Flávio Dutra: O jornalista reciclável

Flávio Antunes Vieira Dutra tinha, ao terminar o colégio, duas opções: ser jornalista ou arquiteto

Flávio Dutra - Reprodução

Flávio Antunes Vieira Dutra tinha, ao terminar o colégio, duas opções: ser jornalista ou arquiteto. Acreditava que ambas as profissões eram formas de se expressar. Por algum motivo, o primeiro vestibular foi para a Arquitetura. Mal sucedido, pois Dutra era incapaz de desenhar e muito menos superar a prova de desenho à carvão, então exigida no exame. Assim, no vestibular seguinte, apostou todas as fichas no Jornalismo. Passou nas universidades que ofereciam o curso na Grande Porto Alegre, PUC e Ufrgs, e teve certeza de que era essa sua verdadeira vocação.

Nascido na Capital, em 6 de janeiro de 1950, Flávio Dutra tinha mesmo aptidão para comunicação. Já aos 15 anos, publicava com um irmão e alguns colegas um jornalzinho no bairro Petrópolis, onde moravam. O 'Na onda' era uma publicação semanal, rodada em mimeógrafo, "bem precária". Mas sua experiência juvenil não pára por aí. Ainda tinha a 'Rádio Vanguarda', que consistia num microfone ligado a um amplificador, colocado estrategicamente na garagem, de forma que todos os vizinhos ouvissem as transmissões. A programação era composta de músicas (os poucos discos de The Beatles, The Platers e outros sucessos da época eram repetidos incansavelmente), entrevistas e notícias.

Ainda um ano antes de ingressar na Escola de Jornalismo da Ufrgs, Dutra trabalhava como assessor de divulgação ("o que hoje tem o nome de assessor de imprensa") da Cáritas Brasileira, entidade da Igreja Católica voltada à assistência social. A sede do órgão se localizava ao lado da de Zero Hora. "Ficava namorando aquele prédio, alguns colegas já trabalhavam lá", conta. Até que, em 1972, um desses amigos o indicou para a vaga que abriu no arquivo do jornal. O estágio ainda não era muito comum e a forma dos estudantes entrarem nos veículos era através de um setor como esse. Ele aceitou, porque havia a possibilidade de ser remanejado para a redação, o que ocorreu seis meses depois, na época das Olimpíadas de Berlim, quando a equipe de Esportes precisou de reforço.

Foram dois anos na Zero Hora, em que teve a chance, inclusive, de atuar como produtor da Rádio Gaúcha, até que recebeu uma proposta melhor da Folha da Tarde. "Na época, havia uma disputa entre as redações, o que obrigava os jornais a oferecerem sempre salários maiores para atrair os jornalistas", lembra-se. Como o trabalho na Folha era só à tarde, pôde acumular um segundo emprego, na Rádio Bandeirantes, como redator. Passado um ano, foi convidado para assumir a Coordenação de Esportes da Rádio e TV Difusora. Um pouco receoso de trabalhar em televisão, ele pediu um salário muito acima do mercado, mais que o dobro do que ganhava nos dois empregos juntos. Para sua surpresa, o pedido foi aceito. "Muitos achavam um absurdo alguém sair da Caldas Júnior, que era uma grande empresa, mas eu queria novos desafios, ser o mais multimídia possível, ainda mais ganhando bem." De qualquer forma, não demorou muito para que Dutra estivesse de volta à Caldas Júnior, somando os trabalhos. Trabalhou por dois anos apenas na Difusora, de manhã na rádio e pela tarde na TV, mas foi chamado novamente pela Folha da Tarde, agora para ser copy desk, à noite.

Tudo isso e Dutra tinha apenas 24 anos! Já tinha juntado uma boa quantia, comprado carro e outras coisas que eram "símbolos de status". Achou que todo esse trabalho não era necessário, que "não valia a pena o custo-benefício". Assim, saiu da Difusora e entrou num "período de vagabundagem", como chama. "Podia passar a tarde tomando um choppinho com amigos, porque só começava a trabalhar às 6 da tarde." Na verdade, durante a "vagabundagem", ele pôde editar o jornal do Sport Club Internacional e cobrir Esportes, como free-lancer, para a sucursal d'O Globo. Mas em 1976, as coisas mudariam. Antônio Britto havia deixado a Coordenação de Esportes da Rádio Guaíba e o diretor Armindo Antônio Ranzolin convidou Dutra para o cargo. A equipe era boa, o trabalho de qualidade e o salário compensador, mas após sete anos, ele sentia-se saturado, esgotado. Necessitava dar uma guinada na sua carreira e, mesmo sem nenhuma proposta de emprego, em 1983, pediu demissão da rádio. Em 15 dias estava trabalhando mais uma vez na Zero Hora, agora como coordenador. "Soube que alguém "vendeu" meu nome para o cargo. Foi bom, estava me sentindo defasado, precisando de uma reciclagem. Na rádio, fazia praticamente só a parte administrativa e no jornal pude voltar a atuar como repórter, ser mais jornalista."

A vida dá voltas - ainda mais para Flávio Dutra - e lá estava ele, em 1986, de novo na Guaíba. A rádio havia sofrido grandes mudanças, inclusive na direção. Foi para atuar como diretor que ele foi chamado. Ficou seis meses, nos quais houve grande coberturas, como a instalação da Constituinte. Mas Dutra teve certeza de que não era o trabalho de coordenação ou direção que lhe agradava na época. Saiu outra vez sem ter nada em vista e logo estava fazendo uns bicos no Diário do Sul e na revista Amanhã. Não demorou a surgir outra oportunidade: foi na Rádio e TV Bandeirantes, que estava passando por uma mudança de enfoque, deixando de ser tão voltada para o esporte e se abrindo mais ao jornalismo. "Topei, estava desempregado e era uma oportunidade de fazer esse jornalismo de Geral. Achava que minha carreira estava muito marcada pelo Esporte."

