Rabugice natalina

Por Fraga

Acho assombroso como os bancos, todos, veneram Cristo.

Nas agências, há sempre uma parede reservada para um crucifixo. Geralmente a cruz e o crucificado são de madeira. A escultura costuma ficar atrás da mesa do gerentão, logo acima da cabeça dele.

Não me surpreenderia se nos olhinhos do Salvador houvesse micro câmeras a vigiar o funcionário, todos os subordinados, clientes vips e não vips.

É localização estratégica, ângulo privilegiado. Seria um desperdício do olhar divino, aquele que tudo vê, caso não haja lentes poderosas no olhar do Nosso Senhor. Afinal, suspeito todo usuário de banco é.

Além dessa função promovida pela desconfiança e justificada pela segurança, o crucifixo está ali para lembrar como os bancos são humanitários. Sua bondade institucional não poderia ser melhor simbolizada: os bancos, como Cristo, vieram para nos salvar. Embora Cristo nada tenha a ver com empréstimos e promissórias. Muito menos com os juros praticados hoje em dia.

As portas dos bancos equivalem aos braços abertos de Cristo. Porém, diferentes de Cristo mas ainda atentos a todos que entram, os bancos amparam inclusive, ou sobretudo, os vendilhões do templo.

Como, aliás, sempre fez exemplarmente o Banco do Vaticano.

As semelhanças entre o espírito cristão e o espírito banqueiro se harmonizam nos rituais das operações bancárias: clientes se ajoelham e suplicam, igualzinho como nas igrejas. Bancários e clientes confessam coisas inconfessáveis pra fechar negócio. Comungam metas e planos. O cartão de visita é a hóstia e o cafezinho, o vinho.

Cada vez que dou de cara com um crucifixo numa agência, me pergunto: qual o bem que algum banco, alguma vez, já realizou?

São abutres do mercado, não contribuem para a produção, têm lucros vergonhosos, exploram a população e o país. Do jeito que desdenham dos valores sociais, não há lugar mais infame pra colocar Cristo.

Agora que o Natal vem aí, o crucificado dá lugar ao Cristo nascituro. E os bancos, nos seus saguões e fachadas decoradas, ganham monumentais árvores de Natal e presépios encantadores. Atrações luminosas, sonoras, movimentadas.

Arranjos tão brilhantes e sedutores que a hipocrisia e o cinismo dos bancos quase desaparecem sob a brancura do algodão e o dourado dos enfeites.

O novo governo põe Deus acima de todos. Mas acima Dele estarão os bancos.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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