Esqueceram do básico nessa campanha eleitoral

Por Fabio Berti, para Coletiva.net

Fabio Berti - Reprodução

Nos últimos 30 anos, desempenhei inúmeras funções em campanhas eleitorais. Fiz reportagens, organizei debates, comandei coberturas. No outro lado do balcão, planejei campanhas, criei materiais gráficos, editei áudio e vídeo, escrevi letras de jingles(!), redigi textos para gravações de candidatos. Ainda, lecionei a disciplina Marketing Político por mais de cinco anos na universidade. Faltou apenas ser o próprio candidato. Em todo esse tempo, jamais testemunhei tamanha pobreza de conteúdos nas propagandas, principalmente em rádio e TV.

Sim, estamos em 2022, onde o ambiente digital centraliza as estratégias. Hipotéticos novos gurus da comunicação, os futurólogos envergonhados da antiga alcunha de 'marketeiros', foram contaminados pela síndrome do objeto brilhante nas redes sociais, ambiente fértil para interação, porém nem sempre conseguindo transformar KPIs em leads. Ou seja, boas métricas de engajamento não são garantia de votos. 

No ambiente digital, as aberrações aparecem ainda com maior evidência, pois muito poucos são fadados - ou bons alunos - tanto quanto um ex-mandatário que atuou quase exclusivamente por meio dos perfis do próprio governo. Tem outro candidato ao mesmo cargo que aparece quase cochilando nos vídeos nas redes, embora as vinhetas e edição sejam compatíveis com um típico blogueirinho. Não se trata de preconceito, mas de habilidade para valorizar as características e personalidade do protagonista.

O processo de decisão do voto ainda demanda o uso de mídias tradicionais. Dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), conduzido pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop-Unicamp) logo após as eleições gerais de 2018, enfatizam que acompanhar os debates entre candidatos na televisão foi a ação considerada mais importante pelos brasileiros nas eleições presidenciais de 2014 e de 2018. Mesmo que o principal cargo tenha sido conquistado por alguém que não compareceu aos debates. Tema esse bem peculiar e exaustivamente já analisado.

O estudo também aponta o horário gratuito de propaganda eleitoral em rádio e TV como espaço relevante para a decisão de voto, embora a sistemática queda na audiência geral nesses veículos. O HGPE neste ano está mais para programa de comédia na faixa nobre. Fulano usa um slogan mórbido: "não vai ser Ayrton Senna, que morreu na curva". Beltranos imitam as vinhetas dos canais esportivos quando apresentam a escalação dos times de futebol com os jogadores fazendo gracinhas, apontando para o céu e, uns que outros, fazendo arminha com as mãos. Sicranos, muitos deles, e em todos os cargos, prometem gerar emprego e renda, evidentemente, sem dizer como. 

Outros tantos dizem carregar a "bandeira" da educação, que tem cores diferentes conforme o campo ideológico. Ah, e têm os anacrônicos: uns que vão expropriar empresas privadas e outros que vão privatizar você. Tem a turma do formol, bom produto para conservação do corpo. Por fim, os que se referem a Deus sem sequer conhecer o segundo mandamento da sua Lei, que proíbe tomar seu Santo Nome em vão.

Entre o fulano e todas as demais categorias citadas, não tem uma novidadezinha sequer. É de uma pobreza intelectual e criativa sem precedentes. Que regredimos décadas nos últimos anos (finalmente entendi o que o JK quis dizer com os 50 anos em cinco), está evidente. Que a maioria da população está novamente precisando do básico, não tem como negar. Mas emprego e renda, assim aleatórios, não dá mais!

Nosso povo da comunicação e do marketing propala que o grande segredo do sucesso na comunicação é o conteúdo, independentemente da forma. Pois é, amigos... Nesse ano, faltaram conteúdo e forma. Tomara que isso acabe logo.

Fabio Berti é jornalista, professor universitário e doutor em Educação em Ciências pela Ufrgs.

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