As narrativas curtas que chamamos variadamente de fábula, apólogo, lenda, caso, etc., têm uma economia narrativa própria que não é a mesma do conto literário. É como se fosse uma história mais longa que foi perdendo adornos e adereços ao longo do caminho através do tempo, e ficou reduzida somente ao essencial. A narrativa abaixo está na Antologia da Literatura Fantástica (org. Jorge Luís Borges, Adolfo Bioy Casares e Silvina Ocampo, Cosac Naify, 2013, trad. Josely Vianna Baptista). Ela é atribuída a Ahmed Ech Chiruani, autor talvez inventado, porque o Google não parece saber sobre ele mais do que eu sei.
OS OLHOS CULPADOS
Ahmed Ech Chiruani
Contam que um homem comprou uma moça por quatro mil denários. Um dia olhou para ela e começou a chorar. A moça lhe perguntou por que estava chorando; ele respondeu:
- Tens olhos tão belos que me esqueci de adorar a Deus.
Quando ficou sozinha, a moça arrancou os próprios olhos. Ao vê-la nesse estado, o homem ficou aflito e disse:
- Por que te maltrataste assim? Diminuíste teu valor.
Ela respondeu:
- Não quero que haja nada em mim que te afaste de adorar a Deus.
De noite, o homem ouviu em sonho uma voz que dizia: "A moça diminuiu seu valor para ti, mas o aumentou para nós e a tiramos de ti." Ao acordar, encontrou quatro mil denários sob o travesseiro. A moça estava morta. Primeiro que tudo, olha que maneira mais eficiente de começar uma história:
- Contam que um homem comprou uma moça por quatro mil denários.
- Um dia olhou para ela e começou a chorar.
- A moça lhe perguntou por que estava chorando.
- Ele respondeu: - Tens olhos tão belos que me esqueci de adorar a Deus.
- Quando ficou sozinha, a moça arrancou os próprios olhos.
- Ao vê-la nesse estado, o homem ficou aflito e disse:
- Ela respondeu:
- De noite, o homem ouviu em sonho uma voz que dizia: "A moça diminuiu seu valor para ti, mas o aumentou para nós e a tiramos de ti."
- Ao acordar, encontrou quatro mil denários sob o travesseiro. A moça estava morta.