Precisamos falar sobre a Fundação Piratini

Por Léo Sant'Anna, para Coletiva.net

Músicos, atores e intelectuais se uniram, no dia 25 de junho, provavelmente na maior das várias manifestações já realizadas por artistas gaúchos contra a extinção da TVE e da FM Cultura. Saiu na imprensa: 'Artistas em defesa da Fundação Piratini'. Num exercício de imaginação, esboço uma pequena alteração na manchete: 'Jornalistas em defesa da Fundação Piratini'.

Havia jornalistas lá, é verdade. Mas basta recorrer a uma edição on-line para sepultar de vez a mudança. Classe artística lota Centro Municipal de Cultura em favor da TVE e FM Cultura, foi anunciado. Não foram repórteres, editores, produtores, cinegrafistas, fotógrafos, chefes de redação ou estudantes de jornalismo que ocuparam em peso as plateias do Teatro Renascença e da Sala Álvaro Moreyra. Alguém se lembra de algum evento em apoio a essas duas emissoras organizado por jornalistas que não fossem os próprios servidores? Posso estar enganado, mas minha memória e o Google não indicam nenhum.

Em 6 de julho, o Diário Oficial informou o remanejamento de 42 funcionários da TVE e FM Cultura para outros órgãos da administração pública. Foi notícia apenas em um jornal impresso e portais na internet. Quase todos reproduziram a nota do governo e a alegação de que os servidores remanescentes seriam suficientes para manter as duas emissoras em atividade. Ficou fora do radar de apuração o fim do único telejornal que restava na TVE, substituído por quatro boletins diários ao longo da programação. Isso não valeria ao menos uma nota nas colunas de TV? Não seria interessante o suficiente para repercutir nas páginas dos cadernos de variedades ou programas de debates? Quando o fim do jornalismo parece não ser pauta nem para jornalistas, chegamos ao nosso dead line.

A TVE e a FM Cultura não são do governo ou de ocupantes de cargos de confiança, nem de servidores concursados e muito menos concorrentes das outras empresas no mercado de comunicação. Pelo contrário, são de todos nós e sempre ocuparam o espaço que os veículos comerciais nunca quiseram assumir o protagonismo, inclusive o debate aberto sobre a nossa profissão. Mas essa característica fundamental foi tratada como um detalhe esquecido na cobertura realizada pela mídia gaúcha até agora - na maioria das vezes, restrita às editorias de política, pautada pelo Palácio Piratini e pelas reviravoltas no Judiciário, não pelo que realmente acontece na sede do Morro Santa Tereza e as consequências que se refletem no ar. O que essa Fundação oferece para a população e seu papel, previsto na Constituição Federal, não tiveram sequer notas de rodapé. Se a figura do ombudsman também não tivesse sido extinta, poucas redações escapariam da reprovação nesse caso.

Não se trata de posicionar-se à esquerda ou à direita. Países capitalistas e comunistas, ricos ou pobres, mantêm emissoras de comunicação públicas. Em uma democracia, isso pressupõe diversidade e garantia à liberdade de expressão. Por isso, o desmonte de emissoras de rádio e TV por governantes deveria ter eco na imprensa livre. Mas, por enquanto, houve o silêncio em relação às denúncias de servidores da TVE e FM Cultura afastados ou até mesmo demitidos por se posicionarem contra os planos do governo. O mesmo caminho tiveram as irregularidades apontadas pelo Conselho Deliberativo. Na era da sociedade em rede, agimos como se redações fossem ilhas sem conexão quando, na verdade, seguimos todos no mesmo barco.

O governo alega que a TVE e a FM Cultura não irão acabar, mas já anunciou que vai repassar a produção de conteúdo das emissoras à iniciativa privada. Nesse cenário, quase todos os programas foram retirados da grade de programação, acabaram substituídos por versões sucateadas sem os apresentadores ou apenas estão sendo reprisados. Não bastasse tudo isso, o maior patrimônio da Fundação está prestes a se perder por completo, o capital humano. Oficialmente, a Fundação Piratini já foi extinta. Mas todos sabemos que a palavra final caberá ao Supremo Tribunal Federal, que recebeu recomendação do Ministério Público Federal contrária à extinção das fundações.

Ainda há tempo de ouvir todos os envolvidos nesse processo - incluindo os servidores -, levar o tema às sabatinas e aos debates com os candidatos ao Piratini, reacender as discussões nas universidades, falar mais sobre a Fundação Piratini e, acima de tudo, sobre o que ela representa para os gaúchos. Provavelmente, nem sempre os artistas irão assumir o nosso papel na defesa do jornalismo.

Léo Sant´Anna é jornalista.

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