Clóvis Malta: O operário do texto

Apaixonado pelo conhecimento, o jornalista Clóvis Malta aprendeu desde cedo que a educação era o caminho para o futuro

Por Gabriele Afonso
A timidez e as dificuldades enfrentadas na infância e na adolescência não impediram o jornalista Clóvis Malta de alçar voo no mundo das letras. Com orgulho, o hoje editorialista da seção Opinião, no jornal Zero Hora, lembra do longo caminho que percorria até a casa de sua tia e professora. "Morávamos na zona rural e não tínhamos acesso às escolas. Minha tia ensinava adultos e crianças. Muitas vezes tinha como colegas pessoas da idade dos meus pais", recorda. Filho de agricultores, era visto pelos pais e irmãos como "uma criança estranha", já que aprendeu a ler antes mesmo de completar seis anos. A partir dos sete passou a escrever os primeiros contos, surpreendendo familiares e vizinhos, pela forma e conteúdo.
A chuva que não chegava para banhar a terra seca, e a vaca que insistia em não dar leite, eram os assuntos que o menino Clóvis abordava em suas histórias. "Era esse mundo que eu conhecia, e escrevia sobre ele com um toque literal", comenta. Criado no bairro Passo da Figueira - que na época fazia parte do município de Viamão e hoje pertence a Alvorada - em uma casa branca ao estilo colonial, ajudava os pais e irmãos na colheita e armazenamento das frutas e legumes. "Meu pai estocava melancias e melões dentro de casa até o dia que os compradores vinham recolher. Dormíamos sentindo aquele cheiro. Passei a não suportar essas frutas", brinca.
A curiosidade e a sede por conhecimento foram decisivos na escolha da profissão. Aos 15 anos, tomou coragem para começar a enviar seus textos ao principal jornal gaúcho na época, o Correio do Povo. Avisado por um leitor, já que não tinha acesso ao jornal, ficou sabendo que um de seus contos havia sido publicado. O recorte é conservado até hoje.
Em 1974 formou-se em Jornalismo na Fabico - cujo vestibular fizera graças à ajuda do dono do restaurante da faculdade, que ajudou o jovem a pagar a inscrição. Com passagens pelo Jornal do Comércio, Diário de Notícias, Folha da Manhã e Zero Hora, o jornalista se considera um operário do texto. "Mesmo sem saber os rumos que a profissão irá tomar, sei que sempre precisarão de jornalistas e bons textos. Onde precisarem de ajuda seja para escrever um email ou uma carta, lá estarei. É só me chamar."
O escritor
Jovem, integrou grupos de literatura da Ufrgs e, graças a um deles, lançou, juntamente com outros escritores e investimento próprio, o livro 'Teia: Contos'. O mesmo grupo lançou depois em São Paulo 'Vício da Palavra'. Em 1980, pela editora Codecri, foi a vez de publicar uma obra só sua. Clóvis considera o fato uma façanha, já que a editora ligada ao 'O Pasquim', um dos principais jornais da imprensa alternativa brasileira. "Não sei como consegui, acredito que por influência e apoio dos amigos", observa.
Com o ingresso na faculdade precisou se mudar para Porto Alegre - e morar em repúblicas de estudantes foi a única opção para ter o menor gasto possível. É nesse ambiente que a sua mente criativa mais funcionava, já que convivia com pessoas de vários lugares do mundo. Frequentador assíduo do extinto bar Alaska, localizado entre as ruas Osvaldo Aranha e Sarmento leite, o jornalista é citado na obra 'Esquina Maldita' de Paulo César Teixeira, lançado na última Feira do Livro.
Convicto de que a literatura necessita de dedicação, Clóvis passou a escrever com menos frequência que a sua juventude lhe permitia. "Infelizmente, não consigo fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Por isso aprecio as artes, assim como quando eu escrevia, ela me traz alívio para os males da vida", destaca. Além do dia a dia da redação, a desilusão que sofreu na tentativa de vender seus contos lhe mostrou que no Brasil viver de literatura é quase impossível.
O jornalista
As primeiras técnicas da profissão absorveu no primeiro estágio no jornal Diário de Notícias. Apesar de achar que os estudantes ficassem 'soltos', sem orientação de algum profissional, acredita que foi lá que colocou em prática todas as teorias ensinadas em sala de aula. Logo após foi para o jornal Folha da Manhã, que pertencia à Companhia Caldas Júnior e, destaca, era dirigido pelo jornalista Ruy Carlos Ostermann. Com um texto irretocável, o jornalista foi convidado por uma professora para substituí-la na Zero Hora durante a sua licença maternidade. Mesmo assustado com a proposta, aceitou e acabou trabalhando na redação durante 20 anos.
