Paulo Mendes: Entre a realidade e a ficção

O editor de Geral do Correio do Povo considera o jornalismo um desafio, e a literatura uma válvula de escape

Um contador de histórias. Do pai adotivo herdou o espírito campeiro. Do pai biológico, o talento para lidar com as palavras. O jornalista Paulo Ricardo Cunha Mendes, 48 anos, fala com orgulho da atividade com a qual conseguiu reunir duas paixões - o jornalismo e a literatura. E onde relata, através da ficção, fragmentos da sua própria história. Ele é editor de Geral do Correio do Povo e, desde 2009, escreve a coluna Campereada, publicada aos domingos no caderno Correio Rural.
A ideia surgiu com a retomada da publicação dos cadernos no Correio do Povo, que eram uma marca do antigo jornal, impresso em formato standard, que teve sua publicação interrompida de 1984 a 1986. Naquele ano, a editora de Rural, Carolina Jardine, queria publicar uma coluna ficcional, para atrair os leitores do jornal dominical. A ideia inicial era que ele fizesse a estreia da Campereada e outras pessoas também escrevessem. O sucesso e a repercussão foram tamanhos que Paulo acabou sendo efetivado. "Nem tanto pela qualidade, mas pela novidade", conta, tentando explicar os bons resultados que já contam 110 textos.
Da experiência como contador de histórias, surgiu o livro Campereadas - Crônicas, contos e causos do Sul. A obra é uma seleção de 60 textos veiculados no CP, divididos em três capítulos: Infância, Lida e Memória. A publicação será lançada na Feira do Livro deste ano.
Do bolicho para a redação
Paulo Mendes nasceu em Cacequi, em 24 de dezembro de 1962. Aos três anos, foi morar em uma chácara, na cidade de Júlio de Castilhos, onde a família tinha um bolicho, "a lancheria da modernidade". O lugar tinha cancha de bocha, jogo de osso e minissinuca e reunia tropeiros, alambradores, tratoristas, todo tipo de trabalhador rural. Nessa época, estudava na cidade pela manhã e, à tarde, atendia no bolicho, fazia serviços como carroceiro e ajudava na lavoura. A convivência com o autêntico homem do campo lhe proporcionou ouvir relatos que povoam a sua memória até hoje. "Tenho a pretensão de dizer que transformei essas vivências em literatura, às vezes bem, outras nem tanto", confessa, com humildade.
Quando guri, lia muito. Aos 13, encontrou um velho livro, já sem capa, em um galpão de milho. A obra era 'Trópico de Capricórnio', de Henry Miller. Escrito em 1939, é considerado um romance semiautobiográfico (apesar das experiências contadas pelo narrador e pelo autor serem semelhantes, a obra é ficcional). "Comecei a ler e não parei mais", conta. Mesmo atarefado com as lidas do campo, admirava o trabalho dos repórteres da televisão. "Via as reportagens de guerra e achava aquilo o máximo", lembra. "Como todo jovem, tinha uma ideia idealizada do que era fazer comunicação", assume.
Foi com essa visão romântica que, aos 18 anos, o guri do interior de Júlio de Castilhos passou no vestibular para Comunicação Social na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E encarou a "cidade horrível de grande" sozinho. Foi o seu primeiro desafio. Lá, prestou o serviço militar, cursou a faculdade, trabalhou, fez amizades, conheceu a futura mulher. E acabou se formando em Jornalismo em dezembro de 1986. "Não me arrependo. É claro que a profissão é complicada, tem um mercado de trabalho difícil, mas é o que gosto de fazer", conclui.
Descobrindo a Literatura
Depois de formado, foi para Caxias do Sul, trabalhar na Editoria de Esportes do jornal O Pioneiro, ainda sob comando da família Conte. Foi um salto na carreira. "Caxias era uma cidade muito boa para trabalhar, mas fiquei deslocado, fiz poucos amigos. Então, decidi fazer um curso de pós-graduação em Porto Alegre", relata. Foi aí que o jornalista assumiu a sua segunda paixão. Em, 1989, ingressou no Mestrado em Literatura Brasileira, na Faculdade de Letras, da Ufrgs. "Felicidade total, mas tinha um problema. Como trabalhar em Caxias e estudar em Porto Alegre?".
Em seguida, Paulo Mendes foi bolsista. "Esse período foi sensacional. Só estudava e ainda era pago para isso. Tudo ia de vento em popa, quando, de repente, veio o Plano Real. Tive que parar tudo e fui procurar emprego como jornalista", diz. Assim, em outubro de 1990 começou a trabalhar no Correio do Povo como redator, na Central de Textos. Retomou o Mestrado e se formou em 1994, com uma dissertação sobre o poeta regionalista Aureliano de Figueiredo Pinto. A escolha do tema com viés campeiro não foi mero acaso. "É um assunto que conheço. Escrevendo sobre temas regionais, tenho a oportunidade de me destacar entre pessoas extremamente habilidosas e cultas", afirma.
