Ronaldo Bernardi: Tudo por uma imagem 

Repórter fotográfico em Zero Hora, Ronaldo Bernardi conta como se encantou pelo Jornalismo e descobriu a profissão à qual se dedica há 30 anos

Ronaldo Bernardi | Crédito: Ricardo Duarte/Zero Hora
Ele defende a independência do repórter fotográfico, rejeita a ideia de sentir medo e garante que é capaz de ir onde for preciso para conseguir a imagem desejada. Repórter fotográfico há cerca de 30 anos, Ronaldo Bernardi assumiu para si a missão de denunciar fraudes e outras irregularidades, um trabalho que já lhe rendeu diversas premiações, entre elas, ARI, Vladimir Herzog e Esso, conquistado com a foto ?Guerra na praça da Matriz?. Os troféus são um reconhecimento ao trabalho, não o motor de seu trabalho. O que o move, segundo ele, é a busca pela notícia:  "Minha vida sempre foi uma aventura. Onde tiver ação, adrenalina, eu estou dentro".
Ronaldo começou a vida profissional aos 12 anos, trabalhando como office boy junto à área administrativa do Grupo RBS e ao fundador da empresa, Maurício Sirotsky Sobrinho. "O doutor Maurício tinha uma maneira muito especial de falar e dar atenção às pessoas. Dele recebi bons conselhos. A gente falava sobre a vida e ele dizia que queria me preparar para ser um executivo", relata. Os planos do empresário, no entanto, mudaram quando os ruídos das máquinas Olivetti e a movimentação da redação começaram a chamar a atenção do menino.
Certo dia, contrariando a orientação de Maurício, que o queria na administração, entrou na redação de Zero Hora. "Na primeira descida, fui picado, o vírus do jornalismo me pegou", narra. Cada vez mais interessado pela área, após algum tempo decidiu fazer um pedido para entrar para o jornal. "Disse que fui teimoso, desobedeci e desci para a redação. E aquilo me contagiou." Foi assim que passou a integrar a equipe do veículo, como auxiliar de redação.
A curiosidade logo o levou para a fotografia, também como auxiliar, e, em seguida, para o laboratório. Do trabalho na sala escura, ganhou a oportunidade de ir para o turno da madrugada, onde começavam os repórteres fotográficos. Desde o início na função, deixou claro que não se deteria ao trabalho na redação. "Lugar de repórter é na rua e é lá que eu vou estar", enfatiza. Logo na primeira semana, teve fotos publicadas em duas capas do jornal. O desempenho fez com que o período no turno da madrugada, que geralmente durava cerca de dois anos para os novos fotojornalistas, se encerrasse em seis meses, com a ida para a equipe diurna.
De todas as formas
Buracos de rua, enchentes a reportagens investigativas. Todas as pautas recebem a mesma dedicação do repórter fotográfico. "Tem colegas que acham que buraco de rua não é notícia, não vale a pena. Vale sim, tudo depende da forma como você vai abordar aquilo. Um buraco de rua pode parar um comunidade inteira." Recorda que na infância a profissão de policial o atraía e, hoje, considera que exerce um pouco da função, porém, dentro do jornalismo. "Muita gente já ajudei a colocar na cadeia, fazendo matérias investigativas", afirma, ao lembrar trabalhos ao lado de colegas como Humberto Trezzi, Nilson Mariano e Carlos Wagner, a quem define como seu professor de Jornalismo.
Já passou 252 horas em cima de um telhado por uma reportagem realizada com os colegas Francisco Amorim e Humberto Trezzi, que denunciou o furto de peças de carros apreendidos pelo Detran, dentro de depósito do órgão estadual. Junto de Giovani Grizotti, revelou que políticos usavam artifícios para faturar com dinheiro público com viagens, em matéria intitulada como ?Farra das diárias?. "Na profissão de repórter fotográfico investigativo, dou minha contribuição, ajudando a desmascarar muita sacanagem que tem por aí. Essa matéria teve uma adrenalina muito legal, porque a gente estava todo o tempo ao lado deles, vendo eles, ouvindo eles e eles não sabiam quem a gente era", recorda.
Uma de suas reportagens mais lembradas ficou conhecida como o ?Caso do homem errado?. Aconteceu em 1987 quando um supermercado em Porto Alegre foi assaltado e um operário, que acompanhava a movimentação no local, foi detido pela polícia como sendo um dos bandidos. Ronaldo fotografou os policiais levando o operário negro para dentro da viatura, consciente e com apenas um ferimento no nariz. Horas depois, registrou os agentes apresentarem o mesmo homem morto, com ferimentos a balas. A sequência de imagens, além de provocar polêmica entre as autoridades de segurança, foi utilizada no processo que inocentou a vítima e responsabilizou policiais pela morte.
