas olhou de soslaio para o colega e foi examinar a produção. Júlio, ali, acompanhando os acontecimentos. Era para ser a principal foto de capa, mas, sem "gaudérios" ganhou apenas o destaque na página 3.
Aprendizado no Grupo Sinos
Júlio permaneceu três meses em Zero Hora, como temporário. Dali, foi trabalhar na agência fotográfica de Antônio Vargas, durante um ano. Depois, no jornal VS, de São Leopoldo, do Grupo Sinos - ficou cinco anos. "Foi uma escola muito legal, onde aprendi a rotina diária da redação." Fotografava, revelava e fazia cópias em papel do próprio trabalho. Em 1995, a convite de Ricardo Chaves, o Kadão - que havia retornado para Porto Alegre para assumir o comando da Fotografia em Zero Hora na gestão de Augusto Nunes à frente do jornal -, Júlio ingressou definitivamente no Grupo RBS.
Em 2008, tornou-se o segundo na hierarquia da equipe de 17 fotógrafos e dois auxiliares. "É um privilégio ter Kadão como editor", elogia. A tarefa de coordenar a editoria tem sobrepujado o fotógrafo talentoso. "Gestão é algo que não aprendemos na faculdade." O desafio tem influenciado até mesmo os hábitos de leitura. "Antes, eu entrava em uma livraria e iria direto para as estantes de fotografia, de história e de arte. Agora, vou para as de administração e economia", confessa.
Entre as coberturas de que participou, Júlio destaca os Jogos Olímpicos de 2004 e a série de reportagens em parceria com Nilson Mariano sobre A Rota da Cocaína, em 1997. A dupla passou mais de um mês na Colômbia, em contato com narcotraficantes e integrantes das Farc - mais um mês de apuração no Rio Grande do Sul - e reconstituiu a trajetória da droga desde a plantação até o consumidor. Como previsto, Júlio revê as fotos e o olhar exigente se revela novamente. "É bom, mas eu gosto de ótimo." Ele considera que a Rota da Cocaína foi a cobertura mais arriscada em que colaborou. "Cada vez em que eu entrava em uma situação de risco, eu me lembrava de Fabiana e prometia a mim mesmo que compraria um vidro de perfume de presente para ela. Trouxe mais de 20."
Nada de equipamento
Fora do trabalho, Júlio abre mão do equipamento fotográfico. "Se carregasse comigo, ficaria neurótico", avalia, revelando que não conseguiria deixar de lado a responsabilidade profissional de fotojornalista. E ele também não gosta de ser fotografado, o que contribuiu para a carreira. Quando garoto, sempre dava um jeito de ficar do outro lado da câmera, na posição de quem dispara o obturador. A preferência teve influência até mesmo nas memórias da lua de mel com Fabiana. É só a mulher que aparece nas imagens. "Fabiana olha as fotos e costuma dizer que parece ter casado viúva", brinca.
Para relaxar, Júlio gosta de ouvir música. Foi baterista. Tocava na banda do Colégio São João e, mais tarde, em parceria com amigos, foi um dos integrantes da banda Diphenyl. "Fazíamos um som tipo The Cure e Eco & The Bunnymen." Ele compara a música ao vinho, com o gosto do consumidor que se torna mais sofisticado ao longo do tempo. Hoje, é um fã de jazz e de artistas como Chet Baker, Miles Davis, Dave Brubeck, Brad Mehldau, Pat Metheny e Diane Krall. Somado ao prazer estético, as audições de jazz contribuem para aliviar tensões do cotidiano de muito trabalho e estressante, típico das redações de jornais.
E, de fato, Júlio não para um instante durante o expediente que cumpre em Zero Hora. Hoje, ele pouco sai para produzir pautas e se dedica principalmente a coordenação do trabalho da editoria. "Tenho de tomar decisões constantemente. Isto requer paciência e sensibilidade", características que Júlio demonstrou ter de sobra nas incontáveis vezes em que teve de decidir o momento certo de disparar o obturador.
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