Rádio, velho companheiro: na era dos fakes, uma verdade que dispensa enfeites

Por Carlos Guimarães, para Coletiva.net

Recentemente, aconteceu um episódio comigo, relatado aqui no portal Coletiva.net, em que fui desligado e, três dias depois, readmitido. O movimento aconteceu por força dos colegas e dos ouvintes que me acompanham, via redes sociais, em algo que entendo como inédito. Decidi não capitalizar o assunto, embora seja inevitável tratar dele sob diferentes perspectivas, até porque, talvez pela primeira vez, eu fui protagonista de um acontecimento sem precedentes na imprensa gaúcha. Independentemente do mérito, pela primeira vez percebi que eu tenho algo próximo de um público, uma determinada faixa de pessoas que gosta de mim. Talvez os que rejeitam o meu trabalho ou aqueles que o desconhecem sejam bem mais numerosos, mas para essa pouco mais de dúzia há a produção de uma relação, uma conexão, uma empatia. Meu orientador, o professor Luiz Artur Ferraretto, coloca que o rádio, sobretudo, é um companheiro. Afinal, quando o comunicador deixa de ser um prestador de serviços, alguém que informa, relata ou opina para se tornar de fato alguém que produz essa empatia?

Entre tantos recados que recebi, houve um em especial, de um parceiro e ouvinte chamado Fábio Sidrack, ao comentar uma postagem do meu colega Rafael Serra: "Ouvir o Guima sempre foi para mim a certeza de que eu ouvindo um ser humano do outro lado, diferentemente do procedimento padrão "robô" que passou a vigorar nas rádios gaúchas. Gente que vive, sofre, perde e que não tem vergonha de dizer isso. Isso sempre vai ser a principal qualidade de um jornalista: a verdade". Foi uma das coisas mais marcantes que li sobre o meu trabalho. Ao invés de "entender muito de futebol" ou "ótimos comentários" ou "gosto de te ouvir", foi a primeira vez que eu li um recado que fazia um juízo de valor sobre a minha "pessoa física" (sic). Um recado que humanizava o profissional.

Essa postagem tem uma simbologia enorme. Ali, alguém dizia, entre outras palavras, que eu fazia a diferença por ser humano: cheio de erros, falhas, deslizes. Alguém que sofre, perde e não tem vergonha de dizer isso. Como um amigo que aceita o outro, como um ser humano que nota, pelo microfone, um outro ser humano. Percebi, então, que esta seja minha principal virtude como um comunicador. Eu não sou lá o cara mais carismático, o mais legal, o mais bem informado ou com a melhor forma. Não sou um modelo radiofônico, acho que há comentaristas melhores que eu e meu poder de comunicação é limitado. Entretanto, inconscientemente, finalmente assumi uma condição que me deixa muito feliz nesse ponto da carreira. Sem concessões, sem filtros ou máscaras, o microfone revela exatamente aquilo que eu sou.

Da mesma forma que a minha transparência produz uma empatia, ela pode gerar uma rejeição ou até mesmo, em tempos perigosos, ódio. Reparei, da mesma forma, que a proporção de novos seguidores é semelhante ao número de pessoas que param de me seguir. É uma condição diferente. Para cada, digamos, dez novos seguidores, eu perco uns três. Ou seja, meu alcance é amplo e tem diferentes impactos, dependendo do ouvinte. Aí chegamos ao ponto que pretendo: independente de mérito - e estamos numa era de paranoia ideológica, por exemplo - o ouvinte, seguidor, leitor e telespectador exige um posicionamento, um pensamento próprio, um lado.

Terminou a era em que éramos somente uma voz, como que em uma redoma ou pedestal, vociferando notícias com o pressuposto da pura e simples isenção, como se não fôssemos de carne, osso, cérebro e erros. O jornalista carrega uma carga de valores e ideias que geram um significado àquilo que o ser humano é: construção, produção e difusão de sentidos, propostas, pensamentos, afirmações e reafirmações. Note que aqui não coloco as dicotomias gerais da nossa existência, como certo ou errado ou bem ou mal - até porque cada um tem a sua versão do que é uma dessas coisas, embora o senso comum tenha trabalhado para consagrar o que é cada uma, mas esse é outro assunto. No caso, refiro-me à plena condição humana de pensar, de se emocionar, de exercer um papel, de, até para os jornalistas, errar.

Jornalista erra, jornalista sofre e jornalista também é feliz. Maquiar nossos sentimentos em troca de ser um simples instrumento de difusão sonora de dados é confortável e seguro. Entretanto, será que gera empatia? Culturalmente, gera credibilidade. A história do radiojornalismo é brasileiro é tradicionalmente sóbria, imaculada, isenta. Mas o público ainda consome esse tipo de notícia? O que ele espera do jornalista no rádio? Creio que, embora empiricamente, porém com convivência diária com o radiojornalismo desde que as redes sociais começaram, o que mais gera assunto no rádio, atualmente, é a repercussão daquilo que o ouvinte leu nas redes sociais. Mais do que uma simples informação, ele quer a opinião, a interpretação, a versão de quem faz o dia a dia no microfone. Ele procura saber se os comunicadores gostaram da notícia ou não, se eles aprovam ou não, se eles pensam como o ouvinte ou não. É nesse ponto que entra aquela verdade que disseram que eu demonstrava. Cada vez mais, esse ouvinte quer saber nossos princípios, pensamentos e valores. O que a gente pensa, o que a gente faz, o que a gente é.

Entramos, portanto, novamente em entender o rádio como um companheiro. Mais do que nunca, diante da frieza de robôs em redes sociais, do crescente aumento de fake news, da impopularidade da nossa imprensa, do comprometimento de boa parte dela com outras coisas, do descrédito do papel do jornalista e da arrogância de nossos colegas, é necessário ser verdadeiro. A "salvação do jornalismo" (sic), para muitos, é sempre um assunto voltado para o prisma tecnológico. Coloco que, além disso, ajuda humanizar o comunicador. Na era da pós-verdade, estabelece-se a relação mais íntima que a comunicação possibilita: enquanto um fala, o outro acredita. Entende. Gosta. Odeia. Abraça. Empurra. Coisas que um ser humano faz com outro. Coisas que só um companheiro é capaz de fazer. Como, em geral, os companheiros falam a verdade, talvez o futuro do rádio seja bem mais simples e singelo que podcasts, startups, extended radio ou migração para o FM. Talvez o primeiro passo seja somente se apresentar ao ouvinte, com nome, sobrenome, virtudes e defeitos. Nunca esteve tão na moda falar a verdade.

Carlos Guimarães é jornalista e coordenador de Esportes na rádio Guaíba.

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