"Mas você nem parece...", isso não é elogio

Por Ricardo Gomes, para Coletiva.net, em especial Diversidade e Comunicação

Ricardo Martins - Arquivo pessoal

Nossa sociedade parte de princípios pré-estabelecidos do que é adequado ou inadequado, do que é aceito ou não. Compreender a invenção destes padrões exige conhecimento, pesquisa e principalmente o entendimento do processo de dominação que se estabelece através dele. O preconceito é mais que um fator de ignorância de uma população, ele é uma arma poderosa de destruição do ser humano, usado com o requinte da crueldade que é sua mais forte característica. Alguns políticos e religiosos calçam seus discursos em manifestações preconceituosas e teorias ridículas para garantir não o bem comum, mas sim, atender seus interesses de poder e ganância.

Essas atitudes, ao longo dos tempos, se tornam parte da visão humana sobre sociedade e estes comportamentos vão se repetindo e parecendo normais. O anormal passa a ser o respeito ao outro e à sua individualidade. Aqui você pode lembrar de toda pessoa que já relatou uma dor e alguém disse a frase: "isso é mimimi..."

Com base nisso, o título deste artigo foi proposto, pois ele nasce de uma percepção, que até mesmo as pessoas que tentam se afastar do preconceito, o utilizam. Não sei quantos homens gays já escutaram isso, mas todas as vezes que escutei, isso não me soou como elogio, mas sim como uma constatação de que estava fora do dito padrão aceitável: Você nem parece gay...

Quando digo que eles o utilizam, sem conhecimento, é uma constatação, que não carrega em si nenhum tipo de crítica, mas sim uma leitura social sobre o quanto a ausência de informação pode levar as pessoas a repetir ações agressivas sem perceber o que estão fazendo, por isso, é relevante falarmos sobre o tema e ampliarmos o acesso às informações sobre inclusão desde a infância, para que isso não se repita ao longo de sua vida. Claro, que nós, adultos, precisamos nos informar urgentemente e saber que, hoje em dia, não compreender o quanto de preconceito está na frase mencionada, é inaceitável.

Os interesses de alguns pseudo líderes já relatados, fortalecem os discursos preconceituosos focados em promover o racismo, a homofobia e a misoginia, não são para outro fator que não garantir poder, lucro e dominação. Se houvesse neles, sequer 1% de temor a Deus, como propagam, seu respeito pelo outro seria maior que sua visão obscura de vida. O que eles querem é garantir seu "rebanho" inculto e mais fácil de ser manipulado.

Portanto, toda vez que você pensar em usar expressões como: Você nem parece..., nossa que desperdício..., se você fosse homem eu casaria contigo..., e por aí fora, pode ter certeza, você não está fazendo um elogio, está sim reforçando estereótipos preconceituosos, e sendo um agente de disseminação de um projeto espúrio de dominação e destruição de pessoas que você pode amar e respeitar, sem nem se quer perceber o que está fazendo.

A abominação dessas expressões, é o primeiro passo para a desconstrução dos estereótipos que nos foram ensinados, pode parecer pouco, mas ao mudar o discurso padrão, já estamos fazendo nossa parte em um processo de transformação social e de respeito pelo outro. Consecutivamente, ancorar estes atos na educação, é essencial para cada vez mais termos uma sociedade evoluída, civilizada e livre de preconceitos.

Finalizo com a transcrição de uma fala da Marília Gabriela no Roda Viva: "Eu gostaria que a sociedade não fosse assim. Porque homofobia, racismo, misoginia, é produto da ignorância. E ignorância crassa, porque é ignorar a natureza humana, é ignorar a existência, como ela se dá de fato. Mas já que ela existe, eu fico preocupada. Se ela existe... ela pode reagir desta maneira, você não admitir os fatos da vida e reagir contra eles, é produto da ignorância."

Ricardo Gomes é diretor de Atendimento da HOC - House Of Creativity e head de Comunicação do Pacto Alegre

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