Jornalistas por mares nunca dantes navegados

Por Paulo Gilvane, para Coletiva.net

Há mais de 17 anos, eu e meus três sócios tentamos desmentir a máxima de que jornalista não possui talento para empreender. Além de sermos navegadores de primeira viagem, começamos a empresa nos primórdios da Internet e de tudo que a onda da rede mundial trouxe de inovações. Ou seja, éramos quatro jornalistas jogando o navio num oceano de possibilidades, sem qualquer carta náutica e sem nunca ter manejado um leme, sem nunca ter utilizado uma bússola.

Não havia um Norte, era conduzir o barco de acordo com ondas, era passar pelas marolas para depois enfrentar ondas gigantes, aproveitar a calmaria para entrar nas tempestades. Iríamos adernar, com certeza. Ficaríamos à deriva, sem dúvida. Se iríamos naufragar, bom, isso fazia parte do risco. Navegando da situação metafórica para a realidade, relato aqui algumas turbulências vividas pela Agência Radioweb.

Antes de começar a viagem, anunciemos a tripulação. Eu, um jornalista que entrou tarde no mercado, aos 30 anos. Foram quatro anos de Bandeirantes e mais três na Rádio Gaúcha, tendo atuado como repórter, chefe de reportagem e apresentador. As minhas duas primeiras sócias, Caroline Mello e Daniela Madeira, recém-formadas, com experiência só de estágio.

Quando a Radioweb começou, em 2001, eu, o "fundador" da empresa, mal sabia cuidar do meu orçamento doméstico. Nunca havia procurado um cliente e muito menos feito qualquer tipo de planejamento. Havia apenas um diagnóstico de que as rádios poderiam ter uma carência real de conteúdo e de que poderia haver algum cliente querendo chegar neste universo de emissoras como notícia (era o tal modelo do negócio, conceito que eu obviamente não conhecia). Inclusive, repito com frequência que fazíamos marketing de conteúdo ou branded content sem saber o seu significado, nem em português, muito menos em inglês.

A rigor, a parte visionária do projeto foi intuir, lá em 2001, que a Internet seria uma ferramenta de entrega dos conteúdos em áudio via mp3. Soa ridículo para quem lê isso hoje, mas pouco antes dos anos 2000, para transmitir uma matéria para uma emissora era via híbrida telefônica ou por despacho de fita K7 pelos Correios.

Entre 2001 e 2003 as rádios do Interior ainda sofriam com uma conexão lenta e precária, a internet de linha discada. Para baixar um arquivo de 2Mb eram necessários 10 ou 15 minutos. Das 100 emissoras parceiras, 80 recebiam por telefone e apenas 20 baixavam pelo site. Ou seja, éramos uma agência web que não transmitia pela web.

Era um gasto fantástico de telefone e esta foi a primeira dificuldade que colocou o barco em situação de perigo. A empresa só não quebrou porque surgiu a banda larga, o ADSL. Então deixamos de transmitir via telefone e passamos a operar somente via site. Saímos da primeira tempestade, mas a calmaria não duraria muito.

Nos demos conta que os mares abaixo do Mampituba não sustentariam o nosso projeto. Não queríamos ser apenas um case que naufragaria antes de sair da aldeia. Precisávamos avançar para além das 12 milhas náuticas que determinam o limite do mar territorial. Então, mesmo com o barco ainda meio avariado resolvemos explorar as margens do Paranoá, em Brasília. Lá a tripulação passou a contar com o também jornalista Geanoni Mousquer, com grande experiência em reportagem na Rádio Gaúcha, mas ainda pouco afeito aos desafios da tecnologia e do mercado.

Agora, mesmo com a tripulação completa, ainda inexperiente e implume, espero que você ainda queira continuar navegando comigo por estas linhas. Antecipo que a turbulência continua, mas também garanto um pouco de emoção.

Começamos a trabalhar em Brasília em março de 2004 e o primeiro cliente só entrou em outubro. E o primeiro pagamento em janeiro de 2005. Ou seja, 10 meses só de despesas e investimento, nada de lucro. Já se passavam quatro anos de operação e sempre no vermelho, fazendo empréstimo aqui e ali, atrasando contas e impostos, trocando cheques com ágio altíssimo em instituições financeiras. Somente em 2006, entretanto, aparece o primeiro azul na planilha.

Conseguir pagar as contas, os impostos, os funcionários e ainda sobrar um pouco de dinheiro. Ufa, enfim conhecemos o conceito de lucro. Mas a rentabilidade era baixa e havia uma dívida em impostos que precisou ser negociada. O parcelamento se transformou num novo compromisso mensal, o passivo de anos de prejuízo precisava ser pago. A conta sempre chega, principalmente em se tratando de tributos.

Eu sempre digo que o projeto da Radioweb deu certo muito mais pela ideia do que pela nossa capacidade de gestão, pelo nosso conhecimento de navegação. Era uma realidade de stress, cansaço e preocupação. A expectativa era de que em algum momento aquele esforço, aquela teimosia, aquela convicção meio sem fundamento nos levassem a algum porto seguro.

Se quando o barco mal navegava já buscamos outras águas, não seria então que iríamos sossegar, exatamente quando a tripulação estava - ou se sentia - mais capacitada. Em 2007, a sócia Daniela Madeira se apresenta voluntariamente para o desafio de atracar em São Paulo. E se foi, agora um pouco mais experiente. Mas aqueles mares, apesar de promissores, não eram de fácil navegabilidade. E não o foram.

