Mestre de Cerimônias, muito mais do que ler em voz alta!

Por Christian Jung, para Coletiva.net

Crédito: Arquivo pessoal

Sempre me despertou a curiosidade para entender o que realmente diferencia o profissional que atua na área de Comunicação, em especial o mestre de cerimônias. Específico esse e a ele me atenho por ser a minha profissão: Mestre de Cerimônias no Cerimonial Público.

O que o diferencia dos demais profissionais? O que o torna mais eficiente na função que exerce? O que chama a atenção das pessoas que o assistem?

Vamos lá. 

Entre o cerimonial público e o privado há diferença na escolha e na atuação do mestre de cerimônias. No privado privilegia-se, muitas vezes, o que o profissional representa em detrimento de como apresenta - e aqui me refiro a apresentação como dinâmica de leitura e condução do evento. No privado, a preferência é por personalidades que se destacam na mídia, reconhecidas pela beleza estética e até pelo número de seguidores em rede social. Nesses casos, o apresentador não é um instrumento de trabalho, é atração no trabalho.

Atente-se para o fato de que não estou dizendo que a contratação dessas pessoas não esteja ligada a competência e profissionalismo, todavia a preocupação tem mais a ver com o que a imagem dele vai agregar ao evento do que a uma execução técnica eficiente do trabalho.

Para nós que atuamos na área pública, atendendo as mais altas autoridades do setor - que geralmente não fomos contratados pelos olhos azuis (a despeito de tê-los) - a atualização constante na forma de atuar na frente da tribuna é fundamental. Diante disso, curioso para entender a ciência que embasa a boa apresentação e disposto a fazer uma radiografia da linguagem do mestre de cerimônias, conversei com a fonoaudióloga Leny Kyrillos, doutora em voz, mestre e uma das maiores referências do setor no Brasil.

De forma cirúrgica, Leny  pontuou quais as conexões que são necessárias para que consigamos desenvolver de forma natural a leitura dos roteiros e, por consequência, permitir o bom andamento das solenidades. Usando a expressão da moda, a doutora foi direto ao ponto focal da nossa conversa: "pra começar, a leitura e a fala são situações diferentes. Dessa maneira envolvem áreas diferentes do cérebro".

O mestre de cerimônias tem um grande desafio porque a leitura dele é fala para quem está escutando. Na verdade, tem que parecer fala. Porém a fala tem características diferentes, então o primeiro ponto a ser observado é em relação ao texto. 

É necessário que a pessoa que redige o roteiro considere algumas regras básicas. A começar por usar frases curtas, em ordem direta e de preferência em voz ativa. 

Afirma-se no lugar de negar, o que para o cérebro é mais difícil de compreender. A palavra "não" é uma abstração. O "não", por si só, não diz nada, logo o cérebro se fixa no que vem depois do "não". O uso de uma linguagem negativa acaba por provocar o comportamento inverso. Em lugar de "se beber não dirija" use "se beber, chame um táxi".

Quando você consegue organizar um texto dessa maneira a leitura se aproxima muito mais da fala. 

O que difere uma leitura com cara de fala e uma leitura com cara de leitura é a possibilidade da leitura com cara de fala surpreender as pessoas.

Segue Leny Kyrillos na sua explicação.

A fala natural se caracteriza por variar de acordo com o conteúdo. Ter na fala alguma característica que remeta a uma previsibilidade poderá levar sua interpretação a algo artificial tanto quanto monótono. Por exemplo, se ao ler as frases eu sempre encerro para baixo ou, ao contrário, todas eu encerro para cima, a leitura se torna previsível para os ouvintes.

Portanto, vale a pena conhecermos os recursos que a comunicação vocal nos oferece para que tenhamos uma fala natural ou, pode se dizer também, espontânea.

A "ênfase" é um desses instrumentos da voz. É natural que na conversa com outras pessoas enfatizemos determinados trechos, aqueles que consideramos mais relevantes. Uma mesma frase pode ter diferentes interpretações, de acordo com a ênfase.

