Homenagem para Ruy

Por Ricardo Stefanelli

02/07/2025 17:24
Homenagem para Ruy /Crédito: Reprodução

O texto, do jornalista Ricardo Stefanelli, foi originalmente escrito nas redes sociais do comunicador e autorizado a ser publicado em Coletiva.net, na semana da morte do Professor e jornalista Ruy Carlos Ostermann. 

Desde que eu soube da morte do Professor, fiquei mais encantado em ler sobre ele do que tentado a escrever. E que maravilha ler esse mosaico de relatos emocionados e unânimes que tentam descrever uma pessoa de trajetória tão impressionante, diferenciada e rica que, parece, incapaz de caber em um texto.

Incrível como o Professor conseguiu transformar o substantivo comum masculino professor em Nome Próprio, com o P sempre maiúsculo. Ele dignificou o ofício. A expressão Professor o definia, sob todas as circunstâncias que se queira imaginar na filosofia, na cultura, na educação, no futebol, no microfone, nos textos e, em especial, no dia a dia.

Nunca foi preciso chamá-lo pelo nome, lindo, potente e sonoro aliás, sinônimo de qualidade e gentileza. A palavra Professor, quando ele estava no ambiente ou não, virou nome próprio, um chamado a alguém específico e especial, uma reverência "a quem professa ou ensina uma ciência, uma arte, uma técnica", como consta no Aurélio, que, ao contrário do Professor, transformou seu nome próprio em sinônimo de dicionário, num substantivo.

Adorávamos, nós súditos e colegas, a forma britânica como o Professor comentava pausada e filosoficamente ao microfone ou conversava na informalidade da Redação, colocando acentos tônicos onde ele bem entendesse: "álto, fórte, vigorôso, um jogadôr que tem a sabedoría de dominár tôdos os espáços do cámpo" ... ou quando, sempre generoso como era, o Professor elogiava o texto de alguém: "um têxto mag-ní-fi-ca-mên-te lapidádo, uma obra à altúra de seu autôr". Os advérbios de modo, os que terminam com o sufixo mente, tinham três ou mais sílabas tônicas na voz acolhedora do Professor. E soava natural. Autoral. Uma marca registrada e admirada.

Quando ele telefonava para a Redação após uma partida noturna para registrar em um tópico de sua coluna as suas impressões sobre aquele jogo que recém se encerrara, havia um misto de receio e orgulho. Não eram todos os escolhidos a ser fiel à sabedoria oral. Aos que conseguiam tal proeza, ele rasgava eloquêntes elogíos no dia seguinte e, de forma sutil, o indicava para a próxima rodada. Era quase uma escala disputada.

Como ouvinte de rádio por anos e anos antes de ter o privilégio de ser seu colega, não lembro de ter escutado um jogo de futebol ruim quando comentado pelo Professor. Como ninguém jamais fez, o Professor transformava peladas em partidas para a história, gols bizarros em pinturas mágicas, e jogadores comuns em "atlétás nôtáveis, esfôrçádos e destemídos". Na voz cadenciada dele, a embarrada Pedra Moura parecia Wembley; e o Gauchão, a Premier League.

O Professor não sabia apenas sorrir, ele dava gargalhadas também em sílaba tônica, que transformavam o ambiente em um palco de ópera, fosse o bar da Redação ou na van a caminho do estádio. Vou lembrar do Professor sempre assim, expressivo, altissonante, loquaz, tão fórte como uma foto preto e branco. 

Ricardo Stefanelli é jornalista e gerente executivo de Conteúdo.