O sentido do Fogo!

Por Christian Jung, para Coletiva.net

18/09/2023 16:20 / Atualizado em 18/09/2023 16:19
O sentido do Fogo! /Crédito: Álvaro Bonadiman/Palácio Piratini

O filósofo do fogo, Heráclito, defendia a ideia de que o agente transformador é o fogo. Segundo ele, seria a origem da natureza. Está sempre em movimento e tudo que é colocado em contato com o fogo não permanece como antes. Ele purifica e faz parte do espírito dos homens. Esses conceitos inspiraram os primeiros cientistas que exploraram na prática a união do material e o imaterial por meio do fogo.

É um símbolo sagrado desde os tempos da Grécia Antiga. Para os antigos gregos, representava a criação do mundo e sua renovação.

Durante a celebração dos Jogos Olímpicos, mantinham aceso um fogo que ardia durante o período das competições. Era um sinal de pureza, razão e paz.

O fogo sempre esteve relacionado ao sagrado! Além de representar essa ligação, seja através dos anjos, santos ou seres divinos. A chama, seja ela de uma vela, uma tocha, uma pira, traz consigo o significado da esperança, da vida e da força!

E não é a toa que falo sobre essa representação do simbólico, aliás, volta e meia, recorro a essa expressão do "simbólico", porque acho necessário ficar claro que para nós que vivemos do cerimonial e do protocolo, a metáfora que me refiro, do fogo, traz muito significado para os atos solenes.

"Seja por uma pira, uma tocha ou uma vela."

Aqui no Estado do Rio Grande do Sul, todos os anos, no mês de setembro, comemoramos a Semana Farroupilha, que se encerra no dia 20, onde temos o feriado em comemoração à revolução. Como não poderia deixar de ser, por mais uma vez procederemos ao Acendimento da Chama do Candeeiro Crioulo, como é chamado o objeto símbolo de uma "chama", que, SIMBOLICAMENTE, mantém vivo os ideais da revolução, por liberdade, igualdade e humanidade. Ainda que, para alguns, a revolução, tenha seu lado controverso, e que por mais uma vez o povo negro tenha sofrido as consequências por uma falsa promessa de liberdade.

Ainda assim, percebam que mais uma vez o fogo se faz presente dando significado a existência das pessoas ou da história delas e da cultura.

No ano de 1937, por iniciativa de um grupo de patriotas no Rio Grande do Sul, que procuravam um símbolo que representasse o espírito cívico do povo, surge o acendimento do ?Fogo Simbólico da Patría?, em comemoração à Semana da Independência do Brasil.

E, mais uma vez, a escolha recai sobre o fogo, elemento cuja descoberta deu início à evolução do homem.

Em 1947, no dia 7 de setembro, quando da extinção do "Fogo Simbólico da Pátria", por um gesto de Paixão Côrtes, Cyro Ferreira e Fernando Machado Vieira, que deram origem ao Movimento Tradicionalista Gaúcho, movimento que mantém e estuda a cultura do estado, retiraram uma centelha desse fogo simbólico e deram origem à "Chama Crioula", iniciando esta tradição.

E desde lá esse ato se repete.

Na minha experiência como Mestre de Cerimônias do Palácio Piratini, conduzo há alguns anos essa solenidade de Acendimento da Chama do Candeeiro Crioulo, que se mantém acesa nessa edificação histórica, durante toda a semana dos festejos farroupilhas, até ser extinta no dia 20 de setembro.

E não é à toa que ela é acesa sob o toque da vitória do Clarim da Brigada Militar, já que justamente essa chama, reflete um pouco de tudo que retratei no início deste artigo. O fogo que une o material e o imaterial. O que inspira, o que dá significado e existência ao passado de uma civilização, o que une até mesmo em tempos de guerra.

Nesse ano de 2023, trazendo à tona o que estamos enfrentando no mês de setembro no Rio Grande do Sul, com a passagem de repetidos ciclones e com uma verdadeira tragédia que assistimos, onde dois municípios ficaram totalmente destruídos por uma enchente nunca vista, faremos o acendimento do Chama Crioula, que tanto representa para uma grande parcela da população, um momento de reflexão. Nessa ocasião, ouviremos o toque do clarim, como tradicionalmente acontece, porém, daremos espaço ao silêncio das palavras. Sem pronunciamentos oficiais e sem hinos, somente com um breve esclarecimento dos fatos pelo Governador. Simbolicamente, a Chama será acesa, mantendo vivos os ideais de igualdade, liberdade e humanidade. Já o silêncio representa o respeito aos que se foram e aos que perderam suas moradias.

E dessa maneira, mais uma vez, vamos significando os atos solenes, reunidos por um elemento da natureza, transformando uma cerimônia em um momento de reflexão, dignificando o que é esse bonito e complexo trabalho, da Comunicação!

Christian Jung é publicitário, locutor e mestre de cerimônias