Enio Lindenbaum: Um homem de propósito

Ao longo de seus 64 anos, o publicitário buscou honrar os valores deixados pelo avô materno Artur Wainer

Enio Lindenbaum

Por Cinthia Dias

"Tudo começou quando eu nasci." Apesar de parecer óbvia, esta afirmação não diz respeito à origem da vida em si, mas ao contato de Enio Lindenbaum com a Comunicação. Natural do Rio de Janeiro, veio de uma família inserida no meio e que detinha a direção do extinto jornal A Última Hora, fundado pelo tio Samuel Wainer. Mesmo com isso, o parente não é sua maior referência profissional.

Nos primeiros minutos de entrevista, demonstra a admiração pela figura do avô materno, que vai muito além do cargo de diretor Comercial que ocupava no impresso carioca. "Sou neto de Artur Wainer, que fundou 22 bibliotecas e quatro colégios", conta, ao explicar que esta é a diferença entre ter e ser, um traço que acredita ser proveniente dos judeus. "Porque nós temos uma visão coletiva da vida, de enxergá-la através do outro. Existo porque o outro existe", completa. Ao recordar a memória do avô, declara que sua construção como pessoa e profissional se deve totalmente a ele.

O destino da família mudou com a chegada da ditadura militar, em 1964. Reunidos, decidiram o futuro de A Última Hora, já prevendo possíveis intervenções do governo por defender a democracia e a liberdade de expressão. O grupo optou, então, por dar seguimento à luta, ainda que isso custasse às próximas gerações perder o empreendimento. "Nós não teríamos o jornal, ou seja, não seríamos herdeiros dele, e, sim, de um sobrenome. Eu tento honrar essa conduta."

Voos para fora da gaiola

Era 1985 quando o jornalista e publicitário Laerte Martins, em uma conversa informal, disse a ele que sua produtora, a Sabiá, e de outros três sócios, Jorge Polydoro, Günther Staub e Valdir Loeff, não decolava. Interessado na empresa, Enio a comprou. Pouco tempo antes da assinatura dos papéis, Günther - por quem carrega grande admiração profissional - o procurou para dizer que não venderia, pois o Grupo RBS estava investindo US$ 1 milhão em recursos para montar uma produtora de vídeo. Sem medo, disse que estava apostando em um modelo de negócios diferente e ousado. No dia em que acertaram a venda, quando todos os sócios participaram, mandou confeccionar camisetas e espalhar 20 outdoors com a frase 'Quem não tem talento, mostra equipamento'.

Com ousadia, fez da Sabiá uma referência em produção de qualidade com custo compatível. "A propaganda alavancou a produtora." Após surgir o primeiro job, o trabalho de renovação, que afirma ter feito, resultou em grandes marcas, como a Enxuta, confiarem suas contas à empresa. "A gente não se mixou." A organização, com o tempo, passou a ter um núcleo responsável pelos vídeos empresariais e outro para atender às demandas políticas. Ao todo, participou de mais de 25 campanhas eleitorais entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O crescimento foi tanto que chegou em São Paulo, apoiado pela GTMC, ligada ao Grupo Sales.

São destacados o comercial para Tintas Renner, inspirado em um filme de Martin Scorsese, e a campanha vitoriosa de Germano Rigotto ao governo gaúcho em 2002. Esta última ficou conhecida pelo uso de corações e da canção 'Vem para fazer mais. Vem, traz a paixão'. "Na área de Política, éramos low-profile, ou seja, discretos. Fazíamos, mas não ficávamos nos vendendo, tipo outros colegas", alfineta, aos risos, lembrando a importância da figura do amigo André Forster, já falecido, no segmento.

Sem entrar em detalhes, informa que, após um período de perseguições políticas, encerrou as atividades da Sabiá quando o último colaborador conseguiu um emprego. "Honrei o salário de todos até o fim", disse, orgulhoso, relembrando o último trabalho: clipe da Família Lima, gravado em Dois Irmãos e na região das Missões. "Sabiá era uma referência de conduta."

Pouco tempo antes de fechá-la e, paralelamente, ao fim do braço concorrente da RBS, fundou a Zeppelin Filmes com Zé Pedro Goulart, junto de Annette Bittencourt, em 1991. A ideia de Enio nasceu de fazer com que todos da equipe tivessem participação societária. Porém, devido a conflitos na construção da empresa, desfez a sociedade pouco mais de dois meses após o lançamento da marca no mercado.

