Pepe Mendina: Sem zona de conforto

Pepe Mendina garante que nunca se sentirá realizado, pois ainda precisa "capinar muito", e que não tem medo de errar

Pepe Mendina | Divulgação
Por Márcia Christofoli
Ao procurar por Felipe Câmara Mendina nas redes sociais, ninguém encontrará registro algum. Aliás, se alguém o chamar assim, é bem provável que ele sequer atenda. Pepe é como ele é conhecido por todos, um apelido recebido ainda na infância, quando o irmão mais novo, o advogado Rafael, não conseguia pronunciar seu nome. Juntou-se a isso o fato da avó paterna, Raquel, ser uruguaia e no país de origem este ser um chamamento tão comum quanto Zé, no Brasil. "Certa vez, a NET foi fazer uma instalação na minha casa e procuraram por Felipe, mas o porteiro os mandou embora duas vezes, pois dizia não ter ninguém lá com esse nome", conta, aos risos.
É bom que se diga que rir, sorrir e gargalhar são ações muitos fáceis para o publicitário de 31 anos, que estudou na Ufrgs. Quase não dá para acreditar que é filho de militar. "Fiz todas as provas para entrar no CPOR, mas, na hora de escolher em qual de seus cursos ficaria, desisti. Quando contei ao meu pai, ele ficou um mês sem falar comigo", lembra, explicando em seguida que só aceitou fazer os testes para provar que era capaz, mas sempre soube que queria Comunicação. A escolha é atribuída ao incentivo que recebia do avô paterno, Ramon, que o presenteava com muitos livros e filmes.
É dele que Pepe guarda a principal lembrança de infância, mesmo tendo convivido apenas 12 anos. A admiração permanece especialmente pela busca incessante por cultura e artes que o avô tinha. "Vou tatuar uma homenagem a ele, que será a capa do filme Amadeus, uma biografia de Mozart. Assisti ao seu lado quando tinha sete anos e, tempos depois, quando vi novamente, entendi o recado da época: eu deveria me tornar um homem tão obstinado quanto aquele personagem", conclui. O último livro recebido de Ramon foi "Histórias Extraordinárias", contos de Edgar Allan Poe, poucas semanas antes de falecer.
Decisão e desafio
Há cerca de dois meses Pepe atua como diretor de filmes na Santa Transmedia, mas, para chegar até aqui, a trajetória foi cheia de ousadia. No último semestre da faculdade, quando faltava apenas o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), percebeu que não queria trabalhar em agência. Não sem antes fazer o primeiro curso de Criação da Perestroika, quando ainda achava que seria redator. Resultado: largou tudo - a Ufrgs, a família, uma namorada, o emprego - e foi estudar em Nova Iorque. "Eu queria mais, meu foco era ser diretor de cena e, para isso, precisava estudar o assunto, pois a faculdade não me dava esse suporte. Percebi que era necessário mesclar os ensinamentos da Publicidade com o Cinema", recorda.
Decisão tomada, o próximo passo foi informar a família, que não gostou nada da ideia, e Vitor Zatti Faccioni, o então diretor da MTV, onde trabalhava. Foi chamado de louco, ouviu que poderia estudar em Porto Alegre, pois o canal custearia isso, e recebeu até uma proposta para abrir a própria produtora. Negou tudo. E foi. "Tinha certeza que não poderia começar com algo que não sabia fazer, não me achava pronto", explica.
Da MTV guarda ótimas lembranças e reconhece ter aprendido muito nos quase quatro anos lá. Começou montando matérias, produziu, editou, entrevistou, apresentou, foi realmente uma escola para quem havia iniciado a carreira fazendo teleconferências em cursos de EAD da Ufrgs. "Na MTV, exerci o lado publicitário em projetos, aprendi desde a ponta do processo até o programa ir para o ar. Isso tudo me deu uma cancha em TV, que considero um diferencial no mercado", reconhece.
