João Aveline: Um comunista por conta própria

“Eu não sabia fazer nada, então fui fazer jornalismo”, explica modestamente João Baptista Aveline ao falar de seu início de carreira. Era um jovem …

"Eu não sabia fazer nada, então fui fazer jornalismo", explica modestamente João Baptista Aveline ao falar de seu início de carreira. Era um jovem porto-alegrense de 22 anos quando se filiou ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), em 1943, e, segundo conta, foi por não saber fazer mais nada que, três anos depois, estava trabalhando no jornal do partido, a Tribuna Gaúcha. Certamente, uma boa escolha para alguém que se dizia tão inapto. "A prática reforçou a vocação", ele mesmo diria mais tarde. Atuou no veículo durante 10 anos e se tornou um grande profissional, respeitado por todos os colegas. Paulo Sant'Ana, por exemplo, registrou no prefácio de um livro que "ele era com certeza a figura mais rica e pitoresca da redação, uma espécie de farol para os jovens e um espelho para os maduros". Aveline lembra que essa sua entrada na profissão foi bem diferente do usual na época. Não sendo obrigatório o diploma universitário, o interessado ia bater nas portas das redações pedindo emprego, até que ganhasse a chance de fazer um teste. Se aprovado, era admitido e começava a trabalhar na editoria de Polícia. Aveline passou longe desse setor, mas pôde atuar em todas as áreas de um jornal. Na Tribuna, foi até jornaleiro! Embora a publicação diária fosse legal, sofria grande perseguição policial e as bancas eram proibidas de vendê-la. O partido optou por colocar seus jornalistas nas ruas, aos domingos, vendendo a edição do dia, para que eles tivessem contato com os leitores e fizessem um debate público sobre o jornal. Em 1956, a Tribuna foi fechada e Aveline foi ser noticiarista da Rádio Itaí. Atuou também no Correio do Povo, na condição de "carancho" (era revisor, mas só trabalhava quando o titular faltava) e como redator da Sotel, uma das primeiras agências de propaganda do Estado. Trabalhava lá quando foi apresentado a Maurício Sirotsky Sobrinho e convidado para ser diretor do departamento de notícias da Rádio Gaúcha. Em 1959, concomitantemente às atividades da emissora, passou a integrar a equipe da edição gaúcha de Última Hora, do jornalista Samuel Wainer. Aveline o ajudou na fundação do jornal e se tornou chefe de reportagem. Porém, com o golpe militar de 1964, a publicação foi fechada e ele ficou desempregado. Clandestino em Porto Alegre Naqueles tempos conturbados, ninguém se arriscaria a admitir um comunista e Aveline nunca escondera sua condição: "Não chegava dizendo que era do Partidão, mas ia dando a entender que tinha posições de esquerda. Sempre achei que os patrões se assustariam mais se descobrissem de repente." Estava, portanto, visado e se forçou a um período de isolamento. Só se arriscava a sair à noite, para participar de reuniões do PCB. Seu sustento foi garantido pela categoria. Comunistas ou não, os jornalistas que o conheciam fizeram uma "vaquinha" e mandavam a quantia obtida todos os meses, enquanto Aveline não pudesse trabalhar. Hoje, Aveline assegura que nunca utilizou nenhum veículo no qual tenha trabalhado para fazer proselitismo político, já que "estava consciente de que o jornal não era meu e que não tinha esse direito e também porque a sociedade não teria a mesma arma para rebater ou concordar com minhas idéias". O mesmo vale para sua atuação nas entidades de classe. Participou ativamente do Sindicato dos Jornalistas no Estado e da ARI (Associação Riograndense de Imprensa), sem deixar que suas convicções ideológicas se misturassem com as causas da categoria. Apesar disso, não nega que dava preferência às notícias mais progressistas, de caráter social. Passou seis meses escondido em plena Porto Alegre, então achou que as coisas já estavam mais tranqüilas e voltou ao trabalho. Foi aceito na revista A Granja. Sua função, junto a Nilson Guimarães, era "amaciar" os textos de agrônomos e veterinários, para que não ficassem tão técnicos. Em cinco anos na publicação, também foi diagramador e editor-chefe. Essa experiência lhe rendeu a volta ao Grupo RBS. Em 1971, Zero Hora estava introduzindo o sistema, que poucas pessoas sabiam utilizar, mas já era usado em A Granja. Foi assim que, depois de passar