Na Bandeirantes foram mais seis meses. Em seguida, surgiu a chance de ser repórter especial da Zero Hora. E lá estava Dutra novamente no jornal. Era a chance perfeita para fazer o que ele queria, trabalho puramente jornalístico, de reportagem, e com atuação geral, uma nova reciclada. Mas depois de nove meses, já em 1988, Ranzolin, com quem já havia trabalhado na Guaíba, assumiu a Direção da Rádio Gaúcha e precisava de um gerente para a área de Esportes. Ele aceitou, teve momentos gloriosos, como a cobertura da Copa do Mundo de 1994, direto de Atlanta, nos Estados Unidos. "Só tinha participado das copas, até então, na retaguarda, no Brasil, administrando a viagem dos repórteres". Porém chegou à mesma situação que já havia vivido na Guaíba: depois de sete anos no emprego, não se sentia mais desafiado, precisava da tal reciclagem, que sempre procura. 

Em 1995, José Vieira da Cunha era presidente da Fundação Cultural Piratini e convidou Dutra para dirigir a FM Cultura. Ele se interessou de cara, pois seria uma nova experiência, nunca tinha trabalhado em FM, numa rádio musical e não-comercial. Em dois anos na Cultura, foi possível iniciar a digitalização da rádio e reestruturá-la. Mas no final de 1996, vagou a Direção de Programação da TVE e Vieira voltou a provocá-lo para que aceitasse o novo desafio. Resistiu de início, pois estava afastado da TV há bastante tempo, mas acabou aceitando, acumulando por um tempo as duas funções até ficar só na televisão.

"Foi um período muito fértil e criativo", mas acabou com o fim do governo de Antônio Britto. Então, Dutra voltou para a RBS e para os Esportes, dessa vez dirigindo a área na RBS TV e TV Com. "Mesmo assim, foi uma experiência nova e gratificante, pois me possibilitou contatos nacionais, via Rede Globo", avalia. Durou três anos e ele deixou, pela última vez, um veículo da RBS: "Devo ter sido o jornalista que mais entrou e saiu da RBS, umas cinco ou seis vezes. E da Caldas Júnior também." Em 1998, abriu a empresa de assessoria de imprensa Viadutra, que durou apenas alguns meses e chegou a ter dois clientes pequenos. Não foi mais longe porque foi convidado para participar da campanha de Britto para o Governo do Estado, em 2002. Foi outro aprendizado que, mesmo com o candidato fora da disputa, se seguiu no segundo turno do pleito, na coordenação de folhetagem para Germano Rigotto, que viria a se eleger.

Agora, durante o governo Rigotto, ele foi convidado por Ibsen Pinheiro, ex-secretário estadual de Comunicação, para assumir interinamente a Presidência da TVE, até a indicação de Liana Milanez, quando voltou a ser diretor de Programação da emissora. Esteve no cargo até cerca de duas semanas atrás. Com a extinção da Secretaria de Comunicação, Dutra passou a ser coordenador da Assessoria de imprensa do Palácio Piratini, posto que ocupa atualmente. A tentativa de ser um "jornalista multimídia" foi, com certeza, muito bem sucedida.

Com todo esse trabalho, Dutra ainda tem tempo de ter uma vida pessoal. Está casado com a professora Helena, que conheceu em Caxias do Sul, há 27 anos. Ele estava na cidade fazendo cobertura esportiva, por isso esclarece que desde o começo ela soube onde estava se metendo: jornalista esportivo trabalha fim de semana, feriado, de noite? Os dois têm três filhos: Flávia, 24 anos, estudante de Psicologia, Rafael, 22, cursa Educação Física, e Mariana, 17, aprovada para Relações Públicas na Ufrgs. "Ainda bem que ela passou na federal, é menos um dinheiro que eu vou dar para a Ulbra", brinca. Os mais novos vivem com ele, "mas Flávia ainda aparece para lavar roupa". 

As horas de folga, Dutra gosta de dedicar à leitura. "Leio de tudo, revista, jornal, literatura, minha mesa de cabeceira tem de quatro a cinco livros e leio todos aos pedaços." No esporte, a eleita, desde que abandonou o futebol, é a caminhada. "Joguei até uns 45 anos. Fui um "aplicado" zagueiro, para não dizer ruim." Mas a grande mania é o videocassete, ele conta que pega tantas fitas na locadora (umas seis por semana) que acaba vendo muito filme sem qualidade. "A indústria cinematográfica não consegue produzir no volume que eu consumo", conta, explicando que não vai ao cinema por pura preguiça de sair de sua casa, na Zona Sul. Ele gosta mesmo é dessa vida caseira, fazer churrasco aos domingos para a família, embora já tenha delegado a tarefa ao filho.

Algum defeito? Muita ansiedade e um pouco de impertinência. Mas compensa com uma flexibilidade absoluta: "Eu ouço as pessoas, sou bom de conversa, aprendi a desenvolver isso." Durante a trajetória apenas um pequeno arrependimento, o de nunca ter aceito a tarefa de atuar como locutor, mas nada sério, porque está ciente que a sua qualidade é fazer a retaguarda. "Achava que não levava jeito, mas era uma bobagem, podia ter encarado o desafio, ia acabar aprendendo."

Dutra não costuma fazer planos, seu projeto no momento é desempenhar bem a função que ocupa. "Quando acabar o governo ou eu precisar sair daqui por alguma razão eu arranjo outra coisa. É por isso que se faz contatos ao longo da carreira e eu já conquistei uma boa posição no mercado."

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