Ainda bem que eu não sou jornalista

Por Letícia Heinzelmann, para Coletiva.net

Faz exatamente 14 anos que tenho um diploma de jornalista. Quase cinco desde que trabalhei pela última vez com hard news. Cerca de um ano que o Jornalismo deixou de engrossar minha renda de alguma forma. E acompanhando as notícias hoje em dia, me atenho aos períodos em que atuei em veículos de notícias factuais: há apenas cinco anos estava editora do "maior portal da América Latina", e jamais me ocorreria permitir que uma notícia fosse publicada sem contraponto, contexto ou análise. Tudo bem que até então - e a gente não sabia - vivêssemos um período extremamente maçante em nosso noticiário: CPI do Cachoeira? Tédio... Julgamento do mensalão? Ai, que sono.

Enquanto mais as notícias vão ficando cabeludas, maior deveria ser o cuidado de reportagem e edição em não deixar absurdos ecoarem como verdades absolutas. Não importa se foi uma nota oficial ou a fala de uma autoridade - e especialmente se for -, há de haver contestação e/ou contextualização prontamente. Na hora! Ou então não precisamos de imprensa livre. Parem as máquinas! Para sempre. Deixem a imprensa oficial cumprir seu papel de desinformar a sociedade.

O presidente bradou contra os direitos humanos? Não pode ser publicado sem a devida análise. Não se pode esperar até o dia seguinte, após 24 horas de impropérios ressoando sozinhos, para fazer uma retranca e posar de jornalismo isento. A imprensa brasileira compactua com a maior estratégia da política atual - em nível mundial -, que é a desinformação. E é neste momento que penso: "Ainda bem que sou ex-jornalista!"

Porém, não existe esse status de "ex-jornalista" ou "jornalista não-praticante", como bem lembrou minha colega famequiana Manuela D'Ávila, que, mesmo não tendo atuado como profissional de imprensa, lembrou-se "jornalista e apta a produzir matérias com sigilo de fonte". Será que requer um distanciamento das redações para perceber como o jornalismo vem sendo mal desempenhado? Pode ser uma hipótese, já que os poucos jornalistas empregados que ainda restam precisam correr atrás das pautas e das metas, que, diferentemente do número de colegas, não diminuem. Mas é claro que não é culpa dos jornalistas a precarização de seu trabalho. Tudo serve ao interesse de alguém.

E não bastasse os jornalistas que trabalham não conseguirem fazer jornalismo - porque esse oficialismo que está aí em todos jornais e veículos, já diria George Orwell, não é jornalismo, é publicidade - e os desempregados estarem morrendo de frio, desabrigados ou quase, os que ainda conseguem manter um trabalho ativo de reportagem estão ameaçados por um governo autoritário. Eu, como a vítima de uma maldição, não consigo me manter jornalista nem ser ex-jornalista, só assisto ao noticiário indignada.

Letícia Heinzelmann ERA jornalista e hoje estuda Museologia.

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