Ricardo Chaves: Repórter fotográfico por excelência

Na fotografia desde os 17 anos, Ricardo Chaves poderia escrever um livro com tudo o que já vivenciou

Ele queria ser mecânico ou fotógrafo. Acabou escolhendo a segunda opção, por não ter tido oportunidade na primeira. Bizarro? Pode ser, mas é nesse tom bem-humorado que Ricardo De Leone Chaves, o famoso "Kadão", começa a relatar suas experiências profissionais. E que trajetória?! Daria para escrever um livro dos desafios superados pelo atual editor de fotografia de Zero Hora, que já rodou o mundo registrando momentos históricos. Seu pai, Hamilton Chaves, foi jornalista, mas o fato não influenciou a decisão de Kadão em seguir a carreira de fotógrafo. Como ele próprio conta, "as coisas foram acontecendo e tomaram sua devida dimensão".
Kadão realizou o curso profissionalizante da Escola Técnica Parobé, e foi lá que se interessou pela área de mecânica de automóveis. Começou a freqüentar corridas de carro, carregando uma máquina fotográfica para registrar os motores dos veículos. Aos 17 anos, na busca por um emprego, surgiu a oportunidade de trabalhar com um amigo de seu pai em um estúdio fotográfico, o "Focontexto" - onde também comprou sua primeira máquina fotográfica, Minolta SRT 101. "Eu não fazia muito este link de imprensa com fotografia. Para mim, elas eram atividades separadas", diz. Após o convívio com um dos sócios do estúdio, Assis Hofmann, que na época era editor de fotografia de Zero Hora, Kadão começou a vislumbrar o mundo do fotojornalismo.
Em 1969, se propôs então a trabalhar voluntariamente com Assis, em ZH, para adquirir experiência. "Eu queria aprender e ele não podia me pagar. Comecei a freqüentar a Zero Hora religiosamente todos os dias. Foi aí que se abriu um mundo fascinante pra mim. Ali, percebi que era essa profissão que queria seguir", conta. Depois de um ano, com a saída de Assis de ZH, Kadão acabou ficando na editoria como uma espécie de herança do editor. "O outro chefe que entrou foi deixando eu ficar, até porque eu era dedicado, fazia o que nenhum outro profissional queria fazer. Ia fazer fotos de Turfe, uma chatice, todos disparavam da pauta", relembra. Em 1971, ele já integrava o quadro de fotógrafos de ZH.
Pela estrada afora
No mesmo ano, foi convidado por Assis para voltar a trabalhar no estúdio fotográfico. Lá, ficou encarregado de fazer as fotos para sucursais de jornais como Globo e Estadão, função que, segundo ele, foi primordial para os próximos passos na carreira. Por isso, em 1972, o Jornal do Brasil contratou-o para ser o seu fotógrafo em Porto Alegre. Atuou no JB durante dois anos, quando recebeu o convite do seu "fraternal amigo" Luiz Cláudio Cunha para atuar junto às revistas da sucursal da Editora Abril como free-lancer.
"Nesse tempo, abriu-se um leque de novas perspectivas", relembra Kadão, ao contar sua trajetória de 10 anos no Grupo Abril. Logo, foi contratado como fotógrafo da Revista Veja em Porto Alegre, onde atuou por cinco anos. Já em 1981, assumiu na editoria de fotografia da sucursal da Veja no Rio de Janeiro. Após três anos, entediado do trabalho na revista e de sua passagem pela Abril, Kadão decidiu aceitar a proposta de atuar na IstoÉ, em São Paulo. "O mais gratificante nisso tudo é o fato da minha família sempre ter me acompanhado nestas mudanças. Nunca tivemos medo de desafios", ressalta.
Na IstoÉ, atuou como sub-editor de fotografia e logo, como chefe da editoria da revista durante quatro anos. "Saí de lá quando a Gazeta Mercantil se desfez do título e demitiu todo o quadro de funcionários", relembra. Porém, Kadão não ficou desempregado por pouco tempo. Em 1988, mais uma vez, o amigo Luiz Cláudio Cunha teve papel decisivo na carreira de Kadão: convidou-o para atuar na Agência Estado, em Brasília. "Foi uma época muito especial e interessante para mim. Pela situação política que estávamos passando e pelas oportunidades que tive de coberturas internacionais", destaca ele, ao lembrar das viagens dos presidentes da República que acompanhou.
