Il Riso in Tasca

"Um bom prato de arroz é como uma bela mulher.

No entanto, do arroz você nunca vai cansar."

(George Bernard Shaw)

Quando chegou a São Paulo, na década de 90, o chef italiano Luciano Boseggia se dizia inconformado pela dificuldade de saborear nas cantinas da cidade o autêntico risotto, como se prepara na Lombardia. Passado algum tempo, ele assume as caçarolas do novo e luxuoso Fasano da rua Haddock Lobo e instala no alto do menu seu Risotto alla Milanesa. Sucesso instantâneo. Mas muito antes da chegada do chef lombardo, os gourmets da Paulicéia, sabiam de endereços onde saborear belos risottos, preparados com o raro riso de grano duro, como o In Cittá, na Oscar Freire e o Tatini na rua Batatais. No entanto, o risotto de Luciano Boseggia virou mania na cidade, o que lhe valeu o apelido de Rei do Risotto.

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Prato emblemático da gastronomia italiana, nasceu na Lombardia, mas os vizinhos do Piemonte apresentam seu Riso alla Piemontese, pleiteiando  oficialmente a paternidade da receita, com a alegação de ter sido deles a ideia original de usar o açafrão para colorir o arroz. Já os milaneses contam uma estória bem diferente.

Corria o inclemente inverno de 1574 e as obras do Duomo se arrastavam há quase 200 anos. No centro de Milão havia se formado uma babel de pedreiros, escultores e artesãos, vindos de toda a Europa com a missão de construir a mais bela catedral do mundo. Os milaneses apregoavam aos quatro ventos que seria maior e mais imponente do que a Notre Dame de Paris e do que a gótica Dom, de Colônia. Entre as dezenas de exímios artesãos, estava um mestre vitralista, o belga Valerio di Fiandra, encarregado de montar os grandes e rebuscados vitrais da grande catedral. Um de seus talentos mais bem guardados era saber misturar pigmentos secretos, capazes de imprimir cores eterna aos vitrais.

Cada cor tinha um pigmento especial, que se dizia, era mais precioso do que ouro em pó. Para obter o amarelo dourado, di Fiandra usava o Saffron, uma substância rara, contrabandeada do Oriente.

Ele guardava seu precioso pigmento em um bornal de couro, do qual nunca se separava. Mas um dia o imprevisto aconteceu - um pequeno descuido, quando o vitralista almoçava nos andaimes suspensos no alto das torres. Um pouco do açafrão vazou para o prato de arroz, cujo aroma e tom dourado, logo chamou a atenção dos colegas. O maestro di Fiandra provou imediatamente a aromática e colorida mistura. E sorriu, feliz da vida. Estava inventado o Riso alla Milanese. Não por acidente, o miracolo acontecera em um andaime suspenso entre o Céu e a Terra.

História ou estória, o episódio ligou a gênese do prato ao maior símbolo de Milão - o Duomo.

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Inebriados pelo sucesso do prato criado nas alturas de sua magnífica catedral, os milaneses não ficaram por aí, inventando outras variações do arroz que até hoje seduzem os apreciadores da gastronomia da Itália, como o Risotto Cuneese, com bacon e batatas, o Risotto agli Spinaci e Scamorza (espinafres e queijo defumado) e o famoso, mas raro Vivanda di riso alla Lombarda, que leva queijo, ovos, canela, peito de galo, rodelas de cervellata, o picante salame milanês e finalizado com açafrão.

A substância que coloriu os vitrais do Duomo e deu vida ao arroz, já era conhecida pelos antigos egípcios, que a usavam para tingir tecidos e cosméticos. As lendas sobre o açafrão emprestam encanto especial aos pratos com ele preparados. O chef Luciano Boseggia, que reinventou em São Paulo o Risotto alla Milanesa, conta no livro Il Riso In Tasca, uma passagem da mitologia grega, sobre o amor entre o jovem Saffron e a ninfa Smilace. O romance teria despertado ciúmes no deus Hermes que transformou o jovem enamorado na flor perfumada e colorida, que veio a ser o nosso açafrão.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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