Bia, sua imbecil

Por Lucas Dubin, para Coletiva.net

O paredão não era dos mais polêmicos. Em uma disputa entre Arthur, Fiuk e Thaís, quase todos telespectadores já sabiam que a dentista sairia pela porta da frente. Já o crossfiteiro e o cantor teriam a oportunidade de fazer as pazes e continuar com sua trama (bem sem graça) no programa. Mesmo já sabendo o que iria acontecer, me sentei no sofá e esperei ansiosamente pelo boa noite do Tiago. 

Com milhões de fãs pelo Brasil, essa edição já é a que mais lucrou na história. Cheia de parcerias, a receita do programa pode chegar até R$ 522 bilhões (IstoÉ). Segundo a tabela de preços disponível no site de Negócios da Globo, o comercial de 30 segundos para o mercado nacional custa R$ 508 mil. O interesse é tanto que existe até uma fila de anunciantes - esperando a oportunidade de aparecer no intervalo do programa de maior sucesso atual.

Nesta última terça, enquanto me preparava para ver a eliminação, duas propagandas, entre as dezenas que apareciam para mim, me chamaram a atenção.

A primeira delas, do Nescau, beira a genialidade. O filme de 45 segundos divide a tela em dois: de um lado, por meio de fotos em diferentes idades, acompanhamos a vida de Safira, uma mulher transexual. As cenas são lindas e emocionantes e mostram a trajetória de transição dessa mulher incrível. Por outro lado, enquanto mais de 20 anos se passam na vida de Safira, a tela mostra um canudo no fundo do mar. A vida marinha acontece em volta dela, e o canudo - como já se sabe - não se decompõe. No final, a mensagem aparece na tela: "Se o canudo não muda, a gente muda o canudo. Agora, o Nescau tem 100% de canudos de papel".

Ora, mas há quanto tempo já não sabemos que o plástico é um dos materiais mais

poluentes que existem?

A outra propaganda que é marcante é a do Bradesco. A peça publicitária fala que, a partir de agora, a BIA (inteligência artificial do Bradesco) não vai aceitar mais nenhum tipo de assédio em seu chat. Pelo contrário: vai sempre se posicionar de maneira enfática sobre as agressões. O objetivo é mostrar que as mulheres não se calarão para nenhum tipo de assédio. O primeiro exemplo real de xingamento que o filme traz é "Bia, sua imbecil".

Mas que atire a primeira pedra quem nunca quis chamar seu banco de imbecil. Ainda mais lidando com respostas padronizadas de robôs artificiais. Em 2020, enquanto a maioria dos brasileiros lutava para poder botar um prato de comida na mesa, o Bradesco atingiu um lucro de 16,5 bilhões - segundo balanço da própria empresa. O valor é 26,7% menor do que em 2019, mas podemos concordar que é uma quantia indecente. 

Uma rápida pesquisa nos sites do Nescau e do Bradesco já mostra o compromisso que essas marcas estão tendo em expor suas ações. No caso da Nestlé, uma das primeiras informações que encontramos na página é que a nova política de canudos 100% de papel do Nescau - e com o objetivo de expandir esse projeto para todos os produtos da marca -vai gerar uma redução de 300 milhões de canudos de plástico no meio ambiente. Então, seguindo essa lógica, nós deveríamos ficar agradecidos pela Nestlé diminuir em 300 milhões os canudos que ela mesmo jogava no meio ambiente?

No caso do Bradesco, seu site nos mostra diversas iniciativas apoiadas pelo banco, que vão de projetos sociais em apoio à mulheres, questões de governança corporativa e reconhecimento de equidade de gênero dentro da empresa. Ótimas iniciativas! Mas, na prática, esse banco contribui para a luta das mulheres? Ou só reforça o sistema capitalista com base no patriarcado que oprimiu o gênero feminino ao longo da história?

Em um mundo cada vez mais conectado e consciente, parece óbvio que as empresas têm que se posicionar em questões sociais. E todo tipo de iniciativa é válida. O Nescau, por exemplo, trouxe a história de uma mulher trans para o horário nobre da televisão brasileira. Já o Bradesco, mostra que as mulheres não vão se calar por anos de assédio e agressões.

O grande problema é que, no fim do dia, é impossível dizer se essas grandes corporações realmente se importam com essas causas ou só utilizam-se delas para fortalecer sua marca e poder atingir ainda mais o seu objetivo final: o lucro.

Representatividade importa e trazer essas questões para as grandes empresas já é um grande avanço na sociedade. Mas não podemos nos contentar e achar que só isso basta. Não basta. Precisamos de ações mais contundentes de todas as empresas que se dizem preocupadas com questões sociais. 

Senão, elas não estão fazendo nada mais do que suas obrigações.

Lucas Dubin é publicitário.

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