Gustavo Motta: "Quero morrer sendo repórter"

“Repórter não é o primeiro degrau de uma profissão, é o fim em si mesmo.” A definição é de Gustavo Emílio Trindade Motta, que …

"Repórter não é o primeiro degrau de uma profissão, é o fim em si mesmo." A definição é de Gustavo Emílio Trindade Motta, que aos 20 anos se matriculou na Faculdade de Jornalismo da Unisinos, mesmo contrariando a vontade do pai, que queria vê-lo advogado, como foi o avô. Mas não poderia mesmo ser esta a vocação do rapaz, que ainda na adolescência, em Taquara, bolava programas de auditório com os amigos e escrevia crônicas para o jornal independente de um professor. Os motivos pelos quais escolheu a profissão vão além do fato de gostar de escrever e se comunicar bem. Motta, nascido em 14 de agosto de 1954, tem plena consciência de que a função do jornalista é ajudar a construir uma sociedade melhor. "Não tem sentido fazer tantas notícias só por fazer, tem que haver a busca por uma vida mais digna para a população. Não sou político, nem candidato a nada, mas o jornalismo não pode ser imparcial. E eu sou parcial, defendo a parte da maioria, de quem mais precisa, e não é demagogia." Na cara de pau Recém-chegado a Porto Alegre, aos 21 anos, Gustavo Motta era apenas um universitário à procura de emprego, que vivia numa pensão na qual, abrindo os braços, podia tocar as duas paredes paralelas. Sem dinheiro nem para abastecer seu Gordini, ele foi a pé até o Diário de Notícias, onde, na cara de pau, pediu um trabalho. E foi contratado! "Como não sabia fazer nada, me deram a editoria de Polícia, que cobri por três meses. Ainda tenho algumas fotos de bandidos da época guardadas, porque o jornal já estava fechando e não fazia mais arquivo", conta. Em seguida, seu amigo Paulo Alceu estava deixando a TV Difusora e lhe ofereceu a vaga de repórter. Aí começou sua aproximação com a política e a Assembléia Legislativa do Estado, onde sempre dava uma passadinha para ver se rendia alguma matéria. Em 1979, foi inaugurada a TV2 Guaíba e Motta foi seu primeiro repórter, função que exerceu até meados de 1987, quando passou a se dedicar apenas à política, na Rádio Guaíba. Nessa época, também criou quadros para a campanha de Pedro Simon ao Governo Estadual, ao lado de um pool de agências, área na qual voltaria a trabalhar seguidamente. Ele lembra de uma disputa de segundo turno das eleições para a Prefeitura Municipal, entre Tarso Genro e César Schirmer, em 1992. "Eu fazia a campanha do Schirmer, mas a Guaíba me escalou para ser setorista do Tarso no dia do pleito. Ele implicava muito comigo, foi o dia todo assim, mas só de brincadeira, pela situação, porque sempre houve muito respeito." No limite da ética A Rádio Guaíba foi um dos poucos veículos que não receberam queixas do PT durante as eleições, segundo Motta, que assegura não ter permitido que seu trabalho em campanhas para candidatos interferisse na sua atividade como repórter político. "Eu soube dividir bem as coisas, vivendo no limite da ética. Mas não tem muito o que inventar em política. Se um cara critica, tu tens que ouvir o outro lado e pronto. Eu ainda posso me aventurar um pouquinho e fazer uma análise, esclarecendo, contextualizando para o público." Para Motta, manter uma boa relação com todos os partidos é fundamental, pois desde que deixou a TV, passou a conciliar a Guaíba com a coordenação da Rádio da Assembléia. E é nesta casa que ele passa os seus dias, exercendo as atividades dos dois empregos. "Não preciso mais ir na Guaíba, eles respeitam meu espaço, entendem que se faço uma coluna eletrônica de política, o lugar da informação é aqui, na Assembléia Legislativa. Eu vivo isso aqui, não preciso aguardar a informação, porque eu mesmo a faço, eu a vejo", fala, gabando-se de ser o último