De chefe a mestre
Na década de 1990, Paulo Mendes também foi chefe de Reportagem nas rádios Bandeirantes AM e na FM Cultura. Nesse período, o jornalista ainda fez trabalhos eventuais para revistas e jornais. Assumir cargos de chefia sempre foi um desafio a ser superado. "Trabalhava com jornalistas muito jovens e estudantes. Hoje, estão todos muito bem encaminhados profissionalmente. Sempre que nos cruzamos, eles agradecem por eu ter terminado de formá-los. É recompensador", diz. "Creio que me saí bem", conclui.
O problema com cargos de chefia é que Paulo Mendes reconhece que não tem o perfil de "chefe durão". "Sou sempre o mesmo. Um chefe amigo, com um pouco mais de responsabilidade", avalia. O tempo ensinou a respeitar, a incentivar e a orientar os colegas. Se não fosse jornalista, seria professor - de literatura, é claro. No entanto, é no dia a dia que ele acaba ensinando os mais jovens, "dando o toque final", brinca. "O pessoal chega muito jovem à redação. Estão preparados tecnicamente, mas falta muita leitura", diz. Ele confessa que relê diversas vezes a mesma obra, "buscando detalhes que passaram despercebidos", ensina.
O mesmo aprendeu com o Édison Moiano, editor de Cidades do Correio do Povo. "Ele tem uma experiência e uma memória impressionantes. Várias pessoas me ensinaram e a todas sou grato. A ele, devo a perspicácia de ver a verdade, de ler as entrelinhas", explica. "Ao longo do trabalho, a gente sempre está aprendendo e ensinando, por mais tempo que esteja na área", diz com simplicidade.
Um eterno desafio
Na redação do Correio do Povo, também trabalhou na Central de Interior e na Editoria de Polícia. Em fevereiro deste ano, com a aposentadoria do editor Luiz Schuch, assumiu a Editoria de Geral. "A saída do Schuch foi muito comovente, ele era um profissional muito querido", revela. A nova função significou um novo desafio. "É uma editoria difícil, com uma grande responsabilidade. Todas as matérias que não se encaixam nas outras editorias caem na Geral", explica, sorrindo.
Recentemente, criou a empresa Olaria da Comunicação. Assim, desenvolve trabalhos que ajudam no orçamento. "O jornalismo é um eterno desafio. Sempre há coisas novas para fazer", explica. Por outro lado, a literatura é uma produtiva válvula de escape. "Escrever me alivia", reflete. Além de redigir as Campereadas e de dedicar tempo para a divulgação do livro, Paulo Mendes escreve letras de música, com as quais participa de festivais. Seu projeto é conquistar mais tempo em sua vida para escrever e já pensa em redigir outro livro, um romance inédito. "Quero me dedicar à literatura. É difícil, mas, se eu não tentar, nunca saberei se vou conseguir", diz como quem sabe o final dessa história.
Uma vida que daria um livro
Para quem gosta de escrever e que confunde a própria história com a ficção, a vida real não poderia ser diferente. Paulo Mendes, casado com a advogada Silvana, é pai de Paula, de nove anos. Ele foi adotado aos três anos de idade por Almerinda e José Mendes, falecido quando ele tinha 18 anos. Sua mãe adotiva, hoje com 84 anos, vive na chácara em Júlio de Castilhos. "Eles me deram nome e família", emociona-se.
Já sua mãe biológica, Anália Prietto da Cunha, antes de morrer, em 2005, disse ao filho: "Tens que procurar teu pai. És a cara dele". Na internet, o jornalista Paulo Mendes encontrou o pai, Donaldson Garschagen, a quem conheceu em 2007 e com quem se relaciona até hoje. "Meu pai mora em Maricá, no Rio de Janeiro. Está aposentado, tem três filhos e dois deles são jornalistas", revela.
Donaldson Garschagen foi jornalista, tradutor aposentado pela Enciclopédia Barsa e, atualmente, é tradutor da Companhia das Letras. Autodidata, é reconhecido no mundo da literatura. É assim que Paulo Mendes reconhece a sua própria formação: a alma gaúcha, recebeu de seu pai José Mendes e a técnica, do seu pai Donaldson Garschagen. "Em Júlio de Castilhos, guri pequeno, ia à biblioteca da cidade fazer pesquisa na Barsa. Nem sabia que meu pai tinha escrito aqueles verbetes".
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