O Brasil de Darwin

Por Luiz Octávio Vieira

31/01/2017 18:11
Em horas assim, muitos se perguntam a razão pela qual o brasileiro comum é tão inerme, tão passivo?  Sociedades outras há que reagem, se indispõem e definitivamente não aceitam os desmandos dos homens públicos. Aqui, eles fazem e desfazem. Alguns são descarados, solertes e debochados. E nós seguimos cogitando do futebol no fim de semana e, como escreveu um antropólogo, carnavalizando os fatos da vida. Ensinam que este comportamento a revelar baixíssima auto estima do nosso povo reporta-se a ainda marcante memória dos tempos da escravidão. Essa memória, eu a atesto. Afinal, nasci no Rio de Janeiro. Lá está o cais do Valongo, o local da chegada de milhares de africanos. E dos leilões das "peças", como eram chamados. E a marca ficou. Edifícios em condomínio são construídos com elevadores sociais e elevadores de serviço?. Donas de casa seguem às feiras acompanhadas, dois passos, atrás pelas indefectíveis empregadas domésticas, eufemisticamente denominadas atualmente de auxiliares ou secretárias, a puxarem também os indefectíveis carrinhos. Quem se lembra das gravuras do Debret, lembra-se do quadro a retratar o tabelião que caminha pomposo, seguido de dois negrinhos, seus auxiliares, um a carregar o tinteiro e outro, a pena. Charles Darwin que esteve pelo Rio em abril de 1832 relata que no retorno de Cabo Frio, ao atravessar braço de rio, deu-se com um balseiro que parecia não entender o que falava. No esforço para ser entendido, o inglês aumentou o tom de voz e, ao gesticular, levou a mão muito próximo da face do mesmo. Escreveu então em seu diário o naturalista: "Ele, imagino, pensou eu estivesse irado, e que fosse agredi-lo. De pronto, olhar apavorado entrevisto nas pálpebras semicerradas, baixou as mãos ao longo do corpo. Nunca esquecerei meu sentimento de surpresa, desgosto e vergonha ao ver aquele negro forte, alto, com receio de que eu pudesse atingi-lo. O negro fora levado pela escravidão a se degradar ainda mais baixo que o mais inofensivo animal". Assim, dá para começar a entender que o Brasil de hoje ainda é o Brasil de Darwin. Não evoluímos grande coisa. Luiz Octávio Vieira é advogado e médico.