O marketing que destrói

Por Eduardo Jandt Tavares, para Coletiva.net

Vamos deixar claro: o marketing tem seu lado bonitinho e construtor, mas tem seu lado patinho feio e destruidor. Um profissional da área deveria entender bem quais são estes lados. DEVERIA. O problema é que se convencionou no mercado esse lado que constrói soluções, que é aquele lado legalzão, que todo mundo acha hype na profissão. Atualmente, o que conta é analisar métricas, dados e mais dados, tendências tecnológicas e todas essas coisas supercomplexas que mudam dia após dia. Big data, internet das coisas, inteligência artificial e realidade virtual são os assuntos que guiam as rodas de bate-papo, os eventos da área e os artigos 'disruptivos' com novidades estratosféricas vindas do Vale do Silício.

Quem não quer um profissional que seja dessa 'vanguarda digital' trabalhando pra sua marca? Concordo, é praticamente vital para a sobrevivência das empresas estarem preparadas para tantas mudanças. Também quero essas pessoas na minha equipe. Porém, com todas essas transformações tecnológicas, coletivamente demos vários passos para frente, à frente até demais, afinal, é praticamente impossível um ser humano normal absorver tantas informações e ter as tais skills impostas por nós mesmos e pelas marcas. Mas, agora, proponho sairmos desse lugar comum que o 'mercado pede' e vermos que o marketing tem que fazer também o serviço sujo. Ou seja, dar um passo atrás na história da nossa profissão.

Alguém aí está na vibe de pensar nesse passo atrás, aquele que esquecemos no meio do caminho? Pra mim, esse ponto é aquele em que pensamos na empresa, em sua estrutura como organização, nos processos internos (de todos os setores), nas pessoas, nos produtos, nos serviços e nos canais de uma forma mais visceral e crítica. A ideia é ter uma pegada mais atualizada da tradicional administração de marketing, tão difundida entre os clássicos autores de mil novecentos e guaraná com rolha.

Hey! Você vê aquele processo ultrapassado que acontece no seu setor ou nos demais setores da empresa? Vê aquela cultura interna que está atrapalhando o desenvolvimento de um produto inovador? Mas, apesar disso, acha que é mais importante cuidar daquela métrica que vai converter melhor ou então refazer aquela campanha que precisa de um ajuste e deixar pra cuidar disso depois? Se você pensa assim, provavelmente você é ou tem aptidão pra ser um especialista de alguma área do marketing. Nada contra isso, precisamos muito de especialistas, mas não podemos ser um exército de especialistas. Precisamos de pessoas que também possam cuidar do todo.

Como objetivo de carreira eu sempre busco ser um bom profissional de marketing, no sentido mais amplo e completo possível, entendendo de tudo um pouco (ao menos tentando) e não sendo o especialista 'fodástico' em nenhum assunto. Ser multidisciplinar e transversal dentro das organizações, pra mim, é o lado hype da coisa. Para isso, creio que seja fundamental esse ímpeto em destruir gaps que atrasam e emperram a evolução das coisas que precisam ser feitas. As empresas precisam disso, o Google precisa, o mercadinho de bairro precisa.

Acho que essa é uma característica que adquiri ao longo de alguns anos na empresa onde trabalho. Lá, nós pensamos no nosso negócio e nos nossos problemas, mas sempre trabalhamos também para conectar e fomentar demais negócios do Rio Grande do Sul. Como nosso foco é a informação e o conteúdo sobre negócios, tornou-se um círculo virtuoso, onde aprendo muito me informando e colaborando com o microambiente. Acho que minha visão vem daí.

Essa pegada de gestão é o que falta, muitas vezes, aos profissionais de marketing. É hora de sairmos do clichê e vermos que o marketing tem que fazer também o serviço sujo. Destruir o que está errado. É hora de os profissionais da área darem a cara à tapa. E não adianta só culpar a sua empresa se algo estiver errado, a iniciativa também tem que ser nossa. Eu diria que é nosso dever profissional colocar o dedo na ferida. Se não estiverem deixando você propor certas coisas ou não estiverem levando em consideração os seus argumentos, é mais provável que você tenha sua parcela de culpa. Você não deve estar sendo suficientemente claro ou apresentando dados que comprovem seu ponto de vista. Repense tudo e tente novamente. No momento que você conseguir comprovar o seu ponto de vista, só um louco pode dar as costas para isso.

Ah, então devemos dar opinião onde não somos chamados se acharmos que tem alguma coisa errada em outro setor? Sim. Falar sobre uma melhoria de processos na área de produção da empresa? Claro, se foram críticas visando o bem. O importante é não ter medinho de destruir para depois construir. Proponha quebras de estruturas pré-concebidas e arraigadas, mesmo que você receba algumas caras feias por isso (e vai receber, é normal).

Omitir-se não propondo a destruição dessas coisas pode afetar a imagem da marca, as vendas, a distribuição e, também, o atendimento nos mais diversos canais... E, até onde eu sei, essas partes são de nossa responsabilidade, então, no fim das contas, o problema volta a ser do marketing.

Temos que fazer de tudo para perder aquela imagem do tempo em que marketing era confundido com um departamento de comunicação (por vezes ainda é). Ou de algumas ideias atuais que levam o marketing a pensar SOMENTE no digital ou nas vendas, o marketing 'especialista' em tudo e em nada ao mesmo tempo. São estruturas bem definidas e fluindo em harmonia dentro de uma empresa que criam as situações ideais para o marketing construtor de soluções criativas e estratégicas. Portanto, está na hora de começar a destruir para realmente construir soluções inovadoras e sólidas.

Eduardo Jandt Tavares é publicitário e coordenador de Marketing do Jornal do Comércio.

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