O consultor ambidestro: entre o humano e a IA*

De Vanessa Ferraz, para o Coletiva.net

24/06/2025 18:10
O consultor ambidestro: entre o humano e a IA* /Crédito: Arquivo Pessoal

Inovar significa aprender a medir o que antes parecia imensurável

Enquanto almoçava com uma colega jornalista, brincávamos, entre garfadas e confidências, que nossa nova melhor amiga é a inteligência artificial. Os risos logo deram lugar à constatação: passamos horas debatendo com a IA tudo o que estamos entregando. E mais ? percebemos que só damos conta de tudo graças a essa ajuda.

O jornalismo mudou profundamente. Com ele, a consultoria de comunicação também vem se transformando. As fronteiras entre jornalistas, publicitários, relações públicas e estrategistas estão cada vez mais fluidas. Quem ainda enxerga a consultoria apenas como assessoria de imprensa está preso a um modelo que já não responde aos desafios do presente.

Não por acaso, o estrategista Bryan Kramer cunhou o conceito Human to Human (H2H), mais tarde explorado por Philip Kotler. A ideia é simples, mas poderosa: por trás de qualquer relação ? seja B2B ou B2C ? há sempre pessoas conversando com pessoas. Num cenário de avanço da IA, é justamente a qualidade humana da comunicação que vai diferenciar marcas, consultores e profissionais.

O mundo se expandiu. A relação com o público final é apenas uma entre tantas que uma organização precisa cultivar. O bom consultor já não é apenas um estrategista de conteúdo ? é um agente de impacto. Alguém capaz de promover conexões humanas reais, mergulhar no universo do cliente, entender nuances culturais, institucionais e até emocionais.

Precisamos ser menos operacionais e mais relacionais. Menos ?caixa de ferramentas? e mais ?radar sensível?. Isso exige escuta ativa, leitura de contexto, visão sistêmica. E, acima de tudo, ir além da técnica. Recentemente, conheci um conceito que me marcou: ambidestria organizacional. Trata-se da capacidade de preservar o que funciona enquanto se inova radicalmente. Esse é, exatamente, o desafio que enfrentamos. Manter os fundamentos do jornalismo ? o faro, o texto, a ética ? e, ao mesmo tempo, abrir espaço para novas formas de pensar, planejar e interagir.

Inovar, nesse contexto, não significa apenas usar IA para gerar conteúdo. Significa ampliar nosso escopo de atuação, integrar disciplinas e entregar respostas mais completas e mensuráveis aos problemas dos clientes. É aprender a medir o que antes parecia imensurável. As velhas métricas ? centimetragem, valoração de mídia, quantidade de clippings ? já não bastam para justificar valor. A régua agora é outra: somos cobrados pelo impacto na cultura organizacional, na liderança, na reputação, na percepção do mercado e, claro, nos resultados do core business. Isso exige uma abordagem muito mais estratégica e integrada da comunicação.

A IA não vai nos substituir. Mas vai exigir que sejamos mais humanos. Mais estratégicos. Mais ambidestros. A professora Margarida Kunsch já alertava para essa necessidade ao propor um redimensionamento da comunicação estratégica tradicional. Para ela, ações pontuais de marketing e relações públicas são insuficientes diante dos novos cenários socioeconômicos, ambientais e éticos. A comunicação precisa ser compreendida de forma mais holística, interpretando hermeneuticamente o mundo contemporâneo.

Nesse sentido, vale considerar as quatro dimensões propostas por Kunsch: instrumental, humana, cultural e estratégica. A dimensão instrumental ? a produção de conteúdo e a transmissão da mensagem ? pode, em muitos casos, ser realizada com o apoio da IA, e com qualidade impressionante. Mas é nas outras três que residem os maiores desafios e oportunidades.

A dimensão humana ganha nova centralidade. Instituições estão cada vez mais pressionadas a se posicionar com empatia, transparência e subjetividade. Superamos, ou deveríamos superar, o raciocínio puramente instrumental. O que está em jogo é um novo humanismo comunicacional.

E vejam: nem entrei nos detalhes de um planejamento de comunicação completo, com todas as análises que ele requer. O ponto aqui é outro. É a consciência de que nosso papel mudou. E seguirá mudando.

A inteligência artificial é, sim, uma aliada poderosa. Mas seu verdadeiro potencial se revela quando usada com senso crítico, propósito e sensibilidade humana. Porque, no fim, ainda somos ? e continuaremos sendo ? pessoas falando com pessoas.

Vanessa Ferraz é jornalista e consultora de Comunicação na Critério ? Resultado em Opinião Pública