Outro caso marcante ocorreu durante um plantão em uma madrugada de 1998. Assim que chegou à redação do jornal, foi informado pela telefonista sobre ligações recebidas de mulheres que reclamavam a ausência de médicos para atendimento a pacientes do SUS no Hospital Fêmina, onde gestantes estavam prestes a dar à luz. Decidiu abraçar a pauta e, no local, fez fotos, ouviu os relatos de mulheres e cobrou explicações para a falta de assistência médica. Uma das gestantes estava desesperada, em estágio avançado do trabalho de parto. "Disse a ela: no que depender de mim, tu vai ter o teu bebê. Eu vou te ajudar", conta. Junto de outra mulher, ajudou a mãe a ter o filho no saguão do hospital. Com a falta de panos cirúrgicos, foram utilizadas bandeiras, que fizeram o caso conhecido como ?parto das bandeiras?.
Com os seus
Da infância, guarda o carinho e a atenção recebidos do pai, homem rígido com a educação e responsável por transmitir ensinamentos que carrega até hoje. "Meu pai cresceu talhado pela vida. Ele perdeu o pai aos sete anos, sofreu muito na vida, se tornou funcionário público federal, e me ensinou muita coisa. Com ele, aprendi a não ter medo de nada e a respeitar a natureza e as pessoas", relata, ao definir a figura paterna como "um grande guerreiro". Apesar de ter os pais, Maria do Carmo e Nilo Bernardi, já falecidos, diz que ainda se sente muito próximo deles. "Rezo por eles sempre e tem dias que o sinto tão próximo, que até consigo sentir o perfume."
A carreira no jornalismo também rendeu uma família. Em uma cobertura no Litoral, conheceu a esposa, Karla Pinheiro Machado, e do relacionamento nasceu Juliana, hoje com 17 anos. A ela, busca transmitir muitos dos valores recebidos dos pais. "Juliana é estudiosa, carinhosa, dedicadíssima aos estudos. É uma pessoa que só me dá alegrias", afirma. Nas conversas, pai e filha costumam falar sobre a vida, as pessoas, as coisas do mundo e também as diversas possibilidades profissionais. "Digo: segue o que quiser fazer. Sem pressões."
Aos 52 anos, desperta cedo, às 4h30, e gosta de se preparar para exercer a profissão. Com Adilson Porto Alegre, ex-chefe de reportagem de Zero Hora, diz ter aprendido a importância de ouvir rádio e ler muito para exercer o Jornalismo. "Acho que rádio é fundamental, não tem mecanismo mais veloz", ressalta, ao contar que levanta já escutando a Rádio Gaúcha. Para estar pronto para correr, pular, rastejar, corre diariamente seis quilômetros e dedica duas horas à musculação. Preparo físico que também é necessário para suportar os cerca de 40 quilos de equipamento que leva consigo no dia a dia. "Faz parte do meu corpo. Se tirar alguma pecinha, parece que está faltando alguma coisa."
No lazer, gosta de aproveitar um tradicional churrasco ao lado dos amigos e familiares. Também aprecia atividades náuticas, como o mergulho e outras aventuras no mar. Para ouvir, aprecia de U2 a Paula Fernandes e músicas gauchescas. Ação e aventura também são preferências na hora de escolher os filmes para assistir, assim como os documentários de canais como National Geographic e Mundo Animal.
Pelo Jornalismo
De religião espírita, conta que reza todos os dias antes de ir para o trabalho, que, aliás, por mais de uma vez já o colocou em episódios difíceis. Diz que consegue identificar quando os momentos finais se aproximam e uma ocasião destas aconteceu após a chacina de 1993 na favela Vigário Geral, no Rio de Janeiro. Designado para a cobertura junto com  Humberto Trezzi, os dois decidiram ir atrás de uma entrevista com o chefe do tráfico local e, em uma das tentativas, se depararam com dezenas de homens armados. Ronaldo ia fazer uma foto quando sentiu o cano da metralhadora contra sua cabeça.
Cercados, foram reconhecidos e liberados por um dos traficantes, com o qual já haviam conversado, e completaram a pauta com um furo de reportagem. Passados alguns meses, retornaram ao local. Ronaldo tinha se comprometido a enviar fotos que fizera na passagem anterior por Vigário. Novamente, foram cercados e ameaçados. Enquanto diziam que eram repórteres, ouviam: "Se tu não for jornalista, tu vai pra vala". A questão foi esclarecida apenas depois de confirmado que a identidade profissional dos repórteres.
Apesar das situações de risco já enfrentadas nas mais de três décadas de carreira, orgulha-se do trabalho e, ao falar sobre o futuro, não hesita em afirmar que quer continuar fazendo jornalismo. Para ele, curiosidade, humildade, vontade de fazer e um certo "atrevimento" são essenciais para o bom repórter. Assim fica mais fácil enfrentar intempéries que possam surgir. "Se tiver que entrar com água até o pescoço para fazer uma foto, é lá que eu vou estar. Comigo não tem pedras no caminho."

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