Em Gaza, o horror tem rosto, nome, profissão e missão. Desde o início dos bombardeios israelenses, quase 200 jornalistas foram brutalmente assassinados - o maior massacre de profissionais da imprensa já registrado na história contemporânea.
Um número quase três vezes maior do que os mortos nas duas Guerras Mundiais, segundo o Comitê de Proteção de Jornalistas. Além disso, 90 jornalistas foram presos por Israel nesse período. A ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) já apresentou quatro denúncias ao Tribunal Penal Internacional, acusando Israel de crimes de guerra contra a imprensa.
É impossível não se revoltar. Cada jornalista morto é uma voz calada, uma verdade interrompida, uma lente que se fecha para o mundo. Cada corpo tombado no exercício da profissão representa um atentado não apenas contra indivíduos, mas contra o próprio direito de saber. A crueldade é tamanha, que profissionais morrem de fome junto à penúria da população remanescente em Gaza.
Os ataques do Estado assassino de Israel são crimes de guerra. Assassinar jornalistas é tentar apagar os rastros do que se quer esconder: genocídio, limpeza étnica, apartheid.
Neste cenário sombrio, lembrar o papel essencial do jornalismo é mais urgente do que nunca. Em tempos de manipulação algorítmica pelas big techs, de fake news viralizadas em segundos, a informação de qualidade é a principal trincheira contra a mentira. Defender o jornalismo é defender a democracia e os direitos humanos. E para que essa luta seja possível, é preciso valorizar quem a faz: os e as jornalistas. Profissionais formados, com ética, técnica, apuração rigorosa e compromisso público.
No Brasil, vivemos o pesadelo do negacionismo durante o governo Jair Bolsonaro. Jornalistas foram perseguidos, desacreditados, agredidos, especialmente mulheres num recorte também misógino. A liberdade de imprensa foi atacada dia após dia.
E o desmonte da exigência do diploma - uma conquista histórica da categoria - foi mais uma ferida aberta há mais tempo por quem se incomoda com a verdade. Profissionalizar a comunicação é uma defesa contra o obscurantismo e retomar a obrigatoriedade do diploma é uma luta central para a qualidade da informação.
A sustentabilidade da produção de informação jornalística também foi gravemente afetada pela atuação predatória das plataformas digitais. As big techs concentram lucros bilionários com publicidade, mas não devolvem à sociedade nenhum compromisso com a informação responsável.
É por isso que a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) defende a taxação dessas plataformas, por meio de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), e a criação do Fundo Nacional de Apoio e Fomento ao Jornalismo (Funajor). A informação é um bem público - e precisa de políticas públicas para sobreviver.
É nesse contexto que, neste 18 de agosto, tomou posse a nova direção da Fenaj, com a reeleição da presidenta Samira Castro. A entidade assume compromissos inadiáveis: a retomada da obrigatoriedade do diploma, a valorização dos jornalistas, a defesa da liberdade de imprensa, a regulação das big techs e a criação de um modelo sustentável para o jornalismo brasileiro.
Não há democracia sem jornalismo. Não há jornalismo sem jornalistas vivos. Que a luta por verdade e justiça não morra com eles. Que a morte dos colegas em Gaza nos convoque a agir - em memória deles e em defesa de todos nós.
Sobre a autora: Stela Pastore é jornalista, integrante da diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul