O rádio e o radinho

Por João Carlos Ferreira da Silva Ganhei de presente, há tempos, um shower radio, um radinho fabricado nos Estados Unidos especialmente para uso durante …

Por João Carlos Ferreira da Silva
Ganhei de presente, há tempos, um shower radio, um radinho fabricado nos Estados Unidos especialmente para uso durante o banho. Funciona com pilhas, é bem vedado para suportar um eventual contato com água, e a parte superior tem a forma de um gancho, o que permite pendurá-lo em qualquer lugar, até no cano do chuveiro. Há outros modelos, lá e na Europa, como um que imita uma torneira antiga, com uma ventosa atrás para ser preso aos azulejos, ou os feitos em formatos de bichos, para crianças. Aqui, só os encontrei em lojas de produtos importados, não creio que haja algum nacional.

Por isso, com frequência, ao ligar o meu radinho, fico pensando em como, no Brasil, os que ganham bom dinheiro com o rádio - ou seja, as emissoras e os fabricantes - mostram pouco interesse na expansão desse veículo, ainda que muitas vezes lamentem a perda de espaço para outras mídias.

De modo geral, hoje se ouve rádio principalmente em situações e locais determinados. No banheiro, como perceberam os fabricantes estrangeiros; na cozinha, como pode informar quem costuma mexer com as panelas; no carro, apesar dos que preferem a música bate-estaca; nos estádios, durante os jogos; em alguns locais e tipos de trabalho, como cabines de vigia, por exemplo.

A resposta da indústria brasileira a essas preferências tem sido burocrática, para não dizer preguiçosa.

Não temos radinhos para banheiro, e os comuns, submetidos à umidade, logo se estragam.

Não temos radinhos para cozinha, embora modelos mais resistentes e fáceis de limpar fossem bem-vindos.

Temos rádios em todos os conjuntos de som para carro, mas os aparelhos e as antenas são projetados de tal forma que em muitas cidades sintonizam mal as FMs e nada das AMs.

Até fabricam alguns radinhos bons para o uso nos estádios, mas esquecem das emoções que isso envolve: por que não radinhos específicos para cada grande clube? Se existem, não são fáceis de encontrar.

Em compensação, mesmo os maiores conjuntos de som para salas incluem um rádio. Como se alguém ainda reunisse a família para sentar na sala e passar horas ouvindo sua emissora preferida?

A verdade é que a indústria não dá bola para o rádio como produto, não procura desenvolvê-lo e aperfeiçoá-lo, e isso se reflete também no comportamento do varejo. Pense um pouco: há quanto tempo você não vê um anúncio vendendo rádio? TV LCD ou plasma, IPod, mini-system e coisas desse tipo aparecem a toda hora, mas radinho, o velho e bom radinho para levar ao futebol, ouvir na cozinha ou no banheiro, o radinho companheiro (que, aliás, era o nome de um modelo dos anos 70) sumiu das ofertas gritadas na TV ou cheias de colorido nos jornais. E, pior ainda, até dos intervalos comerciais do próprio rádio?

Sei que os números da indústria indicam um crescimento nas vendas de rádios, mas me atrevo a dizer que, se verdadeiros, esses números crescem apesar, e não como consequência, do interesse dos fabricantes.

Um dono de emissora que tivesse lido até aqui poderia dizer: "Ora, nada disso é culpa nossa".

Mas é, sim, uma culpa repartida, e provavelmente a maior parte dela.

A indústria não vive só de produzir radinhos; o varejo não vive só de vendê-los. Já o rádio, como veículo, não vive sem o radinho, e, portanto, tem a obrigação de promovê-lo. É questão de sobrevivência, não de escolha.

Por que as associações de emissoras, que se metem em tantos assuntos discutíveis, não reúnem a indústria para discutir isso?

Por que não pressionam o grande varejo para conseguir que os poucos modelos de rádios existentes nas lojas não sejam escondidos em balcões envidraçados e pouco vistos?

Por que as emissoras não propõem descontos aos varejistas que anunciarem aparelhos de rádio?

Ah, é difícil, vai demorar a dar resultados?

Então tratemos das iniciativas de curto prazo, começando com uma pergunta: há quanto tempo você não encontra uma emissora de rádio que dê radinhos como brinde? Hoje eles custam muito pouco, menos até do que uma camiseta; mas de camisetas da rádio isso ou rádio aquilo as ruas estão cheias, enquanto os equipamentos, indispensáveis ao veículo rádio, nem são lembrados.

Muitos anos atrás, uma emissora de Porto Alegre distribuía radinhos em que só ela mesma podia ser sintonizada. Antipático? Talvez, mas mais inteligente do que fazer promoções que nada têm a ver com a valorização do próprio veículo.

Muitos especialistas dizem que o rádio tem grande futuro na Internet, e deve ser verdade. Porém, antes que isso aconteça, o presente e o futuro próximo do meio rádio estão, de fato, no equipamento tradicional. O que justifica parafrasear um slogan das emissoras, para dizer que, se brasileiro não vive sem rádio, o rádio não vive sem o radinho.

E agora, com licença, pois vou tomar um banho ouvindo meu shower radio.

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