Um campo para lutar

Por Elson Sempé Pedroso, para Coletiva.net

A agitação provocada pela política atual em Porto Alegre me obrigou a retomar a questão da comunicação pública e a me perguntar: o que, de fato, eu faço? E qual é a minha autonomia e responsabilidade sobre o que se oferece como comunicação pública? Quem somos nós, jornalistas, tentando viver a utopia do campo ideal da comunicação isenta no espaço público enquanto o mundo desmorona ao nosso redor na pressa das tecnologias e nos interesses dos partidos e empresas? São objetos que merecem uma extensa reflexão antes que se possa ousar concluir qualquer coisa.

Ninguém é capaz de garantir que um personagem seja melhor que outro pela sua forma de acesso aos cargos ou pelo lugar onde trabalha. Mas somos obrigados a concordar que, na esfera pública, há uma tendência forte de o comprometimento de um concursado ser diferente de um cargo em comissão, indicado diretamente e cuja perspectiva de permanência se vincula a quem o indicou. Ou de alguém cujo emprego dependa de sua adequação à linha editorial do veículo. Quando as coisas estão fáceis, tudo é lindo. O problema aparece quando as circunstâncias exigem capacidade de sustentar uma posição. O drama se instala quando é preciso enfrentar outro cargo em comissão, a chefia, a direção, o presidente, o prefeito, o chefe, o dono do jornal ou de qualquer outro veículo/empresa em nome da necessidade de realizar o trabalho que o jornalismo exige. Ainda mais o jornalismo público, utópico.

Olhando para as estruturas de comunicação pública em geral, percebo que nós, na Câmara Municipal de Porto Alegre, acabamos nos tornando um modelo híbrido, razoavelmente bem-sucedido. Digo razoavelmente porque pretendíamos ser melhores para oferecer mais, mas também sucumbimos à burocracia e às pressões estruturais. Mas, apesar disso, assistimos nossos releases e materiais disponíveis no nosso site serem utilizados na íntegra, nossas fotografias estamparem capas de jornal. Isto representa uma grande vitória da qualidade do que aqui se produz. É um reconhecimento. E aposto que todos nós, que estamos por trás disso ficamos gratos. Pois nos realiza como jornalistas.

Mas, e quanto aos nossos colegas que andaram por aqui em meio a outras cinco pautas no mesmo dia? Quem manda neles? Quem manda em nós, aqui, onde em 22 anos de carreira tive 24 chefes? Quem se responsabiliza de fato? E no mercado lá fora, quem consegue minimamente dar clareza ao campo do Jornalismo, se vemos sindicatos fechando, entidades representativas se esfarelando, perdendo sustentabilidade porque o capital quer isso e toma conta de fundações públicas que promovem a cultura e o conhecimento? Como o jornalismo negócio pode garantir jornalismo verdade? Está tudo complicado demais.

Por isso ainda tento viver minha utopia do jornalismo público, tanto quanto imagino que meus colegas do mercado trabalhem pelo jornalismo que acreditam. Mas não se enganem. Não há milagre. Entre a teoria e a prática há muitos preços a serem pagos. Estamos morrendo de fome como profissão, pressionados pelo deslumbramento tecnológico, que sugere que o equipamento substitui a competência linguística e o compromisso testemunhal.  Hoje fotógrafo faz vídeo, radialista faz foto e ninguém faz nada, imaginando que fazer 'também' compensa o fazer 'mal'. Não falo isso para desmerecer o trabalho de ninguém, mas para estar ao lado destes que, pressionados, experimentam novos caminhos em busca de sobrevivência e naturalizam práticas de multitarefas perversas.

Seria prudente que ocorresse algum tipo de retomada de consciência de classe e de luta pelos jornalistas. Fomos apartados, pulverizados, desarticulados e dominados por nossas necessidades humanas usadas como moeda pelas empresas. Mas o problema maior é que vamos esquecendo nossos princípios de campo, porque parece não importar mais. Tenho a sensação de que importa e devemos insistir no jornalismo, nas linguagens aprofundadas, na apuração, na qualidade.

São muitas questões, diferentes as abordagens e um vasto espaço onde nos cabe lutar por aquilo que acreditamos. Eu preciso seguir lutando pelo que imagino ser comunicação pública de qualidade e oportunizando aprendizado a quem por aqui passa. Mas não só por aqui, pelo estágio prático, onde se descobre distâncias da teoria. Também luto ainda por quem passa pela universidade, pelas salas de aula, onde eu professores colegas nos debatemos para vencer a crise de interesse pela raiz do jornalismo e o excesso de valorização das plataformas de saída. Confesso que tenho tentado nadar neste hiato enquanto assisto, também na academia, buscas frenéticas por novas respostas para velhas questões.

Mas tenho fé. Pois a informação responsável, a notícia, a apuração, a pesquisa, a reportagem e todas as outras formas que as pessoas usem para buscar informação não deixarão de ser referência. Por mais que nos joguem 'conteúdo' goela abaixo e tentem nos ditar o que 'queremos', penso que ainda vencerá o sentido do que 'devemos e precisamos'. Não gosto da figura, mas ainda creio no fotojornalismo 'dedo no olho', ainda creio no jornalismo incômodo, naquele que cumpre sua função pedagógica. E só por isso sigo. Mas estamos nos desmanchando. Me deixem quieto com minha utopia.

Elson Sempé Pedroso é jornalista e repórter fotográfico na Câmara Municipal de Porto Alegre e professor de Fotojornalismo da PUC.

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