Sérgio Gonzalez: A memória da propaganda

Ele é um homem das artes. Começou sua carreira escrevendo sobre cinema e se aventurou pelos quadrinhos. Embora paulista, é um dos precursores da publicidade no Estado.

Sérgio Osny Castanho Gonzalez está na faixa de idade de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque e se sente "muito bem e feliz, tendo esses companheiros de geração maravilhosos". Ele nasceu no final da Segunda Guerra, em Bebedouro, interior de São Paulo, mas só viveu lá no seu primeiro ano de vida. Isso porque seu pai, o jornalista Demósthenes Gonzalez, pertencia ao Partido Comunista e chegou a ser preso político. "Essa mobilização do meu pai me fez conhecer alguns lugares interessantes", conta. Sua família morou no Rio de Janeiro e depois em Petrópolis. Aos 14 anos, retornou ao interior paulista, para São José do Rio Preto. "Ainda era uma cidade média, mas tinha um dos melhores jornais da região, A Notícia, no qual iniciei minha vida profissional, com 15 anos de idade", recorda. Ainda não havia cursos de Jornalismo e como Sérgio tinha facilidade para escrever e sempre gostara de cinema, começou a tratar do assunto. Apesar de só deixar a redação às 2h da madrugada, seus pais não se importavam, pois era comum estudar e trabalhar desde jovem: "Era bem mais fácil, convenhamos. Não havia opções para os adolescentes, a televisão estava recém no início, não existiam shopping centers, moda jovem? Era uma vida mais simples".

Além de escrever, Sérgio gostava de ler e tem até hoje o primeiro livro que comprou, aos 14 anos: Através do tempo e do espaço, do astrônomo James Jeans, um livro de divulgação científica. "O culto ao livro me acompanha há muito tempo", diz. "Hoje, as coisas dos jovens são muito descartáveis, não é culpa deles, o mundo se tornou assim", pondera. Quando era jovem, o que Sérgio queria era ser desenhista de histórias em quadrinhos. Aos 16 anos, seu pai teve que se mudar novamente, dessa vez, para a cidade de São Paulo. Teve que deixar seus amigos da adolescência e parar de estudar, mas começou a fazer o que queria: era desenhista-assistente na editora La Selva, que publicava quadrinhos criados por brasileiros. Em pouco tempo, seu pai vem para Porto Alegre, a convite dos Diários Associados. Sérgio ficou morando com um tio. Imaginava que o Rio Grande do Sul fosse uma terra onde as pessoas andavam a cavalo no meio das cidades, davam tiros, e não queria vir. "As comunicações eram precárias, mas recebíamos a Revista do Globo e o Correio do Povo, então, depois de um seis meses, resolvi vir", explica.

Foi em Porto Alegre que Sérgio voltou a estudar e começou a trabalhar em propaganda. Não havia "publicitários" até então, a profissão não tinha status e quem trabalhava na área, geralmente, tinha outra colocação no mercado. "Os redatores, por exemplo, eram escritores, advogados, jornalistas", lembra. Seu primeiro anúncio foi para a Casa das Blusas, na agência Minuano, de João Firme. "Fiz sozinho, desenho e redação. E era um trabalho artesanal, tudo na caneta, nem letra-sete usávamos", conta. Paralelamente, continuava fazendo algumas tiras em quadrinhos, que eram publicadas pelo Diário de Notícias. Até que, em 1965, a ainda J. Walter Thompson (hoje, JWT) abriu uma filial em Porto Alegre e Sérgio enviou seus trabalhos para apreciação. Foi contratado, aos 21 anos, como diretor de arte na filial de São Paulo e não precisou perder seu vínculo com a capital gaúcha.

Nesse período, fez dupla com Sérgio Graziotti e conheceu Eric Charles Nice, que considera um "mestre". O diretor de criação era um típico inglês, fumava cachimbo, tomava o chá das 5h e um whisky depois das 6h. "Era um cara fantástico. Muitas gerações de publicitários aprenderam com ele". Foram quase três anos na agência, quando pôde atender a contas como tratores Ford, Walitta e Alpagartas. Enquanto esteve em São Paulo, cursou Comunicação e Artes Visuais na FAAP. Outras faculdades nas quais ingressou, mas que não chegou a concluir, foram as de Artes Plásticas, na Escola de Belas Artes da Ufrgs, e Psicologia, na PUCRS.

Voltou para Porto Alegre, porque surgiram boas oportunidades de trabalho em agências gaúchas. Veio para a Norton como diretor de criação, uma designação que ainda não existia no mercado local. "Portanto, posso me orgulhar de ter sido o primeiro diretor de criação no Rio Grande do Sul", diz. A Norton, assim como acontecia com a Thompson, era uma filial, o que o permitia manter o vínculo do publicitário entre Porto Alegre e São Paulo. Foram seis anos nessa agência, na qual também atuou como diretor de planejamento, até que, em 1973, foi convidado para atuar na MPM, pelo diretor de criação, J.A. Moraes de Oliveira, pois seu trabalho era bem reconhecido, tendo levado muitos prêmios em Salões da Propaganda. Na MPM, não havia a cultura de trabalhar em duplas e Sérgio acredita que deve ter uma integração entre o pessoal de arte (os então layout men) e o de criação: "Até porque nossos redatores eram Luis Fernando Verissimo, Hiron Goidanich, João Carlos Pacheco, José Onofre, Maria de Lurdes Ribeiro, enfim, monstros sagrados e que não eram publicitários". Assim, formaram-se as duplas na MPM.

