A calamidade das fake news

Por Amanda Krohn, para Coletiva.net

Amanda Krohn - Crédito: Arquivo pessoal

Vivemos novamente uma tragédia: após a pandemia de covid-19, as enchentes de 2023 e o surto de dengue, sofremos agora com uma inundação histórica no Rio Grande do Sul. Situação essa que supera até mesmo as marcas de 1941 e 1965. Mas junto com uma calamidade, há sempre uma sombra que a acompanha (e sempre a mesma sombra): as fake news.

Há menos de três anos, elas atrapalharam o combate à covid-19, fazendo até mesmo com que estabelecimentos no Brasil todo utilizassem um termômetro eletrônico para medir o grau de febre pela testa em vez de pelo pulso. O motivo? Boatos diziam que o aparelho podia causar danos à saúde, ao cérebro ou causar câncer. Veículos em todo o país apuraram os fatos, tentaram esclarecer, mas nem mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) ou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foram páreos para a teoria da conspiração.

Isso sem falar nas inverdades acerca da vacinação e as mentiras sobre o uso de cloroquina na prevenção ao vírus (que não apenas não eram eficazes, como também podia causar danos à saúde de quem o utilizasse sem necessidade). Em 2021, uma meta-análise feita por quase 100 cientistas da Revista Nature associou o uso indiscriminado de cloroquina à morte de pacientes com e sem Covid-19. O resultado foi publicado em uma reportagem da CNN.

Inúmeras notícias, estudos e reportagens como essa acendiam o alerta: desinformação pode levar à morte. Porém, isso não foi o suficiente para que a humanidade aprendesse e, em 2024, fazemos diariamente o trabalho duro de noticiar os acontecimentos ao mesmo tempo em que tentamos frear as fake news.

Onde trabalho, no Jornal VS (de São Leopoldo), já chegamos a desmentir quatro fake news em apenas um dia (e olha que nem citei o que precisou ser feito pelos meus colegas do Diário de Canoas e do Jornal NH, também do Grupo Sinos). Por diversas vezes, precisamos parar o que estávamos fazendo para conferir se algum boato se confirmava ou se era realmente apenas um boato. Tarefa essa que surge volta e meia, mas que passou a ser muito mais comum no último mês.

Em diversas reportagens, entrevistei socorristas que afirmavam que as fake news atrapalharam nos resgates, pois muitas vezes podiam levá-los a deixar de resgatar uma vítima verdadeira enquanto procuravam por uma fictícia. Outra fake news relacionada aos resgates afirmava que a defesa civil e a prefeitura não ajudava ninguém. O lema "civil salva civil", inclusive, segue sendo usado para tentar reafirmar essa tese. 

Qual é o reflexo disso? Diversos civis deixando de pedir ajuda à Defesa Civil por acreditar que o pedido será em vão. Não só neste ano, mas também em 2023, já entrevistei moradores de regiões afetadas que alegaram não ter chamado a Defesa Civil por acreditarem que não seriam atendidos.

Na era da pós-verdade, as pessoas acreditam naquilo que lhes parecer mais conveniente e buscam por notícias não para procurar pela informação correta, mas para provar que estão certas. Em 2017, no livro "Ética e Pós-verdade", seus autores afirmaram que "a principal característica da pós-verdade é que ela requer uma recusa do outro ou ao menos uma cultura da indiferença que, quando se vê ameaçada, reage com ódio ou violência".

O livro foi escrito pelo psicanalista Christian Dunker, o escritor Cristovão Tezza, o escritor Julián Fuks, a filósofa, escritora e professora universitária Márcia Tiburi e o filósofo Vladimir Safatle. Sete anos após sua publicação, o ódio e violência citados no trecho continuam reais: são, inclusive, obstáculos desafiadores para nosso trabalho de garantir informações corretas.

Mais uma vez, a desinformação em massa cumpriu seu papel de prejudicar (e até mesmo aniquilar) vidas inocentes. Cabe a nós, jornalistas, insistirmos fortemente na nossa missão de utilizar nossas notícias para salvar vidas e resolver problemas de todas as espécies.

Amanda Krohn é jornalista, repórter no Jornal VS, comunicadora freelancer e pós-graduanda em Jornalismo Digital ([email protected]) 

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