um ano na Rádio Difusora, Aveline foi convidado para ser secretário-gráfico do jornal, no qual trabalharia durante 25 anos. Nesse período foi chefe de reportagem, de copydesk e do departamento de pesquisa, editor, secretário de redação e, em 1996, era novamente secretário-gráfico. Longe de partidos A experiência e o cargo causaram sua demissão. Na época estava sendo implantada a diagramação eletrônica e o setor de offset foi desfeito. Aveline, que já era aposentado pelo INSS, ficou mais uma vez desempregado. E não se empregou mais. Optou por trabalhar em casa, fazendo free-lances, que "apesar de pagarem mal, pagam". Mas sua principal atividade atualmente é dar palestras. Agora em 2004, quando estão sendo lembrados os 40 anos do golpe militar e os 50 do suicídio de Getúlio Vargas, o trabalho foi reforçado. A atuação no Partidão acabou. Aveline, que chegou a participar da transformação do PCB em PPS (Partido Popular Socialista), em 1992, se desiludiu com o novo partido, "que deveria ser um herdeiro das tradições e história do Partidão, o que não aconteceu". Hoje em dia, é um "comunista por conta própria ", que milita independente de partido, fazendo parte, inclusive, de um comitê suprapartidário de apoio ao candidato Raul Pont. Sozinho na multidão Viúvo, Aveline ficou casado durante 52 anos com Asdilla, com quem teve quatro filhos: Luís Carlos, Maria Helena, Álvaro e José. Este herdou a profissão do pai, é jornalista e dono da revista Gol. Para ele, os casais jovens duram pouco tempo juntos, porque enjoam um do outro, se saturam sexualmente, separam-se e vão buscar novas experiências, seguir suas vidas. "Eu dediquei longos períodos à militância política e à atividade profissional e quem cuidou da família foi Asdilla", relembra. Quando ela morreu, o jornalista fez uma participação na imprensa, na qual se revelou, em muitos momentos, um pai ausente e extremamente grato à mulher, que assumiu, conscientemente, a condição de pai e mãe dos filhos: "Se pudéssemos fazer a contabilidade, eu deveria muito mais a ela do que ela a mim. Foi essa a nossa vivência." Ele vive sozinho, mas admite que isso só é bom quando é uma iniciativa própria. "Quando é uma iniciativa das circunstâncias e temos que viver sós permanentemente não é bom. Eu não me sinto bem e não é apenas quando estou sozinho. Às vezes, estou na rua, no meio da multidão e me sinto só", desabafa. Mas opções de companhia não faltam. Os domingos são sempre passados com pelo menos um dos três filhos que vivem na Capital. Um mora no Rio de Janeiro e o pai vai visitá-lo todos os anos. E duas ou três vezes por semana recebe uma empregada doméstica. Não mais do que isso, porque gosta de preservar sua intimidade e privacidade, pois "se sozinho não é bom, viver com estranhos também não é". Gosta de viver em meio à bagunça ("jornalista bem organizado geralmente é um burocrata"), mas segue uma rotina diária. Acorda por volta das 7h, toma seu café da manhã e vai caminhar - por recomendação médica -, na rua ou na esteira que tem em seu escritório. Depois do almoço, costuma dar uma cochilada, antes de trabalhar em alguma coisa. E à noite, depois de ver um pouco de TV, vai para o computador. Velho sim, mas sem-vergonha não Aveline se identifica com uma frase de Luis Fernando Verissimo sobre Barbosa Lima Sobrinho: "Ele é a prova mais evidente de que não é obrigatório que o sujeito, conforme fica velho, vá ficando sem-vergonha." O jornalista acha que a definição serve também para ele e ressalta a admiração pelo colega, que morreu aos 102 anos "em pleno vigor da sua elaboração mental e consciência patriótica". Era um de seus ídolos, por ser "um cara honrado, que não era comunista, mas era um democrata". Apesar de ainda estar longe dos 102, Aveline acha que "um cara de 85 anos não pode fazer muitos planos", mas pretende "firmar contrato com uma empresa funerária para ser cremado quando morrer, que é melhor do que ficar numa gaveta ocupando espaço." Ainda assim, está iniciando um novo livro, sobre os motivos que levaram o Partidão a não optar pela luta armada. Individualmente, já editou 'Macaco preso para interrogatório: Retrato de uma época' e, em parcerias, outros dois, sendo que mais um deverá ser lançado em breve pela Literalis.

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