A expedição a Alegrete
Por Gilberto Alves Soares, para Coletiva.net - Especial Dia do Amigo
Avec mon ami Paulinho Corrêa
O ano era 1974, havia uma Copa do Mundo em jogo e uma partida capital: Brasil x Zaire. No mesmo dia iríamos, eu e o Paulinho, para Alegrete e o nosso ônibus partiu pouco depois de Valdomiro fazer um gol esquisito. Ainda vibramos antes de começar a expedição inesquecível.
Na verdade, a história começara com a criação da campanha publicitária do aniversário da maior loja da cidade. Bolamos cartazes com Einsten com a língua para fora e o título "Está todo o mundo louco". Ocorre que alguém dissera que o nosso departamento tinha profissionais versáteis, capazes de, por exemplo, decorar lojas. Como a grana era boa e o aperto grande, encaramos a função de decoradores.
Partimos ao meio-dia e o pinga-pinga parava em todo corredor. E embarcava cada figura: gente com galinha ensacada, paleta de ovelha e tantos outros que tais.
O "índio 'veio' tropicou"
O calor infernal preponderava e a poeira entrava pelas frestas, enquanto o ônibus resfolegava pela estrada de chão batido. Enfrentávamos o sacolejar com galhardia até chegarmos em Rosário do Sul - para o desafogo no banheiro e o lanche no bar. Passado algum tempo, o motorista acelerou para chamar nossa atenção, enquanto o motor Alfa liberava os freios e o barulho do ar-comprimido. Acomodamo-nos sem perceber que um gaudério a rigor - chapéu de ''beijar santo em parede'', lenço colorado, faca cruzada na guaiaca e esporas chilenas - botava o pé no estribo. Então, o taura deu um passo em direção ao corredor e o motorista arrancou num supetão. Como não conseguiu se segurar, o índio "veio" "tropicou", girou no ar e aninhou-se entre as pernas dos passageiros dos últimos bancos.
Silêncio sepulcral
Rimos de chorar. Tempo definido pelo retinir de chilenas do taura e seu bater de palmas nas coxas para afastar o pó. Feito isso, ele se levantou para a sentença definitiva:
- Todo o mundo que riu é filho da puta!
Fez-se um silêncio profundo, quebrado só pelo zunir do motor e das moscas. Depois da mudez, o homem desandou a charlar para uma idosa lindeira de poltrona. Fez mais ainda: ao ver que o passageiro da frente havia acendido um cigarro, ordenou:
- Gaúcho, poderias me passar um cigarro? - e recebeu uma resposta à altura:
- Cigarro pra compadre só se a comadre for bonita!
Fechou o pau.
Instalou-se a confusão
O rolo só o serenou quando chegamos na Polícia Rodoviária e os dois foram convidados desembarcar. Foi aí que velhinha lembrou-se de perguntar ao motorista:
- Já chegamos na Serra do Caverá?
A resposta voltou carregada de alguma mordacidade:
- Estamos no Alegrete. A senhora vai ter que voltar em outro ônibus!
Ao fim da tarde, chegamos à zona urbana e ao rolo final, quando um passageiro pediu para desce e o motorista, preocupado com o tempo perdido, não quis parar. O gajo pegou o martelo de verificar pneus e encarou o motorista, que fez um pit stop na marra.
Desembarcamos cobertos de pó, pegamos os impressos e fomos para a loja. Entramos, examinamos o ambiente e sorrimos - barbada! Abrimos o primeiro pacote e instalou-se a confusão: Einstein lembrava o sócio da loja, que se enforcara havia poucos dias, restando na cabeça deles a imagem do enforcado com a língua de fora.
Naquela altura, sem poder falar com Bagé, empilhamos televisores, viramos móveis de cabeça para baixo e desenhamos o tema em vários cartolinas que leváramos. A decoração foi aprovada e fomos pagos - inacreditavelmente.
Amanhecemos na praça e certos de que estava todo o mundo louco, mesmo.
Gilberto Alves Soares é publicitário e diretor da Agea Marketing e Comunicação