Imagine que você marcou um encontro com uma pessoa, no centro da cidade e em um dia de chuva, mas não compareceu. No outro dia quando você encontrá-la, ouve a seguinte frase: "eu fiquei esperando você meia hora, no centro da cidade, e estava chovendo". Se o autor da frase der ênfase para o "eu", significa que ele quer ressaltar a importância dele para você; se a ênfase foi no "meia hora", o que o incomodou foi o tempo perdido; se for para o "centro da cidade", o problema foi o local; e, claro, se a ênfase estiver na chuva, não tenha dúvida, peça desculpa na hora.

Com o texto escrito funciona da mesma maneira. Enfatize os trechos mais importantes. Para isso, sugiro que grife as palavras que você queira destacar no texto. Ao ler essas palavras, você naturalmente mudará a forma de falar e o público perceberá sua intenção.

Outro recurso importante é a "pausa".

Normalmente, quando pensamos em leitura, consideramos uma "pausa pequena" para a vírgula e uma "pausa maior" para o ponto. Mas saiba que na fala a pausa pode tornar a leitura ainda mais rica, pois temos muito mais possibilidades. Posso usar a pausa para separar blocos de significado e essa é uma função didática. Devo usar a pausa para gerar surpresa ou suspense na emissão. Se na escrita é pecado colocar vírgula entre sujeito e verbo, a fala me permite fazer uma pausa entre os dois elementos da frase. E por ser uma pausa deslocada, chama atenção da plateia e gera suspense.

Você pode e deve usar a pausa como forma de interação. Durante o discurso, ao fazer a pausa, aproveite para olhar as pessoas e assim retomar o contato com a plateia, evitando ficar com a cabeça baixa e voltada para o papel durante todo o tempo. O olhar após a pausa cria conexão com a audiência. Esse é um recurso muito utilizado pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Ele usa muito e com muita propriedade.

Outro recurso interessante é a maneira como se finaliza cada frase. Chamamos de curva melódica. Posso terminar com ascendência e com isso construo a percepção de surpresa, de alegria ou de comemoração. Ou posso terminar de forma descendente, o que dá a ideia de estar lastimando um fato, falando algo mais sério. Posso terminar também de forma mais lenta quando uma informação é apenas uma constatação.

Como cada frase é pensada em termos de intenção é muito importante que você faça variações diferentes de finalização tornando a fala mais agradável.

Sugere-se também variar a velocidade de fala. Em alguns trechos, falar mais rapidamente e em outros mais lentamente, principalmente quando você tem efeito de oposição.

Variar a intensidade da voz também colabora e muito. Você pode falar mais forte quando quiser chamar a atenção ou diminuir a intensidade em determinados momentos para gerar curiosidade. Isso é muito comum na fala espontânea.

Finalmente temos ainda a possibilidade de variar a duração das vogais, movimento que está diretamente ligado ao nível de objetividade do que estamos dizendo. Quanto mais longas as vogais, maior a percepção de subjetividade.

Posso dizer que "as pessoas voltaaaaram pra casa". Isso é muito mais subjetivo do que se eu falar a mesma coisa com a vogal curta: "as pessoas voltaram pra casa!".

Guarde essa regra: em trechos mais objetivos, você encurta a vogal, e nos trechos mais emocionais, você prolonga a vogal.

São exemplos de formas que se pode utilizar para deixar a leitura mais interpretativa. Na prática, é uma leitura com propósito. Precisamos entender o que quer dizer cada trecho. É uma informação? Um alerta? Uma crítica? Ou uma ironia? Saber qual é a sua intenção no momento de redigir o texto ajudará na hora da leitura. É como pintar a leitura com as cores da nossa intenção, ensina Leny Kyrillos.

Respondendo a minha curiosidade inicial deste artigo: o que diferencia o mestre de cerimônia daqueles que apenas leem textos em voz alta é o fato de, a partir de treinamento e observação, nos transformarmos em atores de nós mesmos, interpretando de forma natural e espontânea o roteiro oficial. Explorando com precisão a riqueza que os recursos da comunicação nos oferecem, o público perceberá que ocupamos a tribuna porque sabemos dar o tom certo na hora certa para a solenidade certa. Que somos mestres da comunicação!

Christian Jung é publicitário, locutor e mestre de cerimônias.

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