Pai de Luzia e Laura Marques Lindenbaum, diz que ambas são boas cidadãs. É assim, na simplicidade, que expressa seu amor pelas filhas, fruto do casamento com a ex-esposa Isara Marques, com quem viveu por quase 18 anos. Totalmente realizado pelas pessoas que se transformaram, diz que a mais velha, Luzia, é jornalista, enquanto a caçula, Laura, optou pela área do Direito. "Nós as educamos sem frescura e nunca deixamos o dinheiro influenciar no seu caráter. Tenho muito orgulho mesmo, e minha ex-mulher faz parte disso." Acrescentou que auxiliou os médicos na hora do parto de cada uma delas.

Poço de contradições

Bem judeu, como costuma declarar, aprecia a cultura de sua família. Não é à toa que traz vivo na memória o período em que morou em kibutz, em Israel. Realizou muitas outras viagens pelo mundo e se orgulha em dizer que suas filhas conhecem todos os continentes. Dentre os passeios, afirma que se sente em casa em Barcelona, na Espanha; Paris, na França; Los Roques, na Venezuela; e em cidades portuguesas. Sem contar que conhece o Brasil de cabo a rabo.

Aos 19 anos, participou de um concurso como fotógrafo, para viajar em um trailer por um ano com mais quatro pessoas. Com a empreitada, pôde registrar em 12 mil slides o eixo Rio de Janeiro-Maranhão. "Conheci o trecho da melhor forma possível e recebendo muito bem por isso", lembra. Com o dinheiro, comprou muitas obras de arte, as quais, mais tarde, viriam ser confiscadas durante a ditadura militar. Recorda que foi preso três vezes no DOI-Codi (Departamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna).

Mesmo sem sotaque, há, ainda, alguns traços cariocas em Enio, como o time do coração, o Flamengo, e o gosto pela Música Popular Brasileira (MPB). Apaixonado por cinema e literatura, tem como títulos prediletos 'Esse mundo é dos loucos', de Philippe de Broca, e 'A arte cavalheiresca do arqueiro Zen', de Eugen Herrigel. Acredita que, mesmo que não pareça, é uma pessoa simples. "Não tenho essa de dizer que sou o bom ou o herói. Sou um poço de contradições", exclama.

Em busca da honra

"Minha carreira teria que corresponder ao legado deixado pelo meu avô", declara, lembrando que é no Rio Grande do Sul que a maior parte de sua trajetória profissional acontece. Sem saber a data ao certo, mudou-se para Porto Alegre, onde teve a oportunidade de integrar a equipe da Cooperativa dos Jornalistas da Capital (Coojornal), fundada por dezenas de jornalistas, entre os quais nomina José Antonio Vieira da Cunha, Elmar Bones, Rosvita Saueressig e Jorge Polydoro.

O publicitário lembra que lá no ambiente da cooperativa de jornalistas havia um Departamento Comercial que preservava muito mais o produto jornalístico do que a comercialização em si. O período de 1976 a 1979 é caracterizado por ele como "riquíssimo e de convivência maravilhosa", pois o grupo de jornalistas contava com o apoio de organizações e empresários que enfrentaram a ditadura e a coerção por parte do sistema repressor da época. "O pessoal da Coojornal manteve sua posição em prol da qualidade", destaca.

Depois, passou pelos bancos Maisonnave, Meridional e Sul Brasileiro, onde pôde exercer aquilo que acredita ser propaganda. A partir da visão socialista, defende que ela não deve ser estimuladora de castas e de privilégios, a fim de fazer com que as pessoas sintam vantagem diante de outras. "A publicidade precisa falar sobre a qualidade de um produto, como o caso de 'Não é nenhuma Brastemp'." Ainda, atuou por um ano na rádio Farroupilha, da RBS, com Setembrino Machado, que lhe ensinou as primeiras noções de comercialização de mídia.

Hoje, aos 64 anos, avalia que é um profissional de Comunicação muito mais completo do que quando começou. Teve a oportunidade de experimentar todas as partes do processo, sendo veículo, cliente, agência e empresário. Além disso, sente-se honrado em compartilhar que administrou como procurador, por 10 anos, a vida do poeta Mario Quintana. Este privilégio deve ao advogado Marco Túlio de Rose e à Helena Quintana. "Quando você disse que me perfilaria, falei que seria diferente, porque não discutiria uma carreira, mas sim um propósito", encerra.

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