Foram 21 anos de atuação na agência - "que chegou a ser uma das maiores e melhores do Brasil", orgulha-se -, período em que teve a oportunidade de atuar com quem considera um "ícone da propaganda", Antônio Mafuz. A agência tinha contas como Governo do Estado, Banrisul, Ipiranga, Lojas Renner, J.H. Santos, Azaléia e Lee. Em 1994, foi vendida para a multinacional Lintas. Enquanto atou na MPM, também deu aulas nas faculdades de Comunicação Social e de Economia da PUCRS e na de Filosofia da UFPel. Em 1976, criou o Clube de Criação de Porto Alegre e foi ainda presidente da ARP (Associação Riograndense de Propaganda) por três gestões.

Com a venda da MPM, Sérgio foi para a Quality, como diretor de planejamento, função que também chegara a exercer na antiga agência. Atuou lá por sete anos e, ainda hoje, realiza trabalhos para a Quality, porém sem vínculos com a empresa. Também atende a outros clientes, como Assembléia Legislativa, Copesul e agências paulistas, de forma independente, prestando trabalhos na área de planejamento e licitações. Ao longo de sua carreira, também trabalhou em campanhas eleitorais. Pela própria atuação do pai, o publicitário sempre teve forte envolvimento com a política, desde o colégio, em grêmios estudantis. Seu grande ídolo foi Leonel de Moura Brizola e chegou a ser filiado ao PDT. No governo de Alceu Collares, atuou como diretor-artístico da TVE.

"O que considero mais importante nessa minha trajetória profissional é que nunca deixei de ter uma visão crítica da propaganda. Isso se aprende convivendo com algumas pessoas, como o Júlio Ribeiro, da Talent, que disse uma vez que ?nós somos o braço armado do capitalismo?. O publicitário tem que sair um pouco do seu mercado. Olhamos demais para o próprio umbigo, mas temos que criar as coisas para os outros. Washington Olivetto também tem uma frase boa: ?Publicitário tem que andar de ônibus e ler Capricho'", explica.

Essa importância social da propaganda o levou a ter uma participação ativa na organização do Fórum Social de Comunicação e do Festival Mundial de Publicidade de Gramado, através da Alap (Associação Latino-Americana de Propaganda), que nesta última edição teve o tema Verdade ou Conseqüência. "Tive a oportunidade de conhecer melhor o Alberto Freitas, que foi presidente do evento neste ano, e ele compartilha comigo a opinião de que o festival precisa deixar um pouco de lado essa história de propaganda apenas como negócio e entrar na área da responsabilidade social. Até porque vivemos uma época em que a publicidade vem sendo muito criticada", avalia. "Os publicitários não querem olhar para os próprios problemas. Por isso, surgiu a questão: ?Como atrair inscrições falando em ética??. O objetivo do público do evento não é fazer autocrítica, mas ver as celebridades, ganhar prêmios. Eles não seriam sensíveis a esse tema. Então, vimos que não seria bem como imaginamos, tanto que a palestra de abertura foi do Roberto Justus, que é a antítese do que queríamos", brinca.

A crítica que faz à publicidade também se aplica à maneira como a atividade é apresentada no cinema, especialmente o norte-americano. Sérgio acredita que nos filmes os publicitários não são mostrados de forma digna, mas como pessoas arrogantes, vazias e até tristes por conta disso. Mas ele adora cinema, que considera a "síntese das artes". Entre os filmes que mais gosta, estão Bird (bem como todos os demais filmes de Clint Eastwood), 2001 - Uma Odisséia no Espaço, Verão de 42, A Última Sessão de Cinema e O Professor Aloprado (o do Jerry Lewis). Também continua gostando muito de ler, mas não aprecia tanto literatura, embora conte que, antigamente, tenha lido os grandes clássicos e que um de seus livros preferidos é O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger. Ele gosta de ler livros que falem "das coisas do mundo e da vida". Em música, gosta de seus "colegas de geração", rock nacional, jazz e ópera.

A comunicação, acredita o publicitário, está no sangue de sua família. "Tenho uma filha de 17 anos, a Mariana, que vai prestar vestibular, possivelmente para Jornalismo, seguindo uma espécie de genética. Eu comecei como jornalista, meu pai, meu tio e um primo também eram jornalistas", relembra. Ele tem ainda Juliana, 22, que cursa Fisioterapia na PUCRS. Ambas são frutos de seu casamento com Suely. Sérgio já praticou boxe e judô, mas, hoje, sua vida esportiva se limita a acompanhar o futebol. O que não é pouco já que torce para três times: Palmeiras, Grêmio e Botafogo, nessa ordem. Um de cada estado em que viveu. É um homem democrático.

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