Aos menos idosos

Por Mario de Almeida* Quando Manuel Bandeira escreveu os versos de “São os do Norte que vêm…”, referia-se aos escritores nordestinos que, a partir …

24/05/2004 00:00
Por Mario de Almeida* Quando Manuel Bandeira escreveu os versos de ?São os do Norte que vêm??, referia-se aos escritores nordestinos que, a partir de 1930, começaram a baixar no Rio. Quando o baiano Caymmi, que acaba de completar 90 anos, cantou ?Peguei um Ita no Norte/ pra vim pro Rio morar/ Adeus meu pai, minha mãe/ Adeus Belém do Pará? ? fingiu-se de paraense, mas na verdade saia da cidade de Salvador. Nem Manuel Bandeira escorregou na Geografia, muito menos Caymmi, na época um baiano-nortista. Acontece que na antiga divisão regional do país, da Bahia para cima, tudo era Norte. O nosso antigo Teatro de Equipe recebeu, pelo menos, duas personalidades, já ?nordestinas? e ambas pernambucanas: Francisco Julião, fundador e líder das Ligas Camponesas, e o poeta Ascenso Ferreira. Ascenso celebrizou-se pelo poema abaixo. Filosofia Hora de comer, ? comer! Hora de dormir, ? dormir! Hora de vadiar, ? vadiar! Hora de trabalhar? ? Pernas pro ar que ninguém é de ferro! Ascenso esteve em Porto Alegre, final dos anos 50 e nós, do Teatro de Equipe, demos um replay de poemas dele encenados em ?Poetas e Poemas? e em ?Rondó 58?. Entre eles, o poema O Gaúcho, que fizera muito sucesso, tanto em Porto Alegre como no Rio, onde levamos ?Esperando Godot?, de Samuel Becket, e ?Rondó 58?. Paulo José fazia o discurso do gaúcho empolgado e outros dois atores diziam que ele tinha broxado. Riscando os cavalos! Tinindo as esporas! Través das coxilhas! Saí de meus pagos em louca arrancada! ? Para quê? ? Para nada! Explico aos mais jovens a fina ironia do nordestino em relação à Revolução de 1930, quando gaúchos folgazões atrelaram seus cavalos no obelisco defronte ao Palácio Monroe, o antigo Senado Federal, estande dos Estados Unidos na Feira Internacional de 1922 e doado ao Rio, então capital federal. A ironia de Ascenso ia fundo na condição de testemunha da miséria de sua terra: Predestinação ? Entre pra dentro, Chiquinha! Entre pra dentro, Chiquinha! No caminho em que você vai, você acaba prostituta! E ela: - Deus te ouça, minha mãe? Deus te ouça? Ascenso denuncia ? com humor ? que para o povão feminino a prostituição era o único caminho certo para a fome zero. Homenzarrão, na faixa de quase dois metros, mistura de raças, Ascenso, poeta de humor imprevisto, não se pejava de seus delicados momentos de lirismo e assim fechava ?Misticismo?: E vinhas vindo? vinhas vindo? na paisagem da rua calma, e o teu vestido era tão lindo que parece que tu vinhas envolvida na tu?alma? * Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de ?Antonio?s, caleidoscópio de um bar? (Ed. Record), ?História do Comércio do Brasil ? Iluminando a memória? (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de ?Trem de Volta ? Teatro de Equipe? (Libretos). maryoalmeyda@mls.com.br