Sua primeira função na ZH era revisar os textos produzidos pelos repórteres e tratar aqueles que vinham de assessorias. "Às vezes me sentia constrangido por ter que mexer nos textos dos colegas, mas era inevitável. Antigamente o repórter nem sempre dava um bom acabamento ao texto", ressalta. Em 1984 viria o convite que o levaria a muitos lugares no mundo. A falecida jornalista Eunice Jacques o chamou para fazer parte do time da editoria de Economia. Surpreso e apreensivo, Clóvis aceitou sem pensar duas vezes: "Aprendi muito e sinto falta. O País passava por uma inflação que todos os dias bagunçava o mercado financeiro e deixava as redações enlouquecidas".
Seu texto claro e objetivo ajudou a explicar aos leitores as alquimias de todos os planos e pacotes econômicos que fizeram parte da cena brasileira nos anos 80 e 90. Para se adequar à linguagem da área, Clóvis realizou vários cursos de extensão e acompanhou palestras com aqueles que são considerados os precursores do conhecido 'economês', como Miriam Leitão e Luis Nassif. As viagens para o exterior, interior do Estado e restante do País lhe permitiram conhecer as políticas econômicas aplicadas por outros governos. Nos Estados Unidos pode conhecer o sistema da bolsa de valores de Nova York, a bolsa de mercadoria de Chicago e, em Dallas, as plantações de soja e a criação de gado. Na Coréia visitou a fábrica da Sansung, que estava sendo instalada no Brasil, mas foi no México que realizou sua maior cobertura. "O país viveu a sua pior crise em 1994, que ficou conhecida mundialmente. Foi incrível a experiência", destaca.
Além de Israel, onde esteve para conhecer projetos voltados para a agricultura, os países vizinhos do Brasil como Argentina e Uruguai estiveram em sua rota. Ao deixar a Zero Hora, em 1997, teve uma passagem relâmpago pela assessoria de imprensa do Governo do Estado. Na revista Amanhã, a convite do diretor de redação, Eugênio Esber, o jornalista passou a escrever de uma forma diferenciada, já que ainda não tinha trabalhado com texto de revista. "Foi uma enorme satisfação. O texto de revista pode ser mais trabalhado e melhor acabado. Uma das minhas melhores experiências", justifica. A volta para Zero Hora parecia inevitável. "O bom filho à casa torna", brinca, ao falar sobre os 15 anos completados na sessão Opinião.
O homem
Separado há seis anos, tem hoje em casa a companhia da filha Laís, de 19 anos. Arrepende-se de ter sido pai muito tardiamente. "Por diversas circunstâncias profissionais fui adiando a paternidade, entretanto, hoje curto muito a minha filha. Ela é a minha razão de viver", diz. Assim como o pai, Laís herdou a facilidade para escrever, mas na hora de escolher a profissão Clóvis convenceu a filha de que o Jornalismo, apesar de ser uma carreira incrível, pode ser muito instável. "Ela ponderou tudo que eu disse e optou pelo Direito, mas tenho certeza que seria uma ótima jornalista", explica.
Adepto da meditação, adotou a técnica após a separação. "Sempre fui muito espiritualizado e procuro frequentar todas as religiões desde que me façam bem. Encontrei na meditação uma forma de estar mais perto das coisas que acredito que sejam verdadeiras", relata. Fanático pela obra de Pink Floyd, acredita que cada momento da sua vida pode ser explicado com as canções da banda. O cantor irlandês Van Morrison também faz parte de seu repertório cativo. Na área da literatura, os poetas são seus maiores companheiros. "O jornalista que queira aprimorar o seu texto deve ter o hábito de ler poesia, pois a síntese é extremamente utilizada. Em poucas palavras os autores repassam muita informação", ressalta. Assim, não por acaso, entre os autores que mais admira estão Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.
Clóvis segue os princípios do budismo e acredita que as pessoas devem se desapegar do que não lhes faz bem. "Vejo colegas se fecharem em rótulos e esquecem que o que importa é a essência. Vivo numa constante mutação. Busco a simplicidade em tudo, quero ser simples e quero ser livre. Quero ter o direito de ser eu mesmo e não ser julgado", finaliza.
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