repórter político, já que é o único setorista permanentemente lá e não depende de assessores para receber as informações. Também garante nunca ter tido uma matéria desmentida. Outro orgulho seu é de ter conhecido muitas pessoas que estão no poder antes de chegarem lá. Os casos são muitos, mas vale destacar o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 1982, Lula veio a Porto Alegre para participar de um debate na TV2 Guaíba. "O PT estava surgindo e assustava muito a direita."Após a gravação, Motta convidou o então líder sindicalista para jantar. A refeição foi feita num posto de gasolina da Avenida José de Alencar. "É emocionante ver aquele cara ter se tornado presidente. Era uma pessoa tão simples que eu até duvidava, mas ele foi obstinado e chegou lá." O jornalista conta que teve a oportunidade de entrevistar todos os presidentes da República, desde que está no mercado. A exceção é o próprio Lula, que ainda não concedeu entrevistas no Rio Grande do Sul. Medo de avião Não que seja um empecilho intransponível para um jornalista uma entrevista em outro estado, mas para Motta é. Ele, por muito tempo, não teve problemas em viajar de avião e, de repente, passou a ter. O colunista de política sofre de Síndrome do Pânico, que acredita tenha sido causada pelo estresse. Hoje, diz, a situação está sob controle. "Mas tudo bem, porque se eu não ando de avião, posso viajar para a Bahia no meu carro", fala, mostrando que não se intimida com uma aventura. A coragem, porém, foi o que não faltou para conquistar sua mulher, Jane. "Ela trabalhava na Assembléia, mas para rolar alguma coisa, tivemos que nos encontrar num lugar neutro", brinca. Este é seu terceiro casamento ("e espero que seja o último", acrescenta), e ele já tinha três filhos de relacionamentos anteriores: Rodrigo, 23 anos, estudante de Publicidade e Propaganda, Tomás, 19, que cursa Economia, e João Pedro, 12 anos. Falando em conquista, é assim que ele se refere a sua relação com os poderosos. Afinal, passaram-se governos de diversos partidos e diferentes presidentes da casa, mas Motta sempre permaneceu em seu cargo. "É que um governo você tem que ganhar como uma namorada nova e difícil, tem que conquistar", brinca. "Muitos políticos chegam, saem e quando voltam eu continuo aqui. Não sou vingativo, mas se alguém comprar briga comigo, vai receber um tratamento diferente." Política longe de casa Quando está em casa, Motta quer passar bem longe de jornalistas e de política. "Meu pai adora discutir política, mas eu tenho pavor, quero relaxar, ouvir uma música." E as escolhidas são as brasileiras, como Chico Buarque, Djavan e Caetano Veloso. Se bem que ele não está fechado a novas descobertas, como o Hip Hop, do qual admira as letras com críticas sociais, e o reggae, paixão absorvida de sua mulher. Como lazer, gosta de freqüentar o bar Oficina Etílica, na Cidade Baixa, jogar futebol, embora esteja "meio parado", dirigir e cozinhar. Sua especialidade são as comidas árabes, mas ele também costuma inventar pratos. Sua principal qualidade é também seu maior defeito: sinceridade em demasia. "Às vezes, me acham prepotente ou mal-educado, porque eu não paro para pensar, digo na lata." Mesmo assim, acredita que essa característica tenha lhe rendido mais amigos que inimigos. Apesar de ninguém gostar de ouvir críticas, também não se gosta de hipocrisia. Gustavo Motta se define como "um cara honesto, que não pisou em ninguém para chegar onde está". "E talvez, por isso, as coisas aconteçam mais devagar para mim", acrescenta. Mas não é por isso que ele, aos 49 anos, ainda atua como repórter. "É isso que eu gosto de fazer, não tem uma hierarquia que termina em diretor de jornalismo. Eu quero morrer sendo repórter."

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