Dores e delícias de "perfilar"

Por Márcia Christofoli, para Coletiva.net

A missão: abrir a sequência de artigos que serão publicados em homenagem aos 21 anos de Coletiva.net, compartilhando com o público algo muito marcante na minha história com o portal. Bem, muitos sabem que faço parte da metade dessa vida, tendo começado como estagiária e chegando à sócia-diretora, ou publisher, como se chamam os responsáveis por revistas. Uma das coisas que qualquer jornalista no meu lugar mais sentiria falta é de reportar. Ou seja, deixar um pouco de lado o sangue de repórter e dar lugar às demandas que uma gestão exige.

Como nunca quis abandonar de vez "a mão na massa", encontrei ao longo dos últimos quatro anos algumas formas de me manter no ofício. Uma delas foi ter voltado a escrever para a editoria de Perfil. Claro que não com a frequência que gostaria, mas sem deixar passar a oportunidade de contar boas histórias - afinal, essa é e sempre será uma das grandes missões do Jornalismo. 

Poderia citar tanta coisa. Pensar na minha trajetória dentro de Coletiva.net me causa muita nostalgia e me traz dificuldades de escolher situações. Optei, então, por falar desse algo que muito fiz. Muito mesmo: escrevi mais de 100 perfis. No início, era um martírio. O primeiro, então, foram diversas horas aprendendo a decupar, escolhendo o que usar, lendo diversos textos já publicados, pedindo opinião e, antes de entregar ao editor, mandei até para o meu tio, que é professor de Português. De lá pra cá, meu Deus, quantas coisas já aconteceram nessas produções! E, ao fazer o resgate, eis algumas situações enfrentadas nesta editoria tão peculiar:

> Escrevi que o autor BRASILEIRO preferido do meu entrevistado era Fernando Pessoa. Antes que alguns pensem que ele me disse errado e eu fui induzida ao erro (o que seria grotesco), o que este afirmou era que Pessoa era o favorito "da língua portuguesa". O "equívoco" gerou puxões de orelha do editor e, inclusive, virou história clássica até na minha família.

> No início, compartilhava com pessoas mais velhas e que tinham alguma intimidade com o mercado da comunicação quem seriam meus entrevistados. Isso me ajudava na hora de fazer o tema de casa e investigar o sujeito. Marquei o bate-papo, fui cheia de informações e algumas perguntas não faziam sentido para a fonte. Até que ele mesmo se deu conta: "Sabia que tenho um homônimo em Porto Alegre? E ele também é da mesma área que eu". Ou seja, entrevistei a pessoa errada! Ainda bem que o cara também tinha uma história interessante...

> Marquei a entrevista para a primeira hora da tarde - aquele clássico pós-almoço. O entrevistado era tão, mas tão entediante, que comecei a sentir um sono incontrolável. Era inverno e eu estava toda encolhida de frio, o que me favorecia para disfarçar os beliscões que dava em mim mesma por baixo da roupa. Até que nem isso mais fazia efeito. Pedi com licença, interrompi a entrevista no meio e pedi para ir ao banheiro. Estava apertada? Nada. Precisava era caminhar e lavar o rosto.

> Uma única vez marquei duas entrevistas no mesmo dia, uma em cada turno. Chegando na primeira, percebi que estava sem o gravador digital - aliás, saibam que comecei a saga de perfis com gravador de fita! Ainda pouco adepta de certas tecnologias, tentei adquirir o equipamento de última hora. Não deu. Fui ao celular. Aplicativo encontrado, baixado e testado - isso já no elevador do primeiro compromisso. Cerca de uma hora e pouco de conversa depois, saí correndo pra dar tempo de almoçar e cheguei no segundo destino. Desta vez, quase duas horas de bate-papo. Entrei no carro e lembrei de conferir se estava tudo ok com os áudios. Surpresa: se não colocasse no modo avião, a gravação interrompia ao primeiro sinal de qualquer notificação no celular. Ou seja, gravei pouco mais de um minuto da primeira entrevista e cerca de 10 segundos da segunda. Ainda bem que sempre tive excelente memória. 

> Rafinha Bastos em Porto Alegre! Era a chance de conseguir entrevistá-lo, já que era jornalista por formação, gaúcho e estava no auge da fama. Consegui. Foram "longos" 12 minutos de entrevista exclusiva. Sim, 12 minutos para escrever um texto que precisava de uma média de 8.500 caracteres. O jeito foi ficar para assistir à palestra que ele fora dar e aproveitar para pegar informações extras.

> Quem decupa longas entrevistas sabe o trabalho que dá. Além do mais, escrever perfil exige um texto mais literário, menos hard news e também muito cuidado ao contar sobre a vida de alguém que se propõe a abrir o coração. Cheguei na redação após uma madrugada "perfilando" - verbo utilizado até hoje internamente - e fui baixar o arquivo para entregar a matéria ao editor, mas percebi que não havia salvado corretamente. Horas de desespero, procurando no Google uma forma de resgatar o arquivo, conversando com amigos da área de tecnologia e simplesmente não teve solução. Com um deadline absurdamente apertado e uma pressão imensa para entregar algo decente, tive que ouvir e escrever tudo novamente.

 

Poderia escrever muito mais. Mesmo. Tantas e tantas situações inusitadas. Porém, ficaria ainda mais extenso e maçante ao leitor. O fato é que entre esses quase 100 nomes, já entrevistei gente que sonhava em ouvir, já fui para entrevista sem ter a menor noção de quem era o sujeito (crianças, não façam isso, é feio e fere as técnicas básicas do bom Jornalismo). Tenho na lista jornalistas (do alto escalão à base da pirâmide), publicitários (idem), relações-públicas, profissionais de marketing, professores, fotógrafos, políticos, fornecedores da comunicação (gráficas e produtoras, por exemplo), pessoas muito jovens, consideradas prodígios, e outras bem mais velhas - aliás, já tive que noticiar o falecimento de alguns deles, de ambos os grupos.

Tive entrevistas curtíssimas (como a de 12 minutos) e outras que duraram quase três horas. Já me decepcionei com entrevistados com os quais tinha alta expectativa e já fui positivamente surpreendida com histórias incríveis. Já senti vontade de vomitar com causos contados, já voltei pra redação ou pra casa extremamente irritada com fonte arrogante, mas também perdidamente apaixonada por certos (as) 'perfilados (as)'. Já ouvi muita história em off e também já me emocionei junto com a fonte - gente, tive entrevistado que chegou a soluçar, de tanto que chorou, impossível ficar imune a uma cena dessas. 

Bem, falta pouco para eu me afastar das atividades de Coletiva.net - seja no ofício ou no desafio da gestão. Vou me dedicar à pauta mais importante da minha vida, que será a chegada do primeiro filho. A certeza que fica é a de que, assim que retornar, uma coisa é certa: voltarei a ''perfilar''.

Primeira a assinar a sequência de artigos comemorativos aos 21 anos de Coletiva.net, Márcia Christofoli é jornalista e publisher do portal. Entrou na empresa em 2009 como estagiária e há quatro anos assumiu o comando do veículo.

Comentários