Surpresas boas
Largar tudo, aos 27 anos, e ir pra Nova Iorque é considerado o maior desafio. E não apenas por ser um país diferente, com língua e cultura distintas do Brasil - essa, talvez, tenha sido a parte mais fácil. O que marcou mesmo foram os estudos, já que teve a oportunidade de realizar três cursos durante os seis meses vividos lá: direção de atores, de fotografia e de comerciais. "Foi uma experiência sensacional, pois estudei com o Bob Giraldi, que era diretor dos clipes do Michael Jackson. Além de uma produtora muito grande, ele também é dono da escola que frequentei, a SVA - School of Visual Arts", exalta.
Já na chegada ao novo país, uma surpresa. Um e-mail do assistente de Bob informava que as aulas com ele não seriam lecionadas. Pepe ficou tão incomodado que mandou um e-mail para toda escola - incluindo o dono - registrando o desconforto de ter sido avisado do cancelamento uma semana antes do início do curso e contando todo seu esforço para chegar até ali. A ousadia deu certo, pois recebeu uma resposta do próprio Bob, explicando que entendia o lado do brasileiro e que, por conta disso, reabriria a turma.
Tudo parecia perfeito, mas no primeiro dia de aula, mais uma surpresa. O horário de início não estava claro no cronograma, o que fez o publicitário chegar com uma hora de atraso e ouvir do professor tão admirado: "Não sei se é costume no Brasil se atrasar uma hora para os compromissos, mas aqui não". Tentou se explicar, mas foi interrompido. "Tu já falaste bastante no e-mail, agora é a minha vez. O que quero dizer é que, se não fosse por ti, ninguém estaria aqui hoje, então, peço que todos o cumprimentem". Para Pepe, só há uma explicação: "Por algum motivo, Bob foi com a minha cara. Chegou a me levar para conhecer sua produtora, aos sets de gravação, enfim, ganhei um padrinho e aprendi coisas que nunca conseguiria aqui", reflete.
Em busca do Oscar
De volta ao Brasil, soube que o primeiro chefe realmente montou uma produtora, onde trabalhou algum tempo. Depois disso, ainda teve passagens pela SQMA, hoje Guts and Films, e pela Cápsula. Ao chegar à Santa, o plano é começar a trabalhar mais com ações em São Paulo, já que a produtora possui operação na terra da garoa, mas sem perder os laços locais, apenas se manter pensando alto. Apesar da trajetória ousada, considera que está longe de ser um profissional realizado, aliás, nem perto disso. O que falta? Segundo ele, capinar e trabalhar muito mais. "Gosto da frase que diz "vi meus sonhos sendo mortos na zona de conforto". Isso é real. Não quero me sentir realizado nunca." É que Pepe acredita que não se pode ficar satisfeito em momento algum, caso contrário, já poderia se aposentar.
Os sonhos são muitos, mas um em especial diz ser ridículo: ganhar o primeiro Oscar do Brasil. Após algumas gargalhadas até um pouco constrangidas, explica, brincando, que deve estar mais perto de ganhar na Mega Sena, pois sequer trabalha, de fato, com cinema, e tem muita gente boa que merece ganhar, então, "é apenas um sonho de criança". Acredita também que todos os gênios da humanidade têm em comum aspectos como disciplina, acordar cedo, trabalhar muito, pesquisar, não ficar satisfeito com o resultado, ser autocrítico. "Se tem algo no qual não acredito, é em talento nato, definitivamente não. Acredito em oportunidades, possibilidades e recursos. O resto é esforço, trabalho e suor", garante.
Praticante de boxe há mais de três anos, toda vez que viaja por um longo período, procura uma academia onde possa treinar e conhecer outras técnicas, como fez em Barcelona, Berlim e Nova Iorque. Nesta última, conheceu um professor que "ensinava uma prática muito diferente do que se aprende no Brasil". Trocando uma ideia com Bob Giraldi, compartilhou o prazer que estava tendo com a experiência esportiva e ouviu uma comparação: "Vocês, brasileiros, são mais ágeis, mais criativos, têm mais ritmo. Por outro lado, falta um pouco de disciplina, esforço, pé no chão". O publicitário ressalta que esse paradoxo não é apenas em relação ao boxe, mas em culturas e características como um todo.
