O "comentarista jornalista" foi para o banco de reservas

Por Nando Gross, para Coletiva.net

Nando Gross - Reprodução/Linkedin

Após a Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, vencida pela Itália, o cenário do comentário esportivo nas transmissões de futebol parecia caminhar para uma análise mais exigente do jogo, baseada em dados concretos e não apenas na visão do comentarista. Havia uma tendência de que isso fosse acontecer, mas, na verdade, o que constatamos é que isso foi se tornando apenas um "nicho", hospedado em canais especializados ou sites esportivos, enquanto na mídia tradicional, rádio e televisão, o enfoque atual é outro.

Quando comecei na Rádio Gaúcha a analisar o jogo com mais detalhamento e trazendo dados estatísticos de desempenho dos times, houve um movimento contrário daqueles que achavam que o futebol era "coisa simples" e 4-2-3-1 era "linha de ônibus e não futebol". Diversas vezes fui aconselhado a não fazer isso. A questão era conceitual, normal dentro do debate interno no jornalismo, mas tudo apontava para um aprofundamento do comentário e, consequentemente, uma valorização do comentarista. Durou pouco, atualmente, o "comentarista jornalista" cada vez tem menos espaço, a prioridade é para ex-jogadores e comunicadores torcedores ou até mesmo "ex-jogadores torcedores".

Sempre tivemos ex-jogadores comentando futebol em órgãos de imprensa, o jornalista Paulo Vinícius Coelho lembrou recentemente, quando deixou a Globo, que lá atrás Leônidas da Silva foi comentarista, logo não é esta a questão. O problema é que aquilo que começou como algo episódico, normalizou-se nas transmissões esportivas e o que deveria ter sido um fator agregador, acabou se tornando uma substituição, uma troca de modelo, do comentarista jornalista para o comentarista ex-jogador.

No rádio de Porto Alegre está acontecendo outro fenômeno que também torna secundário o comentarista jornalista, o comunicador torcedor, o chamado "identificado". Por conta de uma concorrência com vários canais no YouTube, o rádio agregou junto ao comentarista do jogo a figura do "torcedor", inclusive, em alguns casos, o comentário da partida fica sendo somente o "comentarista torcedor".

Aqui não pretendo entrar no mérito daquilo que está certo ou errado, apenas constatar o estreitamento que aconteceu para o comentarista jornalista, pois enquanto muitos apostavam na tendência de uma análise mais aprofundada do jogo, o movimento contrário acabou sendo avassalador.

Até mesmo comentaristas jornalistas em atividade na mídia tradicional fizeram coro a este discurso, definiram como "besteira" trabalhar com dados e passaram a atacar quem fazia isso, Paulo Vinícius Coelho, o PVC, foi o alvo preferido. O resultado parece ter sido alcançado até o momento, hoje análises mais detalhadas do jogo não existem nos canais tradicionais de rádio e televisão.

Sempre tive a clareza de entender o meu público-alvo e nunca defendi uma linguagem técnica ou incompreensível, sou um comentarista jornalista, logo minha preocupação sempre foi com o entendimento da mensagem, do que adianta falar e não ser compreendido, esta deve ser a principal preocupação, mas é importante agregar conhecimento para o seu receptor e não apenas adotar a prática de "dar ao público aquilo que ele quer consumir". É preciso oferecer algo mais, que traga algum novo valor para somar a quem está lhe acompanhando.

O que estamos vivendo é a estética do exagero, onde a moderação se tornou caretice e uma conversa mais aprofundada virou coisa de "riponga". O importante é gerar conteúdo para um "corte" bombástico. O número de "likes" determina a relevância.

Este modelo limita cada vez mais a participação do comentarista jornalista e diminui a sua participação no cenário das transmissões esportivas.

É importante entender a diferença entre um jornalista esportivo que revele seu time, com o chamado "identificado". Não há nenhum problema em dizer para qual time você torce, a questão é definir o seu procedimento na atuação profissional, se ele será como jornalista, torcedor ou os dois, é fundamental que o receptor entenda quem está se comunicando com ele.

O rádio gaúcho está com dificuldades para entender qual o seu procedimento no meio deste mundo digital e de rádios identificadas. Devem copiar o modelo ou buscar a fórmula dentro da sua própria linguagem? Todos os movimentos feitos até agora deixam claro o esvaziamento do comentarista jornalista, em algumas transmissões são vários convidados para comentar, além dos "identificados". Esta é a fórmula, certa ou errada é o que a maioria vem fazendo, mas é inegável que o comentarista jornalista cada vez mais se torna irrelevante, não por sua culpa, mas pelo modelo de transmissão que vem sendo adotado.

Como será no futuro? Difícil apontar para onde vai, mas irá mudar, com certeza, porque é assim que a roda gira. Acho que estamos em meio a uma transição, onde chegaremos é o que vamos ver, mas a mudança ainda está em andamento.

Pessoalmente, desejo vida longa ao comentarista jornalista nas transmissões esportivas de todas as plataformas.

Nando Gross é jornalista.

Comentários