Por Carlos Brickmann
Na época em que um grupo de pessoas se reuniu no Brasil para jogar sua vida e seu dinheiro na luta pela República e contra a escravidão, um inglês de raro talento, John Ruskin, dizia que dificilmente existirá alguma coisa que alguém não possa fazer um pouco pior e vender um pouco mais barato. Aqueles homens notáveis fundaram
A Província de S.Paulo (hoje
O Estado de S.Paulo) e o
Diário Popular (hoje
Diário de S.Paulo). Tiveram êxito: seus jornais cresceram, foram vitoriosas suas lutas, a escravidão foi abolida e a República tomou o lugar da monarquia, seus nomes foram perpetuados em ruas e praças de São Paulo. E seus jornais, bem aceitos pelo público, tiveram lucros, puderam investir, cresceram.
O Estado de S.Paulo foi, por longos anos, um dos jornais mais poderosos do país - e mesmo hoje, longe do que já foi, está entre os mais influentes veículos impressos. Os jornais cresceram oferecendo a seu público aquilo de que necessitava: informações, muitas delas exclusivas, boas histórias, análises bem feitas do cenário nacional e internacional. Houve tempos em que o editor de Economia do
Estado, Frederick Heller, era visitado pelo todo-poderoso ministro Delfim Netto em todas as suas viagens a São Paulo. O
Estado teve participação decisiva na criação da Universidade de São Paulo; com Júlio de Mesquita Filho, traduziu para o português boa parte das expressões utilizadas até então no
football; e teve também papel de destaque na consolidação do teatro brasileiro, com críticos notáveis como Décio de Almeida Prado e Sábato Magaldi. O
Estado buscava incessantemente a excelência. E a excelência do pessoal que lá trabalhava se refletia na excelência do produto. Comprar o
Estado demonstrava que o leitor fazia questão de dispor de notícias de boa qualidade e bem escritas. A situação hoje é outra: as informações, antes raras e caras, hoje são abundantes e baratas; é possível se informar de graça pela internet (não tão bem quanto nos grandes jornais impressos, mas dá para passar batido); a alta do dólar joga o preço do papel às alturas, e até o combustível necessário para movimentar aquele imenso volume de papel pesa no custo da empresa. Há dúvidas a respeito da sobrevivência dos jornais impressos como informativos de massa. A publicidade é dividida entre mais concorrentes. E, no entanto, quando os indicadores são bons mas quem os interpreta não entende o que dizem, o caminho correto é abandonado. Um grande jornal pode ser eletrônico sem perder a qualidade - ao contrário, vai ganhar em atualidade, em recursos gráficos, em capacidade de atingir o grande público. O problema não é o papel ou a tela: é o que transmite. As excelentes Bíblias em pergaminho lindamente ilustrado foram substituídas por Bíblias em papel impresso e isso contribuiu para difundir as religiões bíblicas, não para circunscrevê-las. Não importam as dificuldades, as etapas de transição, as disputas internas: o importante é lembrar, o tempo todo, que bom jornalismo é feito por bons jornalistas. Demissões em massa, como as que ocorrem agora em diversos veículos, e nas quais o critério básico parece ser o tamanho do salário de quem será atingido, servem apenas para reduzir a qualidade do jornalismo, com o efeito inevitável de abandonar o público leitor (e ser abandonado por ele). Menos leitores, menor circulação, menos publicidade, menor faturamento; e, daqui a algum tempo, novos cortes - esperando-se, ingenuamente, que o mesmo remédio que já não deu certo, que nunca deu certo, de repente funcione se for aplicado de novo, em doses ainda mais cavalares.
A estrela desce O título desta coluna é o de um excelente filme do grande diretor Billy Wilder, com William Holden, Gloria Swanson e Erich von Stroheim. O filme narra a história de uma estrela do cinema mudo (Norma Desmond, interpretada por Gloria Swanson - ela mesma uma estrela do cinema mudo que o filme falado aos poucos triturou). Seu sonho é retornar triunfalmente ao cinema e reviver os dias de sucesso. Não conseguia se adaptar aos novos tempos - até mesmo seu automóvel, um esplêndido Isotta-Fraschini, era de outras eras. Norma Desmond enlouqueceu, acreditando que voltara a ser estrela. O que ocorre com os jornais brasileiros é algo parecido: acreditam que fazer loucuras demitindo seus bons profissionais é a maneira de retornar ao estrelato. Está errado; e os poderosos proprietários, os deuses da imprensa, correm o sério risco de enfrentar seu irremediável crepúsculo.
O artigo foi publicado originalmente no site Observatório da Imprensa.
Crepúsculo dos deuses
Por Carlos Brickmann Na época em que um grupo de pessoas se reuniu no Brasil para jogar sua vida e seu dinheiro na luta …
20/04/2015 17:00
/ Atualizado em 20/04/2015 15:45