Sem preconceitos
Pepe é o filho mais velho do coronel da Polícia Militar, Gregório Dario Mendina, e da dona de casa Gisa Câmara Mendina, e diz ter neles - junto com o irmão Rafael - todo o apoio que precisa em tudo o que faz, mesmo que tenham sido contrários às decisões mais ousadas em um primeiro momento. Hoje, sabe que tem a admiração da família. "Do jeito dele, meu pai foi um grande incentivador da minha carreira. O gosto pela leitura também foi dele que herdei, já que me trazia um gibi da Turma da Mônica por dia, e foi assim que comecei a ler", observa.
Mesmo podendo parecer piegas, garante que o tempo livre é muitas vezes preenchido com filmagens e o que quer dizer com isso é que ama demais o que faz, o que torna o prazer em trabalhar ainda maior. Longe das câmeras, gosta de discotecar e faz questão de explicar a diferença. "Faço isso em muitas festas e são experiências muito divertidas, mas não sou DJ, pois esses caras estudam, se especializam, vivem disso, é uma profissão. Discotecar é diferente. Gosto de tocar pop e rock?n?roll e ver a pista frenética é a minha realização nesses casos."
A paixão por música, que ele considera complementar aos filmes que produz, começou quando assistiu aos filmes "Control", de Anton Corbijn, que conta a história de Ian Curtis, vocalista da Joy Divison, e "A Festa Nunca Termina", de Michael Winterbottom, que retrata o cenário do rock em Manchester, entre as décadas de 70 e 90. Foi nessa época, inclusive, que descobriu que a MTV seria perfeita para ele. Dali por diante, passou a ouvir absolutamente de tudo, desde Joy Division até MC Delano. Nesse último citado, confessa que aprendeu há pouco tempo a lidar com o preconceito musical, pois sempre achou o funk um subgênero. Hoje, o respeita como um tipo de música popular brasileira. "Aprendi a não julgar e ouvir de tudo com outro conceito", resume.
Algo sem fim
O que alguém que se alimenta de cinema assiste? Tudo. E nunca pode parar de assistir, segundo Pepe. Claro que tem suas preferências, inclusive na direção de filmes, que é o caso de Fernando Meireles, sobre quem diz unir como ninguém a Publicidade e o Cinema; ou o caso de Luís Alberto Kid, em quem se inspira desde a faculdade, quando conseguia assistir a um filme por dia. Do Oscar deste ano, por exemplo, só não viu ainda os documentários. "Não dá para ter preconceito nesse quesito também. Vejo do terror ao pastelão americano", conta. Já para ler é um pouco mais seletivo, ainda que ame o passatempo. Por muitos anos teve um escritor preferido, Nick Hornby, mas revela ter se decepcionado um pouco com as últimas produções dele. Ora, como não poderia ser diferente, o livro "Alta Fidelidade" foi seu preferido, pois admira o jeito como o autor mistura música pop com relacionamentos.
Essas inspirações renderam a Pepe um dos momentos mais marcantes do início da carreira, ainda no tempo da faculdade, quando teve que produzir um curta-metragem. O enredo era a criação de uma história, com três amigos sentados em um bar, decidindo sobre o que seria o filme, brincando com metalinguagem. Na cena, um deles sugere dar uma surra em Jorge Furtado. Ideia e roteiro aprovados, como conseguir acessar o diretor para fazê-lo topar essa gravação? "Fomos atrás dele ao final de uma palestra. Nos apresentamos e começamos a contar a ideia, caminhando ao lado dele. Quando chegamos na parte que bateríamos nele, parou no meio da rua e perguntou: Quando que a gente grava? Nossa, foi sensacional", recorda, exaltado. Ou seja, a primeira vez que produziu um curta foi dirigindo "apenas" o Jorge Furtado - a produção está no Youtube e chama-se Brainstorm Bar.
Esse misto de música, cinema, leitura, publicidade, ousadia, todos esses itens reunidos é o que define Pepe Mendina, já que o próprio diz que se autodefinir é IMPOSSÍVEL, assim mesmo, em letras garrafais, como o tom de voz na resposta quis expressar. Para ajudar, o colega e produtor executivo da Santa, Gabriel Caruccio, sentencia: "Ele é uma metamorfose ambulante. Descolado, profissional e responsável. Pepe está construindo algo que nunca vai ter fim, a escada dele não tem um destino".

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