Oscar: o que se falou foi tudo, menos o que precisava ser dito

Por Marina Mentz, para Coletiva.net

Créditos: Reprodução/ Facebook

A edição do maior prêmio do cinema internacional, que era pra ter sido a edição de retomada simbólica deste tipo de evento, teve repercussão por diversos aspectos. O que roubou a cena foi a sequência de agressões no decorrer da cerimônia - caso que já há muitos textos e reflexões por aí. Mas a constatação da cobertura do evento é que o que se falou foi tudo, menos o que precisava ser dito.

A cerimônia de entrega das estatuetas tenta se reestruturar e retomar audiência depois de alguns anos de contratempos. É evidente e inegável a importância do prêmio, que tem tradição, força e influência. Mas nem todo bom filme está lá. Mais de uma semana depois da celebração e entrega dos prêmios, o assunto segue sendo sobre as agressões ocorridas na 94ª edição.

O que talvez acabou sendo apenas detalhe na cobertura da premiação foram, de fato, os filmes e profissionais reconhecidos por seu trabalho - coisa que ficou na mídia mais especializada, mas mesmo assim, dividindo espaço com o tal assunto aquele. Mas aqui quero trazer minha opinião sobre o grande premiado.

O fato é que Sian Heder foi realmente feliz com a direção e adaptação de roteiro de Coda, e Troy Kotsur, com sua atuação brutal, foi um coadjuvante premiado com brilho maior do que o da categoria principal - a de melhor ator, para Will Smith. E isso é apenas minha opinião, ou seja, aquilo que pensa a audiência comum de filmes.

Ainda que conste: é preciso mencionar a representatividade nesta categoria do prêmio em um ambiente em que, em muitas ocasiões, as pessoas com deficiência foram representadas de forma caricata e ofensiva. A presença do capacitismo em Hollywood é uma constante, e Coda chega com uma narrativa humana e próxima, com protagonistas interpretados por pessoas com deficiência, fazendo que tudo soe como é no cotidiano. É por isso que a atuação de Kotsur cativa e comove. Mas é também por esse motivo que muitos não gostaram do resultado do prêmio.

"Ah, Coda nem era tão bom assim" ou "O filme é previsível demais para levar o prêmio principal", foram alguns dos comentários de fãs de cinema ou entendidos do assunto sobre a obra que era considerada improvável para ser eleita como principal premiada da noite. Como disse, o cinema hollywoodiano e a cultura de massa nos ensinaram a olhar de forma capacitista para o tema das deficiências - o jornalismo igualmente tem sua parte nisso.

Quer dizer, a narrativa onde a pessoa com deficiência é retratada como guerreira, heroica, vencedora, e que geralmente tem em seu roteiro uma virada épica. É claro que superar dificuldades maiores do que as enfrentadas por pessoas não PCDs é ser heroico, mas na maior parte do tempo, pessoas com deficiência só querem poder levar sua vida e seguir sua rotina - com acessibilidade, representatividade e respeito, é evidente.

É por isso que quando vemos uma história que mostra uma família de pessoas com deficiência auditiva, onde uma das filhas é ouvinte, e nessa história o que aparece se parece com a vida que não PCDs levam, isso causa estranhamento. Isso porque Coda tem conflito entre irmãos, tem embate de pais e filhos, tem humor rasteiro sobre pais com vida sexual ativa, tem romance adolescente, tem família trabalhadora com problemas financeiros, e tudo isso tendo como paralelo o tema da deficiência. O resultado é uma mostra de que tudo isso também está na vida das pessoas com deficiência. Quem sabe a grande representatividade esteja nisso.

Coda é um remake, e seu grande passo além do original La Familia Bélier, é ter no elenco atores com deficiência - coisa que o francês não tinha -, tornando o filme, apesar de simples, humano e responsável. A torcida é que o prêmio para Coda tenha vindo para que haja o entendimento derradeiro de que o crip-face não é algo aceitável, e que possamos ver mais discursos de agradecimento como o de Kotsur.

Marina Mentz é jornalista e pesquisadora da Comunicação.

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