Em 2008, já atuando nacionalmente, descobrimos que o mau tempo em mares distantes uma hora chega também às nossas margens. Imagina que íamos sequer supor que a quebra de um banco chamado Lehman Brothers ia acabar nos atingindo. Sim, a tempestade daquele ano, nascida nos Estados Unidos, teve reflexos aqui e, claro, não ficamos incólumes. Mas o barco apenas adernou, não houve risco de naufrágio.

Em 2010, fizemos um grande investimento em sedes físicas, uma área de 240m² em Brasília e outra de 140m² em São Paulo. Agora sim, tínhamos a "matriz" em Porto Alegre e duas "filiais". Aquela velha concepção de que empresa importante precisa ter sede além de endereço. Este conceito logo se mostrou ultrapassado e, claro, logo apresentaria a sua conta. E ela não seria baixa.

Quando o barco começa a navegar de novo, em 2011 vem uma nova crise, esta nascente nos mares do Velho Mundo. Vivemos um dos piores anos da empresa. Sem reservas devido ao gasto com as sedes em 2010, o barco não chegou a afundar, mas tememos pelo seu naufrágio. Tivemos que recolher as velas, jogar pesos extras ao mar e reduzir despesas.

Aí, quando você acha que o mar está para peixe, chega 2014. Dilma entra cambaleando no segundo mandato, sofre um impeachment, entra Temer, que nunca se equilibrou. Paralelamente, uma onda de crise gigante se abate sobre a economia do planeta. E desta vez ainda tem a tal da "crise da plataforma". O duopólio Google e Facebook joga as suas redes de arrastão por todos os oceanos, sem respeitar limites e fronteiras. A pescaria, que já estava escassa, agora tem dois navios pesqueiros de grande porte na concorrência.

Com algumas reservas que havíamos conseguido guardar, fomos sobrevivendo a 2015, 2016. Mas, em 2017, o fantasma do naufrágio aparece novamente no horizonte. O ano começa mal, fica pior no decorrer do período e se agrava ao seu final.

Acostumados às turbulências e instabilidades, pela primeira vez vislumbramos a possibilidade de ter que reduzir a equipe. Em vez de gaivotas, a sombra do terrível "passaralho" sobrevoava a embarcação. E ele já havia feito estragos em outras redações.

O corte de despesas, a renegociação de contratos com fornecedores e outras ações não eram suficientes. Na atividade empresarial, numa situação como esta, o normal é se definir o percentual dos cortes e calcular quantos cabem daquela barca. E parte da tripulação é jogada ao mar em busca de outra ocupação, o tal do "mercado".

Em vez disso, chamamos a equipe nas três sedes, explicamos a situação com transparência e propusemos uma redução de 10% sobre as remunerações com redução proporcional de jornada, onde isso fosse possível. E assumimos o compromisso de não demitir ninguém, prevendo que aquela situação seria passageira. E foi. Meses depois as pessoas voltaram às condições normais de trabalho e de remuneração. E a empresa não perdeu o seu maior patrimônio, as pessoas que fazem o jornalismo, o administrativo, a tecnologia e o comercial.

Em 2018, já com mais experiência e cientes das instabilidades da navegação por estes mares - agora mais conhecidos - começamos a praticar o desapego. Era preciso revisar o conceito de sede grandiosa, salas de reuniões com pouco uso, aluguéis e condomínios caros, despesas mensais com manutenção. Migramos para espaços menores, compartilhados e menos onerosos.

No mesmo ano mudamos de sede em Brasília, São Paulo e Porto Alegre. Despesas menores, equipe mantida, serviços executados com a mesma qualidade e melhores resultados. Estamos prontos para entrar 2019 com a frota renovada, com experiência e mais preparados para enfrentar as intempéries da atividade empreendedora.

Com tanto oceano azul e mar revolto navegados nestes 17 anos eu perdi a ilusão do gráfico ascendente. Mesmo quando sua empresa começa a dar certo, não quer dizer que o gráfico vai começar a apontar para o céu e subir, subir, subir. Ele sobe, desce, sobe, desce, desce, desce... E depois, se você continuar a viagem, ele pode voltar a ser ascendente de novo. Mas não se iluda, não vai ser sempre assim.

Não sou muito afeito ao papo empreendedor, às vezes se torna meio chato. Quando alguém me pergunta qual o segredo do sucesso da Radioweb eu já digo que não tenho uma fórmula. Mas de tanto me questionarem eu inventei uma, a PPP (paciência, persistência e perseverança), com tudo o que há de similar entre os seus significados.

Há uma frase que eu sempre usei internamente, mesmo nos piores momentos: as perspectivas são excelentes. Ainda bem que os meus sócios e a equipe sempre acreditaram, por mais que eles enxergassem o tempo fechando lá no horizonte. Até agora conseguimos conduzir o nosso barco sem que ele afundasse. Mas esta luta é diária porque, olha ali, o céu está ficando escuro de novo e lá vem outra onda gigante.

Por fim, sobre estas teorias do empreendedorismo, agora tem a máxima de que precisamos sair da zona de conforto. Olha, eu não conheço esta zona aí, mas pode ter certeza que se um dia eu chegar lá, de lá não saio, de lá ninguém me tira.

Paulo Gilvane é jornalista e sócio-fundador da Radioweb.

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