Entre estas indas e vindas, sai daqui, vai pra lá, ele praticamente conheceu o mundo inteiro. Foram muitas viagens, coberturas e aventuras, todas com uma lição para tirar. Já cobriu duas Copas do Mundo, na Espanha e no México, os Jogos Olímpicos de Sidney e diversas outras viagens internacionais. "São muitas histórias, com momentos tristes e outros de glória. Cada um marcou de um jeito a minha vida ", avalia. Kadão ainda recorda com emoção da cobertura da primeira visita do Papa João Paulo II, depois de pontificado, à sua terra natal, Polônia. "Meu deus, eu me perdi do jornalista, extraviei a mala, não sabia falar uma palavra em inglês, mas no final deu tudo certo e eu até chorei quando vi o Papa", lembra ele, destacando também as vitórias obtidas em reconhecimento ao seu trabalho, como a conquista de três edições do Prêmio Abril.
Em 1991, retornou para São Paulo, a convite do jornalista Augusto Nunes, para estruturar o laboratório e fotografia do jornal Estado de S. Paulo. Depois de um ano e meio, Augusto Nunes assumiu a direção da Zero Hora e convidou alguns profissionais gaúchos para retornarem à capital. Foi então que Kadão assumiu a editoria de fotografia de ZH. "Não cogitava voltar para Porto Alegre, até pela remuneração do mercado. Mas achei bom voltar com outro nível de experiência". Hoje, comanda uma equipe de 19 fotógrafos no jornal e revela estar realizado profissionalmente, orgulhoso do amadurecimento ao longo de mais de 35 anos de carreira. "Também pudera, né, depois de tudo isso", brinca.
Pau para toda obra
Kadão fuma charuto e cachimbo há mais de três décadas. Por influência do amigo Luiz Cláudio Cunha, adquiriu os vícios na década de 70, e hoje, continuam sendo seus "companheiros indispensáveis". "Eu curto todo aquele ritual tanto do cachimbo como do charuto", afirma ele, após dar uma tragada no charuto que fumaria durante toda a entrevista. Kadão é casado com Loraine há 30 anos, com quem tem dois filhos, Letânia, 28 anos, que mora em Belo Horizonte, e Leonel, 23, que está cursando Jornalismo na Famecos (PUCRS).
Nas horas de folga, revela as multifacetas de um "pai de família": é marceneiro, mecânico, jardineiro, o que precisar. Para cuidar disso tudo, estruturou uma minioficina nos fundos da casa, onde dispõe de todo o aparato para realizar as atividades de manutenção do lar. "Eu adoro cortar grama, podar árvores, arrumar uma coisa ali e outra aqui. Eu costumo dizer que minha casa é que nem uma prefeitura, tem todos os departamentos de administração. O detalhe é que eu cuido de praticamente todos", diz Kadão, dando uma boa gargalhada.
Já a cozinha fica a cargo de Loraine e da secretária Dulce, que trabalha na casa há mais de 10 anos e já é considerada, junto com sua filha Elaine, parte da família. "A gente gosta muito de cozinhar, e principalmente de comer. Nota-se pelo volume deste cidadão que vos fala", brinca novamente. A paixão pela gastronomia é tanta, que o casal montou uma cozinha com equipamentos industriais para, segundo Kadão, "fazer jus aos 130 quilos". O programa preferido é reunir amigos, familiares, fazer um "bom churrasco" e jogar conversa fora. "Adoro receber gente aqui em casa, daí jantamos e depois vamos noite adentro conversando. É uma maravilha", diz.
iagens e passeios também estão na programação dos finais de semana de Kadão. O refúgio é sempre o litoral: seja inverno ou verão, a família ruma para a praia de Remanso, onde tem uma casa. Prova do talento em mecânica é um Renault Gordini, de 1961, coberto por um pano em sua garagem, como se fosse uma obra-prima. Todo trabalho de restauração do carro, inclusive a parte do motor, foi realizada pelo próprio Kadão durante sete anos. "Antes de ser fotógrafo, eu queria ser mecânico. Talvez isto explique por que gosto tanto de mexer em carros. Dedicava todo meu tempo livre para arrumar o Gordini", diz orgulhoso ao mostrar a relíquia.
Este sonho ele já realizou; o próximo, será o de reunir todas as experiências de mais 35 anos de fotografia em um livro. Será? "Às vezes acho que é loucura, mas penso muito nisso. Não seria um livro só de fotografias. A idéia é contar as peripécias de um fotógrafo de imprensa brasileiro", revela o simpático Kadão.

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